a lei das grades

Tribunal Constitucional faz justiça

black metal fence during daytime

por Vítor Ilharco // Janeiro 6, 2024


Categoria: Opinião

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A nossa Lei determina que as penas de prisão têm duas finalidades: reabilitar e punir. E por esta ordem.

Uma das razões para tal reside no facto de, em Portugal, país europeu e democrático, não existir pena de morte nem prisão perpétua.

Logo, um recluso, por mais hediondo que tenha sido o crime que cometeu, acabará por ser libertado.

Posto isto, caberá ao Estado usar a prisão para reabilitar, educar e reintegrar.

Na maioria dos casos até seria mais correcto escrever “integrar” porque são milhares os nossos presos que nunca estiveram verdadeiramente integrados na sociedade.

Uma das maneiras de os responsáveis saberem se o esforço de educação e reabilitação está a ser bem-sucedido é através da análise ao sucesso das saídas jurisdicionais (vulgo precárias).

A Lei estipula que um recluso, ao ter cumprido um quarto da sua pena, poderá beneficiar dessas saídas.

a long hallway with a bunch of lockers in it

Exemplifico:

Se um preso estiver condenado a doze anos de cadeia, ao fim de três anos poderá ir a casa, por dois dias, e regressar à prisão.

Os técnicos do Instituto de Reinserção Social deverão, depois, ir saber, junto de vizinhos e autoridades locais, do comportamento daquele durante esses dias.

Caso tudo tivesse acontecido normalmente o recluso poderia sair, de novo, a cada três meses sendo que a duração dessas saídas poderia ir aumentando até sete dias.

Ao meio da pena, seis anos, poderia ser libertado.

Mas, em liberdade condicional por igual período. Isto é, se cometesse o mais pequeno delito, regressaria à cadeia e, antes de cumprir a nova pena, teria de cumprir, integralmente, os seis anos que lhe tinham sido “perdoados”.

Um extraordinário método de combate à reincidência.

Os Serviços Prisionais, e os Tribunais de Execução de Penas, todavia, NUNCA cumpriram esta Lei.

Em Portugal não há um único recluso que tenha beneficiado de uma saída jurisdicional ao quarto da pena e só alguns muito, mas muito, especiais conseguem uma liberdade condicional ao meio.

Só agora, que o Tribunal Constitucional proferiu (depois de recurso de um recluso do Estabelecimento Prisional de Évora) uma terceira decisão favorável à hipótese de recurso, para Tribunal Superior, das decisões dos Tribunais de Execução de Penas em relação às concessões de “saídas jurisdicionais” é que os cidadãos poderão perceber a enorme imoralidade, para não dizer ilegalidade, que se vivia, diariamente, nas nossas cadeias.

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Com esta medida põe-se cobro à possibilidade de uma decisão, meramente administrativa, decidir sobre um direito fundamental como é o da Liberdade.

As saídas jurisdicionais que, nunca é demais repetir, são importantíssimas para a reabilitação e reintegração dos reclusos, têm sido decididas com base no parecer de um Conselho Técnico (composto pelo director da cadeia, chefe de guardas, e técnicos dos Serviços de Educação e Instituto de Reinserção Social) e depois da opinião do Ministério Público, pelos juízes dos Tribunais de Execução de Penas, sem que qualquer dos dois Magistrados tenham tido anterior contacto com o recluso, que obviamente não conhecem, sem este ser ouvido, sem a possibilidade de estar representado por advogado e sem direito a recurso para Tribunal Superior.

Acresce que, inúmeras vezes, alguns dos elementos do Conselho Técnico, especialmente os elementos do IRS, também apresentam relatórios sem nunca terem contactado os reclusos sobre os quais opinam.

Uma autêntica distorção do “espírito da Lei” até porque o Tribunal não fundamenta, minimamente, os motivos porque concede, ou indefere, as saídas, limitando-se o juiz a colocar, no impresso da decisão, uma cruz antes de uma das quatro ou cinco frases que dele constam (“perigo de fuga”, “não interiorizou o desvalor da conta”, “perigo de alarme social”, etc.).

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Com esta decisão do Tribunal Constitucional, que só peca por ser muitíssimo tardia, não só os juízes terão de justificar as decisões tomadas como estas passarão a ser, em caso de recurso, analisadas por Tribunal Superior.

Vai sendo tempo de Portugal deixar de ser, como todas as Entidades Europeias reconhecem, o segundo País mais seguro da Europa, o que tem maior número de presos “per capita” e aquele onde as penas, efectivamente cumpridas, são as mais elevadas da Europa.

Fossem as nossas leis devidamente cumpridas, dentro dos Estabelecimentos Prisionais, e as nossas prisões teriam pouco mais de metade dos actuais reclusos.

Claro que isso traria outros gravíssimos problemas ao Sistema.

Um bom tema para uma próxima Crónica.

Vítor Ilharco

(Secretário-Geral da APAR)


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