Uma vez mais, a elite mundial encontra-se, esta semana, nos Alpes suíços, em Davos, para discutir o que será feito dos muitos milhões de almas cujas vidas estão à mercê desta pequena agremiação de líderes políticos e magnatas. É a reunião anual do “Fórum Económico Mundial”, criado pelo economista suíço-alemão Klaus Schwab em 1971.
Embora os olhos do Mundo devessem estar postos nesta cimeira, e o escrutínio sobre aqueles que por lá passam devesse ser implacável – porque são eles que, assemelhando-se a Deuses no Olimpo, tomam as derradeiras decisões que afectam todos nós -, a maior parte das pessoas não sabe nem sonha a dimensão do poder concentrado nestes “escolhidos”. Escolhidos, é uma maneira de dizer, pois constituem literalmente apenas um “punhado” não eleito de pessoas: este ano, o encontro contará com 2.800 convidados. Um número reduzido comparando com os cerca de oito mil milhões de pessoas a habitar o planeta, e sobre os quais os 2.800 participantes exercem um poder desmesurado.
Num vídeo de 2016, entretanto removido da sua página oficial (mas ainda disponível no Facebook), o Fórum Económico Mundial fazia oito previsões para o Mundo em 2030, e vaticinava que o cidadão comum “não terá nada e será feliz”, pois tudo será “alugado”. Tradução: abolição da propriedade privada.
Também se previa o fim dos combustíveis fósseis, e dos Estados Unidos como potência mundial hegemónica, e o consumo de carne apenas como um “regalo ocasional”. Tudo isto faria parte da construção de um “mundo melhor”. Atendendo ao poder desta elite para determinar os destinos do globo, convenhamos que estas não são ‘previsões’, mas planos traçados e já em marcha, conforme, de resto, nos vão informando as ‘notícias’ diárias. Ainda hoje, soubemos que a União Europeia tenciona acabar com os veículos com mais de 15 anos.
Não são poucas as ideias macabras já lançadas nestas cimeiras. Uma delas, envolvia o desenvolvimento de uma tecnologia que visa o registo da “pegada ecológica individual”. Trata-se de uma plataforma para inventariar tudo aquilo que comemos, consumimos, e os locais e a forma como viajamos. Um mundo onde cada passo que damos fica registado no ‘digital’ – é difícil imaginar uma distopia mais tenebrosa.
No seu discurso desta terça-feira, o enviado especial norte-americano para o clima, Jonh Kerry, afirmou que não importa quem saia vencedor das presidenciais de 2024, a “neutralidade carbónica será alcançada”, pois está em curso uma “revolução económica” acima de qualquer político ou cidadão. Uma assumpção de que a plebe, tendo o direito ao voto, não tem, de facto, voto na matéria?
Reclamar-se a preservação da democracia é incompatível com uma atitude indiferente face a este projecto denominado “Fórum Económico Mundial”; um democrata só pode condenar a sua existência. Com efeito, aquilo que esta cimeira representa é uma obscena e antidemocrática concentração de poderes e uma medonha promiscuidade entre o poder político e o económico. Não importa que se vistam com pele de cordeiro, apregoando bandeiras agradáveis ao ouvido, como a erradicação da fome e a igualdade de género; é indefensável que as elites reunidas na Suíça tenham o bem colectivo em mente. Utilizam eufemismos para desígnios duvidosos, como a “luta contra a desinformação”, que, obviamente, irá desembocar na censura e na supressão da liberdade de expressão.
Como é tradição, os media noticiam o encontro com a leveza de quem faz um boletim meteorológico. De resto, mantém-se um registo idêntico ao dos artigos sobre a reunião do famoso grupo Bilderberg em Portugal em Maio do ano passado. Conferências aparatosas organizadas pelos mais poderosos do mundo, onde a política e o “Grande Capital” estão de mãos dadas (ou mais que isso), não fazem soar quaisquer alarmes aos “guardiões da democracia”. Nem suscitam ponta de desconfiança. Não. A cobertura noticiosa esgota-se num estilo ‘panfletário’. E depois, claro, ficam muito surpresos e de queixo caído, porque já ninguém compra jornais.
Dos partidos políticos, também não se ouve, por estes dias, uma palavra de desconfiança para com as figuras que esta semana aterraram em Davos – muitas delas em jactos privados, para depois dissertar sobre as alterações climáticas. Nem da ala direita, tipicamente mais sensível à defesa da soberania nacional, nem da ala esquerda, sempre mais vigilante com os poderes instituídos.
Não é nos “senhorios”, nem na classe média ou nos donos de alojamento local, amiúde alvos da ‘esquerda’, que reside o capitalismo malévolo e nocivo, mas nas instituições representadas pelas personalidades que aterram em Davos. Estes, sim, são os verdugos que nos manuseiam como marionetas, fomentando guerras, inflacção e crises económicas que resultam em transferências de riqueza estratosféricas.
Estas são as elites que cometem o ‘assassinato’, para depois fingirem o papel de agentes policiais. São os causadores de problemas, que, de seguida, se apresentam perante nós como portadores de respostas e soluções. No entanto, não é preciso muito para concluir que, longe de zelar pela ‘plebe’, aquilo que ambicionam é uma interferência crescente e cada vez mais ruinosa nas nossas vidas, sem sequer terem passado pelo ‘crivo’ eleitoral para esse efeito.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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