VISTO DE FORA

Sair novo de Portugal: uma viagem sem regresso (ou só para férias)

person holding camera lens

minuto/s restantes


Começo esta crónica a citar o cabeçalho de uma reportagem publicada no Expresso: “Portugal tem a taxa de emigração mais alta da Europa e uma das maiores do mundo. A vaga contínua de saídas ao longo das últimas décadas engrossou o número de portugueses no estrangeiro, acelerando a perda de população jovem. De acordo com uma estimativa do Observatório da Emigração, 30% dos nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos deixaram o país em algum momento e vivem atualmente no exterior. São mais de 850 mil.”

Escrevi, numa destas crónicas do PÁGINA UM, aquilo que considerava ser o flagelo da emigração jovem, tendo como base a equipa com a qual trabalho no norte da Europa. Uma infeliz coincidência que, ainda assim, ilustra perfeitamente os tais 30% que desapareceram.

the wing of an airplane flying over a city

Somos sete (daqui a 15 dias seremos oito) engenheiros formados em Portugal que tomaram a decisão de emigrar ainda na casa dos 20 anos. Eu, o mais velho, ainda cheguei a trabalhar em Portugal cinco anos, mas já os restantes, muito mais espertos do que eu, começaram logo num sítio onde a força de trabalho é recompensada com salários decentes.

Estamos a falar de gente que adquire os seus conhecimentos na Escola Pública, financiados pelos impostos, e que, em muitos casos, vão utilizar esses conhecimentos adquiridos em Portugal para o desenvolvimento económico de outro país qualquer.

E já agora – e este é um detalhe importante, pelo que vou observando na minha área: são profissionais com uma formação de excelência que, uma vez fora de Portugal, com as portas que conseguem abrir à custa dessa mesma formação, ficam com o caminho de regresso praticamente vedado. As hipóteses de carreira que nos são oferecidas nos países desenvolvidos, desculpem-me a honestidade, envergonham aquilo que é expectável em Portugal.

No nosso país chegamos a um ponto em que tudo está errado. A cultura de trabalho, a necessidade de marcar hierarquias, a limitação da criatividade, a burocracia em lugar da produtividade, os salários miseráveis.

empty chairs in theater

Quando saí de Portugal, ainda Pedro Passos Coelho não nos tinha sugerido emigrar. As diferenças para a Europa civilizada eram mais fáceis de disfarçar. Lembro-me de ter pensado em emigrar porque queria ver qualquer coisa diferente. Acho que, no fundo, queria viajar. Estava convencido que dois ou três anos depois estaria de volta a Lisboa para vestir um daqueles fatos que nos exigiam para estar a trabalhar atrás de um computador. Ao fim desses mesmos três anos, já o meu filho tinha nascido fora de Portugal e o regresso passou a ter mais impedimentos.

Já não eram só as condições de trabalho, mas também as regalias da paternidade. Também aí estamos a um mundo de distância. Os dois ou três anos passaram a 18 e, durante esse tempo, nada mudou de relevante em Portugal. Quer dizer, fizeram-se mais estradas, aquilo que os sucessivos Governos continuam a vender como “progresso e desenvolvimento”. Alguém continua a vender-nos a ideia de que, num país com 650 por 200 quilómetros, o crescimento económico aparece antes de termos 40 auto-estradas, Scuts e IPs espalhadas por todo o lado com portagens infindáveis. Ninguém ainda se deu ao trabalho de verificar que os países mais desenvolvidos no Norte da Europa não têm propriamente uma grande rede de auto-estradas, excepção feita à Alemanha por ser zona de passagem para todas as rotas do comércio.

Por isto tudo, hoje… o que pensará um miúdo que sai de uma Universidade e percebe que os salários disponíveis não chegam sequer para ser independente e autónomo? A dúvida é sempre entre ficar perto de família e amigos a contar trocos para sobreviver ou, em alternativa, fazer o sacrifício de emigrar e deixar de ter preocupações com contas. Sim, sacrifício.

turned of yellow road lights

Emigrar acaba sempre por ser um sacrifício. Ou na altura da partida ou quando percebemos que o regresso é impossível. Foi isso que os restantes sete que trabalham comigo fizeram. Ganharam independência e autonomia antes de completarem 23 anos. Não precisam de viver com os pais, não dependem da formação de um casal para dividirem as contas de uma casa e são integrados num ambiente de trabalho onde todo o crescimento depende apenas da competência e da dedicação. Podem de facto chegar a algum lado pela via do trabalho se assim quiserem. Não é esse o cenário mais comum em Portugal.

Diz o Expresso que 30% das pessoas entre os 15 e os 39 anos estão fora do país. Isto significa que não só o mercado de trabalho é afectado como a natalidade do país se ressente (ainda mais). O acaso de termos uma das populações mais envelhecidas da Europa e a taxa mais alta de emigração, como compreenderão, não é mera coincidência.

Há 20 anos que me deito a pensar o que seria o nosso país se, em vez dos desastrosos investimentos na rodovia e nas construtoras do regime ou no resgate da banca, se tivessem construído creches públicas, tornado o ensino verdadeiramente universal e aumentado os salários para níveis de Primeiro Mundo?

Li esta semana que o salário mínimo passou, aqui ao lado em Espanha, para 1.100 euros. Mas o que me espantou verdadeiramente foi perceber que apenas 5% dos espanhóis recebem esse salário. Em Portugal quase 75% das pessoas trazem para casa 900 euros ou menos – ou seja, não estamos longe de ter quase o país todo a receber o salário mínimo. O mais incrível é que partimos nesta corrida dentro da União Europeia ao mesmo nível de Espanha. Hoje somos, na melhor das hipóteses, o envergonhado parente pobre.

desk globe on table

Portanto, não há três soluções para estancar a saída de jovens do país. Ou se aumentam os salários para cobrir o absurdo custo de vida ou se reduz drasticamente, pelo menos, o custo da habitação e da Educação.

Não se pode esperar que um casal fique num país onde o salário médio são 1.100 euros e uma creche, uma prestação de um carro, a renda de uma casa, energia e alimentação não deixam nada no bolso para viver. Limitamo-nos a trabalhar para pagar contas. Por mais que se goste do sol, do céu azul e da sardinha a pingar, ninguém quer passar 17 anos a estudar para andar os 40 anos seguintes a ver se chega ao fim do mês. A vida é e tem de ser algo mais do que isso.

Voltamos sempre ao ponto crucial desta história toda que são as opções políticas. Portugal passou décadas a desviar subsídios europeus para uma clientela (para não lhe chamar corrupção) sem ter preocupações de verdadeiro desenvolvimento. Somos o caso de estudo na União Europeia para o que falhou. Há 30 anos que os nossos Governos se limitam a gerir fundos sem com isso contribuir verdadeiramente para o crescimento do país. São opções. No fim do caminho estão sempre as nossas escolhas. O Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) trilharam este caminho.

a view of a bridge over a body of water

Hoje, ontem, e provavelmente amanhã, Portugal escolhe fazer estradas e embelezar hotéis para receber turistas. Entretanto, aqueles que por cá nasceram, vão-se afogando em impostos, salários vergonhosos e custos de vida absolutamente incomportáveis. E vão-se embora.

Quem é que os pode criticar? Eu não, certamente.

Chegará o dia em que seremos oficialmente a Republica Dominicana do continente europeu – e estaremos divididos entre aqueles que ficam cá a servir à mesa e aqueloutros que voltarão, a cada Agosto, para matar saudades.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.