Na Europa tem-se observado um crescimento de novos partidos de direita, que em alguns casos já conquistaram o poder. Este fenómeno é atribuído à falência das esquerdas que direccionaram seu foco para questões intencionalmente divisivas e muitas vezes desconectadas da realidade. Crises e conflitos são fabricados por um status quo de directrizes globais. A narrativa simplificada ao estilo Matrix, com escolhas binárias entre comprimido azul e vermelho, impossibilita a consideração de alternativas mais abrangentes, como terceiras, quartas ou mesmo vigésimas segundas vias.
Cada vez mais tomamos consciência do poder desmedido de organizações globalistas, como o Fórum Económico Mundial (FEM) ou o Clube de Bilderberg, do qual Francisco Pinto Balsemão foi membro permanente de 1988 a 2015, altura em que passou o cargo para Durão Barroso. Enquanto isso, a tolerância em relação às elites psicoqualquercoisa diminui, como bem observa Maria Afonso Peixoto no PÁGINA UM, ao abordar o último encontro de Davos do Fórum Económico Mundial: ” Embora os olhos do Mundo devessem estar postos nesta cimeira, e o escrutínio sobre aqueles que por lá passam devesse ser implacável – porque são eles que, assemelhando-se a Deuses no Olimpo, tomam as derradeiras decisões que afectam todos nós -, a maior parte das pessoas não sabe nem sonha a dimensão do poder concentrado nestes “escolhidos”. Escolhidos, é uma maneira de dizer, pois constituem literalmente apenas um “punhado” não eleito de pessoas: este ano, o encontro contará com 2.800 convidados. Um número reduzido comparando com os cerca de oito mil milhões de pessoas a habitar o planeta, e sobre os quais os 2.800 participantes exercem um poder desmesurado.”
Num contexto de manutenção e fortalecimento do poder, a origem da doença e a cura emergem dos mesmos lugares. É nesse cenário que surge no espectro político português André Ventura, antigo comentador do Benfica. Este destacado produto televisivo desenvolveu sua desenvoltura e agilidade discursiva defendendo fervorosamente Luís Filipe Vieira. Aliás, a televisão tem desempenhado um papel fundamental na criação de importantes actores políticos nacionais e internacionais, lavando as mãos quando as coisas dão errado, o que acontece quase sempre. Em 1998, Emídio Rangel, antigo director da SIC, afirmou no documentário “Esta Televisão é a Vossa” de Mariana Otero para o canal ARTE: “Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos pedaços: um pedaço de Presidente da República aqui, outro ali, outro acolá, vende tudo! Vende sabonetes!”
Nesta terceira análise dos cartazes de rua da actual propaganda partidária, irei escrutinar os do Chega que tem conquistado um aumento significativo de tempo de antena. Após o sexto congresso, realizado entre 12 e 14 de Janeiro de 2024, onde André Ventura foi reeleito com uns impressionantes 98,9% de votos, observa-se uma intensificação de esforços dos comentadores políticos em desmontar as propostas apresentadas por este partido. Um fenómeno que tem prolongado a sua cobertura mediática, elevando-o ao estatuto de uma instância crucial na criação de espaços para a disputa ideológica e a construção da agenda pública. E assim, demonstra habilidade em marcar o compasso da agenda-setting dos meios de comunicação. Como sugerem os estudos de Malcolm McCombs e Donald Shaw, esta capacidade não apenas informa as audiências sobre assuntos de interesse público, mas também condiciona a percepção da importância de determinados temas com base na visibilidade que os media lhes conferem.
A reeleição de André Ventura não evidencia apenas a consolidação do líder no interior do partido, como também preconiza uma base de apoio sólida. A atenção crescente que lhe é dedicada com análises mais profundas e críticas por parte de comentadores políticos, indica que as propostas do partido estão a ser submetidas a um escrutínio minucioso. Neste cenário, a cobertura mediática emerge como um terreno fértil para a competição ideológica, onde o Chega se destaca tanto pela sua presença, como pela sua capacidade de influenciar a agenda política e moldar a opinião pública. Esta dinâmica revela um contexto político intrigante, onde o partido consegue nortear o discurso público.
Com diferentes formatos, que vão desde o outdoor 8×3 metros até ao cartaz A2, a palavra-chave desta campanha é “corrupção”. A estratégia adoptada segue uma lógica cumulativa, coleccionando motivos desde 2022. Optando pela polifonia, é orientada por uma estratégia expansionista que visa marcar presença em todos os concelhos do país, alcançando finalmente uma cobertura nacional em detrimento da anterior adstrita aos grandes centros urbanos. O estilo contestatário e o tom consistente são distintivos, evidenciados pelo uso sistemático do ponto de exclamação a vermelho, presente nos slogans e, até mesmo no logótipo desenhado pelo arquitecto Nuno Afonso, um dos fundadores do partido. Esta dupla consistência revela uma abordagem estratégica unificada, realçando a importância da mensagem anticorrupção com o #vergonha. A ampliação da distribuição geográfica reforça o compromisso em chegar a diversos públicos, ao mesmo tempo que a participação dos militantes no financiamento directo desta campanha reflecte o grau de mobilização e o envolvimento na projecção do partido.
Esta campanha aposta numa fórmula clássica baseada num código de cores seguro e eficaz: azul, branco e vermelho. Esta escolha, frequentemente utilizada por marcas comerciais norte-americanas, atribui ao azul uma conotação de confiança, enquanto o vermelho simboliza poder e força. Apesar de apresentar um design desgrenhado, oferece uma leitura clara e compreensível.
No formato mais compacto, o apelo “Vamos acabar com a corrupção e os tachos em Portugal” utiliza um tom coloquial e recorre ao calão para estabelecer uma conexão directa com o público. Já nos outdoors, a mensagem “Pagamos tantos impostos para sustentar a corrupção!” adopta uma formulação popular, semelhante ao que se poderia ouvir em conversas de café. Aqui o uso de quatro tamanhos de letra resulta numa disposição impositiva que lembra os oráculos e a identidade visual das Breaking News nos telejornais. Com uma composição a ser aparentemente desordenada, a campanha consegue transmitir eficazmente a sua mensagem de luta à corrupção, a partir de uma linguagem acessível e referências visuais familiares. Um estilo que lhe confere autenticidade e uma certa informalidade, o que potencia a proximidade, o envolvimento e o vínculo ao eleitorado.
Nos maiores formatos, a imagem de André Ventura é capturada com um estilo fotográfico amador, remetendo quase à fotografia tipo-passe. Nalguns casos devido à falta de definição da imagem, as cores ficam deslavadas cujo fundo branco não consegue disfarçar a falta de nitidez. Na versão em 4×3 metros, o enquadramento da fotografia permite uma visão mais ampla do vestuário e revela uma gravata bege ligeiramente torta, indicando uma falta de cuidado.
Esses detalhes, notavelmente visíveis nos 40 centímetros de tecido que compõem a gravata, desempenham um papel fulcral na consolidação da imagem de um representante político e, portanto, exigiriam uma atenção especial. Este descuido na escolha da imagem e na apresentação visual pode ser interpretado como um deslize na construção de vínculos com o eleitorado, uma vez que a aparência de um político influencia bastante a percepção do público. Afixada junto à Assembleia da República, em Lisboa, existe ainda uma versão original e marcante pelo recorte no topo superior de André Ventura materializado num avançado que extrapola os limites da moldura.
Ao examinar o design do logótipo do partido, é notável a sua desconcertante falta de competência. O pictograma básico do território nacional parece ter sido retirado de um manual escolar do 1º ciclo, rodeado por linhas circulares dinâmicas que evocam um efeito de centrifugação de uma máquina de lavar roupa. Carimbada em caixa de texto, a designação do partido é sublinhada por um ponto de exclamação, além de quebrar a norma ao mencionar explicitamente ser um “partido político”. Resistindo a investir seriamente neste elemento identitário crucial, opta por manter um logótipo cuja imaturidade leva a crer que foi feito no PowerPoint com cliparts gratuitos. Esta falta de brio é ainda enfatizada pelo uso de diversas versões do recorte de Portugal, algumas delas sem as regiões autónomas. Não só é de mau tom representar Portugal sem ilhas, como esta opção dissolve claramente a credibilidade da sua assinatura, “Por Portugal e pelos portugueses”, que pretendem exaltar os princípios nacionalistas e securitários que regem o partido.
Ao concentrar esforços na angariação de votos junto de um eleitorado desiludido, o Chega continua a posicionar-se como um partido de protesto. Sob essa perspectiva, a comunicação de estilo Santos Silva revela-se altamente eficaz. No entanto, a estratégia retórico-argumentativa de André Ventura permanece no domínio da esperança, incapaz de alcançar e consolidar a legitimação do partido. Desde 2022, a campanha manteve uma simplicidade que relega André Ventura ao papel de animador ou entertainer.
Neste contexto e contrariando a posição do seu próprio líder, não consegue fazer a transição para um partido de poder. Esta disparidade evidente poderia porém ser corrigida ao adoptar estratégias semelhantes às de líderes populistas como Geert Wilders, Marine Le Pen ou Giorgia Meloni, onde o discurso e a imagem de estadistas ocuparam o centro das propagandas. Ao transitar do protesto para a esperança, mensagens como o “Make America Great Again” de Trump ou o “Yes we can” de Obama foram particularmente eficazes no Ocidente nos últimos tempos. Independentemente do crescimento esperado do Chega nestas eleições, a falta de um salto significativo pode ser atribuída a uma estratégia de comunicação insuficiente para alcançar os objectivos.
André, ainda não é desta que vais à Champions League!
Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação
Avaliação do cartaz
Design: 1/5
Impacto: 4/5
Eficácia: 3/5
Média: 2,7/5
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