Não é raro ficarmos espantados com as prioridades dos nossos governantes e o seu desfasamento com a realidade das populações. Eu, pelo menos, pergunto-me frequentemente em que mundo viverá a classe política? Do Parlamento nacional ao Parlamento Europeu, não raras vezes fico com a sensação que quem define as regras não vê notícias.
A União Europeia lançou-se numa sequência de trapalhadas nos últimos quatro anos que, honestamente, piorou a vida de quem vive dentro das fronteiras dos 27.
Primeiro, foi a pandemia que nos trouxe confinamento em quase todos os países, cancelamento das liberdades individuais, aquele inenarrável passaporte digital, perda de empregos e uma factura gigante transformada em impostos que ainda hoje pagamos. Ainda me lembro de ver noticiários com pessoas a bater palmas à janela e a histeria de quem achava que ficar em casa iria salvar vidas. Isto, enquanto milhões de pessoas dos serviços fundamentais ou do sector produtivo continuavam a trabalhar fora de casa todos os dias. O Capital, aparentemente, nunca passou pela pandemia.
Seguiu-se a guerra na Ucrânia patrocinada pela União Europeia (UE), onde Rússia e Estados Unidos decidem o destino da Ucrânia. A não eleita Ursula Von der Leyen apressou-se a anunciar o empobrecimento obrigatório dos cidadãos europeus para pagarem as loucuras do impérios “as long as it takes“. Não sei se se lembram das delirantes conferências de imprensa dos líderes europeus que, sucessivamente, iam anunciando mais e mais pacotes de sanções à Rússia. Como consequência disso, os custos da energia dispararam no Continente e a guerra, em si, passou a ser causa (e desculpa) para o aumento dos preços generalizado. A UE escolheu financiar uma guerra que nos empobreceu duas vezes. Primeiro com o desvio dos Orçamentos do Estado para o sector bélico e, em seguida, com a inflação resultante da escalada nos preços da energia ou dos bens de consumo.
Os Estados Unidos trataram dos seus interesses. Venderam armas, substituíram os russos no fornecimento de energia e ainda foram enfraquecendo um adversário directo à custa dos mortos ucranianos. Os russos também trataram da vida. Voltaram ao palco das decisões 20 anos
depois, substituíram o mercado europeu com o asiático, trouxeram definitivamente a China para o seu ‘quintal’ e conseguiram, ainda assim, deixar a UE mais isolada. Até dentro da própria UE, a Rússia conseguiu apoio quando, há dois anos, nos tentavam vender a ideia de que estaria isolada.
Já a União Europeia limitou-se a fazer a triste figura de fantoche dos Estados Unidos, sem força e opinião própria, e foi despejando dinheiro na guerra quando a isso foi ordenada, sem por momento algum defender os cidadãos europeus que, em última análise, até elegeram aquele parlamento.
A mesma União Europeia que nos viu empobrecer ainda mais com as medidas do Banco Central Europeu e a subida das taxas de referência sem, uma vez mais, fazer fosse o que fosse para evitar a perda da qualidade de vida, o poder de compra e até o direito a ter uma casa, da generalidade dos europeus.
Eis que chega o “direito a defesa de Israel” e, uma vez mais, Ursula Von der Leyen a fazer a triste figura de ter a UE a apoiar directamente aquilo que se está a tornar um genocídio. 1.000 mortos do lado israelita que já vão, três meses depois, em 25.000 mortos palestinianos e mais bombas despejadas do que aquelas que os Estados Unidos depositaram no Iraque. É uma carnificina onde os representantes europeus, uma vez mais, falam para se colocarem do lado errado da história.
Depois de quatro anos a saltar de catástrofe em catástrofe, o que imaginaria eu que fariam os governantes europeus? Resolver qualquer coisa. Fosse o que fosse. Contribuir para a paz na Ucrânia ou em Israel. Não começar a ensaiar novas pandemias como parece que estão a tentar com a “X”. Intervir na questão das energias. Controlar as taxas de juro. Não deixar que a população dos países europeus, em especial os mais pobres, ficassem completamente reféns de políticas económicas. Tantos telhados que vão ardendo em simultâneo que, certamente, “em querendo”, como diz a minha avó, poderiam dedicar-se a fazer algo para melhorar a vida dos eleitores daquele inútil Parlamento Europeu.
Mas não. Com o mundo em chamas, o que se discute em Bruxelas? Um novo projecto de lei que proíbe a reparação de carros com mais de 15 anos. Em nome do ambiente, claro. Devo dizer que a estupidez humana não pára de me surpreender.
Não acho estranho que o lobby da indústria automóvel tente passar este tipo de leis. Faz parte do processo a que, resumidamente, chamamos capitalismo. Mas ver pessoas das classes trabalhadoras a defenderem esta “transição energética” como algo ambientalista é deveras alarmante.
Nem me importa se a lei será aprovada ou não. Importa é discutir como é que um disparate destes vai sequer a votos?
Devo fazer uma declaração de interesses, uma vez que há seis anos que trabalho no desenvolvimento de carros eléctricos e, portanto, contra o meu ganha-pão falo. Transição energética não é retirar 50 pessoas de carros a combustão e colocá-los em carros eléctricos. É, quando muito, meter essas 50 pessoas dentro do mesmo autocarro. Aí sim, há alguma preocupação ambiental. Isto, claro, para quem sabe que o lítio não cresce nas árvores.
O que estas leis fazem, essencialmente, é dar um gigantesco impulso à indústria automóvel para vender carros caríssimos com uma autonomia baixíssima, e sem que o problema da extracção do lítio e tratamento das baterias esteja sequer perto de estar resolvido.
Mas pior do que a discussão da lei em si, é o alheamento da realidade que é necessário para que, num momento destes, se discutam temas destes no Parlamento Europeu.
Uma pessoa pensa que a miséria dirigente se esgota na politiquice nacional mas, se observarmos com algum cuidado, percebemos que estamos entregues à bicharada, também, além-fronteiras.
Estamos a um Trump de distância do absoluto caos no planeta.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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