«Proletários de todo o mundo, uni-vos!», escreveram Marx e Engels em 1848, frase que muitos repetiram e proclamaram.
O sonho de Marx e Engels não poderia, no entanto, estar hoje mais esfarelado, apesar de um por cento da humanidade acumular quase o dobro da riqueza dos restantes noventa e nove por cento. Mas pronto… já não haverá salários em atraso, já não haverá acidentes laborais, evoluímos tanto que, parafraseando José Alberto Braga, em Pensamentos & Reflexões, os escravos até já têm Cartão de Cidadão.
Nos dias de hoje, o mote é outro.
O mote é o seguinte: «Proletários de todo o mundo, apartai-vos e dilacerai-vos, procurai o maior número de fragmentações entre vós!»
Jovens e velhos, guerreai uns contra os outros!
Homens e mulheres, lutai encarniçadamente uns contra os outros!
Trabalhadores do público e trabalhadores do privado, apartai-vos e insultai-vos!
Nacionais e estrangeiros, lutai uns contra os outros!
Brancos e não-brancos, lutai uns contra os outros!
Imigrantes legais e imigrantes ilegais, lutai uns contra os outros!
Descendentes de ex-colonizadores e descendentes de ex-colonizados, lutai uns contra os outros!
Pobre, o teu inimigo é o miserável!
Remediado, o teu inimigo é aquele que vai nu!
Trabalhadores empregados, a vossa luta é contra os desempregados, contra a malta do RSI, que gasta o dinheiro em cidades cosmopolitas e hotéis de cinco estrelas, e contra esse grande saco a que se chama «subsídio-dependentes».
Trabalhadores de todos os sectores, difamai as demais classes profissionais! Atacai todas as greves que não sejam da vossa profissão!
Fura-greves, reclamai o vosso brio profissional e atacai os suínos grevistas! Quando há uma greve, os jornalistas são vossos amigos! Vejamos: há uma greve nos transportes públicos, e pergunta-se a quem não apanhou o transporte se está satisfeito. É esta a deontologia jornalística sobre uma greve: estar de microfone na mão a ouvir os que sofrem com a greve.
Motoristas de táxi, lutai contra os motoristas dos TVDE!
Motoristas dos TVDE, lutai contra os motoristas de táxi!
Feministas cis e activistas transgénero, arranjai o maior número possível de divisões entre vós! Feministas brancas e feministas não-brancas, dividi-vos e canibalizai-vos!
Trabalhador dos mil euros, luta mas é por mais impostos para o trabalhador dos dois mil euros!
Pessoal do Ocidente, arranjai lutas identitárias, e, dentro de cada luta identitária, fragmentai-vos o máximo! Isto vai ser a loucura! Fora do Ocidente, esses direitos estão todos bem resolvidos, pelo que lutai apenas no Ocidente, berrai apenas no Ocidente… e contra o Ocidente, o grande caldeirão de todos os males. É certamente mais importante para o mundo que o «todes» vingue sobre o «todos» no Ocidente do que lutar (lutar?, piar…) contra regimes fora do Ocidente com ordenamentos jurídicos que punem com prisão e morte a mulher adúltera e os homossexuais.
As multinacionais que apoiam as ditaduras mais repressivas, que exploram África, que fazem tudo para fugir aos impostos, usam as bandeiras inclusivas quando se trata do mundo ocidental, e, portanto, está tudo bem. Só um exemplo: Elon Musk tem menos carga fiscal do que um comerciante no Uganda.
Alguém nas altas e obscuras hierarquias sorri com o pagode cá em baixo, mas que importa isso quando se está em hipnose?
Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua
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