Novo patrocínio de Isaltino Morais desencadeia clarificação (necessária)

Falar Global: programa da CMTV vai assumir (finalmente) que não é conteúdo informativo

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 12, 2024


Categoria: Imprensa

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Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já abrira um processo de contra-ordenação por violação da Lei da Televisão, uma vez que o programa Falar Global tinha conteúdos comerciais e era assumido pela CMTV como informação. Para tentar corrigir esta situação, Reginaldo Rodrigues de Almeida, o apresentador que andava a assinar com a sua empresa contratos comerciais para patrocinar este programa, suspendeu a carteira profissional de jornalista, mas foi continuando os seus negócios. No início deste mês, sacou um novo patrocínio de Isaltino Morais para promover no Falar Global a marca Oeiras Valley. A direcção editorial da CMTV, na iminência de nova sanção da ERC, decidiu que o programa é aquilo que tentava não ser: um conteúdo comercial incompatível com a presença de jornalistas.


Ao jornalismo o que é do jornalismo; e ao marketing o que é do marketing. A direcção editorial da CMTV decidiu esta semana passar a retirar quaisquer referências ao carácter informativo do polémico programa Falar Global, emitido semanalmente naquele canal televisivo do grupo MediaLivre (ex-Cofina Media). Na ficha técnica vai deixar de constar a menção a ser um programa da responsabilidade da direcção de informação da CMTV, e não será permitida a participação de qualquer jornalista. O programa destaca sobretudo temas de tecnologia e inovação, promovendo produtos e também instituições universitárias e empresas, mas até agora mostrava-se aos telespectadores como se fosse um produto informativo.

Esta decisão surge após o PÁGINA UM ter detectado mais um contrato de 50 mil euros, assinado já este mês entre a empresa Kind of Magic, detida pelo co-autor do Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e a Câmara Municipal de Oeiras para “aquisição de conteúdos publicitários de divulgação da marca ‘Oeiras Valley’ naquele programa. Aquele empresário é também professor da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo membro dos Conselhos Científico e Pedagógico.

Reginaldo Rodrigues de Almeida, professor da Universidade Autónoma de Lisboa, usou carteira profissional de jornalista para montar um programa de informação que, na verdade, estava ‘inundado’ de conteúdos comerciais escondidos.

Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)  já instaurara um processo de contraordenação à Cofina Media por causa deste programa semanal por transmitir conteúdos comerciais num programa supostamente informativo com a participação de jornalistas (Reginaldo Rodrigues de Almeida e Suely Costa) e onde surgia uma ficha técnica que incluía mesmo o nome do director daquele canal televisivo e também do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues.

O regulador, conforme noticiado pelo PÁGINA UM em Novembro passado, analisou três programas de Reginaldo Rodrigues de Almeida na CMTV, e destacou que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente”, acrescentando também que “a salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses promocionais de entidades externas à redação”.

E concluía ainda que “daí decorre que a transparência e independência editorial não podem ser caucionadas de forma cabal em conteúdos pagos que são escritos por jornalistas”, o regulador destaca a singularidade de o jornalista, que é um dos autores do programa e que o apresenta [Reginaldo Rodrigues de Almeida] ser o proprietário da empresa (Kind of Magic) que celebrou os dois contratos com as entidades externas ao órgão de comunicação social, o Município de Oeiras e a Universidade de Aveiro, dos quais resultaram os conteúdos exibidos nas três edições do ‘Falar Global’ aqui em análise”.

Ficha técnica do programa Falar Global emitido no passado dia 9 de Janeiro. Será o último com referência à direcção de informação da CMTV, assumindo-se a partir de agora como um conteúdo comercial.

Além de dar um conjunto de ‘recados’ críticos à CMTV, a ERC decidiu ainda decidiu remeter a sua deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para “averiguação de eventual incumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas”. Antes desta decisão, podia-se assistir no Falar Gobal às conversas de Suely Costa, que se apresentava como jornalista de forma explícita, a auxiliar a promoção da venda, por exemplo, de auriculares com purificação de ar, de caixotes de lixo que fecham os sacos e até de cotonetes electrónicos.

Ora, de acordo com a Lei da Televisão, “os serviços de programas televisivos e os serviços de comunicação audiovisual a pedido, bem como os respectivos programas patrocinados”, devem ser “claramente identificados como tal pelo nome, logótipo ou qualquer outro sinal distintivo do patrocinador dos seus produtos ou dos seus serviços”. Algo que não sucedeu pelo menos nos casos dos diversos contratos públicos revelados em Agosto passado pelo PÁGINA UM.

Além de contribuir para desprestigiar a profissão de jornalista, a violação deste princípio de separação entre informação e conteúdos comerciais conduz a uma contraordenação considerada grave, que, no caso em apreço pode valer à nova dona da CMTV, que tem como sócio principal o futebolista Cristiano Ronaldo, uma multa entre os 20 mil e os 150 mil euros.

Nos últimos programas de 2023, já em consequência da deliberação da ERC, extremamente crítica para a CMTV, o apresentador do programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e Suely Costa – que conduzia sempre uma rubrica com o mesmo convidado da empresa iServices, chegando mesmo a promover a compras dos produtos divulgados – deixaram de se apresentar como jornalistas.

Começando com uma curta rubrica dedicada à Ciência e Tecnologia em 2015 na CMTV, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi transformando o Falar Global num programa comercial ‘travestido’ de informação.

Segundo apurou o PÁGINA UM, os dois terão entregado a carteira, uma vez que os seus nomes já não surgem no registo público da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), por a actividade comercial ser incompatível. No entanto, se a CCPJ assim quiser – ou estiver interessada em contribuir para terminar com a promiscuidade entre jornalismo e actividades comerciais –, poderá ainda accionar mecanismos sancionatórios contra aqueles dois jornalistas com carteira suspensa.

Segundo revelou ao PÁGINA UM fonte oficial da CMTV, além da retirada de menção a um alegado carácter informativo do Falar Global, será feita “uma alusão clara” de o programa ser “da responsabilidade da produtora Kind of Magic”, e que sempre que forem emitidos conteúdos relacionados com a marca “Oeiras Valley” – como Isaltino Morais pretende dar a conhecer aquele município português – haverá referência expressa. A mesma fonte adiantou que a CMTV irá comunicar ao regulador a mudança de procedimentos, até para evitar um agravamento da sanção pelas violações à Lei da Televisão cometidas


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