Devia começar por falar numa tarde invernal, embora somente com uns pingos, onde somente os mais corajosos vão à Catedral, em vez de ficarem no quentinho das suas casas – se tiverem dinheiro para a conta da electricidade. Mas não: vou contar uma ‘história’ da minha infância em redor do futebol que ia para além de ouvir os relatos na Rádio Ranscença do Artur Agostinho e Ribeiro Cristóvão.
Na minha infância, à conta da inexistência de PlayStation e do FIFA– não só por ainda não estar inventada, mas também, se estivesse, estaria eu na ala contrária à da família do Pedro Nuno Santos, apesar de essa “desigualdade” lhe ir fazer grande “confusão” depois de nascer –, eu entretinha-me a inventar campeonatos de futebol, com jogos entre todas as equipas, a duas voltas, claro, e os golos eram determinados pelos números inseridos em pedacinhos de papel com números de 1 a 10, que eu desenrolava para definir o resultado final.
Nessa altura, pouco entendido em probabilidades – ignorando que deveria meter mais números pequenos do que grandes na bolsa do ‘sorteio’–, os resultados acabavam por se pareceram mais a um campeonato de hóquei em patins do que ao de um de futebol, tantos eram os 5-3, os 6-9 e os 4-4, e até as chances de um 9-9 eram, na verdade, sem eu o saber, similares à de um monótono 0-0.
Para a coisa ser ainda mais inverosímil, criava nomes, os mais estapafúrdios (a ponto de, me recordar de alguns, quatro décadas mais tarde), para não se dar o caso de, escolhendo clubes conhecidos, o meu preferido (o Benfica, claro) não ser surpreendido com um 0-9 do Penafiel ou do Tirsense… ou do Rio Ave.
(e estando a escrever isto, e já lá vamos ao motivo, e vamos ver se isto não me vai correr mal, o Rio Ave marcou ao minuto 9; e, além disto, já não será desta que assistirei ao desejado 15-0)
Isto para dizer que cresci sempre com o desejo de vencer. Adoro ganhar. Mas o “adoro ganhar” não significa que não tenha a noção de que, de quando em vez, se pode perder. Mas, escolhendo-se o Benfica, pelo menos tem-se maior probabilidade de se vencer muitíssimo mais. Pelo menos, na primeira metade da minha vida – ou, vá lá, até aos meus 20 anos em 1990, quando perdemos a última final da Liga dos Campeões contra o Milão.
Ora, mas no futebol de verdade, o prazer de ganhar não advém só da vitória nem tão-pouco de confraternizar com os nossos correligionários. Saborear uma vitória sozinho é uma chatice, e com os nossos adeptos é satisfatório. Na verdade, uma vitória somente se torna sublime, atinge outro patamar de prazer, se se tivermos alguém para ‘brincar’ da situação, ou seja, com um antagonista.
Por isso, se uma vitória contra o Porto se mostra mais satisfatória do que contra o Portimonense, mesmo valendo ambos três pontos, ainda é melhor se tivermos um amigo portista para gozar. Por isso, este campeonato, sobretudo por se andar a jogar mal em demasiadas ocasiões, vai saber melhor porque tenho um amigo sportinguista que anda a enviar-me fotos do cão com um cachecol verde e branco, pensando ilusoriamente que o benfiquista Rubem Amorim lhe vai dar uma segunda alegria.
(para me aliviar, o Di Maria, a passe de Rafa, faz um golo de belo efeito; reposta a igualdade; vamos lá à imprescindível vitória, por numerosos expressivos, para esta crónica ao vivo não redundar numa vergonha para mim, ao estilo ‘vais tosquiar e sais tosquiado’)
Digo isto para poder acrescentar que, por norma e princípio, não aprecio ‘brincar’ ou gozar com pessoas de quem não sou amigo pelos desaires dos adversários do Benfica, mas hoje, neste jogo em particular, contra o Rio Ave, abri uma excepção. E até antecipei o gozo, trazendo ‘acompanhamento’ condigno: um alvarinho Palácio da Brejoeira. Quero dar uns bons goles, pelo menos três por cada golo, em honra ao ‘Senhor Alvarinho’.
O Senhor Alvarinho, assim se apresenta, nem deu boa avaliação ao Palácio da Brejoeira (6/10), mas também o senhor tem bico que não se satisfaz com pouco: para se ter direito a um 9/10, como na última ‘recensão’ do Alvorone, da Quinta de Soalheira, tem de se despachar 45 euros por garrafa, se não se receber, claro, uma descomprometida oferta do produtor.
(depois do intervalo, recomeça o jogo, e o sofrimento do Benfica; por duas vezes, bola ao poste, uma das quais após fífia de Trubin; deixa-me é beber alvarinho para ver se acalmo os nervos)
Ora, mas se eu trouxe alvarinho – não na garrafa, por ser proibido vidro, mas sim num ‘bidon’ verde, para disfarçar com o famoso e imperdível farnel do Benfica, mesmo não sendo suposto um jornalista, ainda mais ‘bem comportadinho’ como eu, arremessar objectos da Varanda da Luz –; dizia eu, trouxe para aqui um alvarinho por maldade: o Senhor Alvarinho é, na verdade, nas horas vagas sem névoa etílica de alvarinhos, um denodado Provedor do Adepto do Rio Ave, cargo curioso, que pode mesmo causar espanto, porque existindo a função se assume a existência de adeptos do Rio Ave… Bom, na verdade, não é pela existência de padres que se comprova a existência de Deus… Enfim, acreditando ou crendo que o Provedor do Adepto do Rio Ave aqui está, gostaria então de o brindar com um alvarinho mesmo se um de quinta categoria para o seu gosto.
(expulsão do defesa Aderllan Santos, do Rio Ave, por acumulação de amarelos… Já estou a ver os meus amigos portistas e benfiquistas a dizerem que o Benfica só ganha contra 10… e olha, três minutos depois e… goloooooooooo… António Silva, à ponta de lança, depois de uma grande confusão na grande área)
Bom, já se está a coisa a compor, entretanto o Schmidt decide por umas substituições para animar, fazendo entrar o reforço Marcos Leonardo, o Florentino Luís e o Tiago Gouveia, e parece-me que isto está garantido. E, portanto, posso finalmente desvendar a inspiração desta crónica e quem é o Senhor Alvarinho, que é também o Senhor Provedor do Adepto do Rio Ave, a quem desejo – porque isto, no futebol, é permitido algum sadismo – que venha a ser, na próxima época, o Provedor dos Adeptos dos Clubes da Segunda Liga. Portanto, o Senhor Alvarinho, simultaneamente Senhor Provedor do Adepto do Rio Ave e eventual futuro Provedor dos Adeptos dos Clubes da Segunda Liga é…
(golooooooooooooooo…. 3-1… Marcos Leonardo, estreia a marcar na estreia com um belo cabeceamento)
Chupa, João Paulo Meneses… é isso mesmo: o actual presidente do meu ‘mui querido’ Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, um tal de João Paulo Meneses, que no último ano andou a fazer um frete à doutora Licínia Girão e ao Hospital de Braga contra o PÁGINA UM, em vez de andar preocupado em criticar as promiscuidades de jornalistas e directores editoriais que tanto mal têm causado ao jornalismo. Toma lá, provedor. Já jorro alvarinho como champanhe!
E agora, se me dão licença, vou ver um bocadinho com mais atenção o final do jogo.
(golooooooooo… 4-1… marca João Mário)
Chupa, João Paulo Meneses!
E dedica-te aos alvarinhos, que acho que tens muito mais jeito para isso: na verdade, o Palácio da Brejoeira não é lá grande ‘espingarda’. Prometo, se o Rio Ave descer de divisão no final desta época, perder o amor a 45 euros (pois não tenho um produtor amigo) e bebo um Alvorone, da Quinta de Soalheira em honra da tua desdita. E acompanhado com salmão fumado, como bem aconselhas no teu Senhor Alvarinho. Vai saber-me que nem ginjas…
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