Empresa de laboratórios facturou ao Estado mais de 26 milhões de euros desde 2020

Sem pandemia, contas da Joaquim Chaves Saúde afundam no ‘vermelho’ e despedir é a solução

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 4, 2024


Categoria: Exame

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A pandemia foi uma crise sanitária negativa para as populações, mas um maná para muitos empresários. Que o diga a holding Joaquim Chaves Saúde que facturou bem nos dois primeiros anos da covid-19 em Portugal, lucrando 12,2 milhões de euros em 2020 e 2021, e quebrando um ciclo negativo de prejuízos. Mas com o ‘desinvestimento’ público em redor do SARS-CoV-2, e com a necessidade de se virar para o mercado sem apoios públicos, a Joaquim Chaves Saúde afundou-se de novo nos prejuízos durante o ano de 2022, com um resultado negativo de quase 4,4 milhões de euros. Embora as contas de 2023 ainda não tenham sido apresentadas, o anúncio de despedimento de 92 funcionários não augura agora uma situação financeira saudável.


Numa perspectiva financeira, depois da bonança, a tempestade. Ou, melhor dizendo, depois da pandemia, surgem os cenários sombrios. O anúncio do despedimento de 92 funcionários da Joaquim Chaves Saúde, holding familiar que detém cerca de 350 postos de recolha de análises, clínicas médicas, centros de radioterapia e clubes de fitness confirma que o ano de 2023 terá agravado uma situação financeira que antes de 2020 não era brilhante, e que só foi ‘mascarada’ pelos ‘balões de oxigénio’ que resultaram em fabulosos ganhos na realização de testes de detecção do SARS-CoV-2 e outros exames de diagnóstico.

Com efeito, embora ainda seja prematuro conhecer o desempenho financeiro de 2023, a Joaquim Chaves Saúde já apresentara fortes prejuízos no ano de 2022, em consequência da redução significativa de análises associada à covid-19. Depois de um pico no início daquele ano com o surgimento da variante Ómicron, a estratégia de realização massiva de testes modificou-se e a empresa viu a sua actividade laboratorial nesse sector diminuir 56% face a 2021. Muito por essa quebra, a Joaquim Chaves Saúde acabou por apresentar em 2022 um prejuízo de quase 4,4 milhões de euros.   

Esse desempenho ‘comeu’ uma parte relevante – mas longe de ser todo – o lucro acumulado nos dois anos da pandemia. Em 2020, a Joaquim Chaves Saúde acabou o exercício com resultados líquidos positivos de 4,7 milhões de euros. O ano seguinte, com a massificação dos testes de detecção do SARS-CoV-2, a empresa apostou fortemente no aumento da sua capacidade laboratorial, e terminou com lucros de 7,5 milhões de euros.

Só em testes comprados por entidades públicas, a Joaquim Chaves Saúde facturou mais de 8,3 milhões de euros, destacando-se três ajustes directos concedidos pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares no valor de 5,3 milhões de euros. Recorde-se que em 2021, o Governo decidiu, sem uma justificação científica plausível, ‘varrer’ as escolas com testes mesmo a alunos e professores sem quaisquer sintomas e mesmo em estabelecimentos sem surtos. O maior contrato foi assinado em 6 de Abril de 2021, resultando na aquisição de cerca de 147 mil testes ao preço unitário de 20 euros. Contas feitas, entraram só com este contrato mais de 2,9 milhões de euros nos cofres da Joaquim Chaves Saúde.

Estes dois anos de ‘ouro’ – em 2020 e 2021 houve um lucro acumulado de 12,2 milhões de euros – inverteram uma situação de prejuízos consecutivos nos períodos anteriores. De acordo com a consulta do PÁGINA UM às demonstrações financeiras da Joaquim Chaves Saúde, a empresa apresentou sempre prejuízos entre 2017 e 2019. No primeiro ano deste triénio, os resultados negativos foram de 229 mil euros, agravando para 309 mil em 2018 e subindo os prejuízos para os 1,7 milhões de euros. Ou seja, no triénio anterior ao início da pandemia a Joaquim Chaves Saúde apresentou um prejuízo acumulado de mais de 2,2 milhões de euros.

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Os únicos dois anos com resultados positivos da Joaquim Chaves Saúde coincidem com dois ‘eventos’ interligados: o auge da pandemia da covid-19 e um forte incremento da contratualização com entidades públicas, que abrangeram também serviços de radioterapia e outras análises clínicas.

Analisando os diversos contratos de empresas do universo da Joaquim Chaves Saúde no Portal Base desde 2009 mostra-se notório que somente a partir de 2020 os montantes passaram a ser relevantes. Antes do primeiro ano da pandemia, a Joaquim Chaves Saúde nunca ultrapassou a fasquia de um milhão de euros de facturação com entidades públicas, com os melhores a serem 2017 (537.766 euros) e 2019 (537.766 euros).

A partir de 2020, a “torneira’ pública abriu. Nesse ano, as empresas do universo Joaquim Chaves conseguiram 14 contratos públicos, atingindo um total de cerca de 1,7 milhões de euros, mas estava ainda longe do que se atingiu nos dois anos seguintes. Em 2021 identificam-se 43 contratos no valor de quase 8,3 milhões de euros, e no ano seguinte os 37 contratos aproximaram-se dos 14 milhões de euros.

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Neste montante está incluído a concessão da exploração da unidade de radioterapia do hospital de Évora, através de concurso público, no valor de mais de 10,6 milhões de euros. Este contrato tem duração de quatro anos, pelo que o impacte nas contas fica diluído, pelo que não evitou que as contas de 2022 ficassem no ‘vermelho’. Saliente-se ainda que os 18 contratos celebrados em 2023 com entidades públicas, por agora registados no Portal Base, se situam nos 2,8 milhões de euros.

O fim da pandemia não é, contudo, apontada pela Joaquim Chaves Saúde como a causa dos despedimentos anunciados. Em comunicado ontem citado pelo Jornal de Negócios, a empresa justifica a medida para “garantir a sustentabilidade da empresa e a manutenção dos mais de 3.000 colaboradores”, mostrando-se “fundamental uma racionalização dos processos produtivos, quer com base nos investimentos tecnológicos entretanto implementados, quanto nos próprios procedimentos internos”. E diz ainda que, “nos últimos anos, apostou fortemente em equipas, infraestruturas e equipamentos numa perspetiva de crescimento de atividade que, dado o contexto atual do mercado, revelam-se sobredimensionadas, criando constrangimentos que agora se tornam indispensáveis resolver”.


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