Tinta de Bisturi

Reclusão: uma crónica em tom de divulgação

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Pertenço à APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso. É uma associação de direitos humanos que luta na franja mais complexa da rejeição e da demagogia. Uns utilizam as penas de prisão como solução de inevitabilidades, como desincentivo ao crime, redução de maus comportamentos. Claro que inibitório é utilizar o medo como fazem os talibans. Queremos isso para nós? Claro que as ditaduras tendem a ter menos criminalidade e muito mais policiamento. Queremos ditadura?  

É nessa linha que, em Abril de 2024, nos dias 6 e 7, lançamos um Congresso para debater o sistema prisional, bem como o sistema judiciário e as políticas para a saúde mental. É um conjunto de seis mesas de debate e apresentações onde estarão vinte pessoas de reconhecidos conhecimentos, idoneidade e inigualável coerência na luta pelos direitos humanos.

Cintaremos com a presença do Professor José Manuel Silva actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra, do Arquitecto Jorge Mealha, do Engenheiro Almeida Santos da OVAR, entre outros advogados, médicos, arquitectos, engenheiros, artistas, jornalistas e entidades envolvidas nesta temática. 

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Vamos discutir a Saúde no contexto de ausência de liberdade. As crianças e as mães nas prisões. A estrutura e desenvolvimento do sistema prisional, desde a arquitectura das cadeias até à importância da reintegração. Se existem, onde se devem localizar os presídios? Aqui se inclui a sobrelotação dos estabelecimentos, a organização e gestão do sistema prisional, o regime de execução das medidas privativas da liberdade, a reinserção social, as religiões no seio prisional, a tecnologia no contexto das soluções para a verificação do cumprimento de penas.

E tantas outras questões. Por exemplo, carecemos de tantas prisões? Podemos pensar a Inteligência Artificial num modo de suprimir os presídios? Até que limite podemos utilizar a tecnologia? Pulseiras com medicação? Controlo de distância com descargas punitivas de aviso? Devemos usar sempre a limitação de liberdade como castigo? Faz sentido Portugal ser o país com mais longas prisões preventivas e menor percentagem de acusações aos que estiveram em reclusão? Faz sentido manter a inimputabilidade das decisões dos juízes e do Ministério Público?

Estaremos a discutir urbanismo e lugares adequados para este tipo de instituições. Estaremos a discutir o que é um sistema punitivo e os mecanismos de prevenção e antecipação da violência. Não pode estar de fora a inocência que vai para a cadeia, nem a permissividade de processos sem fim. Um inocente preso é uma barbaridade sem nome. Um doente num presídio é uma deformidade.  

A APAR arrisca assim um congresso internacional onde deseja ouvir e dar a conhecer pessoas que pensam e discutem há décadas os sistemas prisionais. As prisões deverão servir como lugares de expiação de castigos, ou como lugares de reinserção, ou ainda como a montra mais dura da exclusão social? O que é que penalizamos e podíamos resolver com políticas adequadas, na toxicodependência, na violência de género, nas questões de trânsito? 

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Sabemos hoje que o sistema judicial e as políticas de saúde mental estão diretamente ligados ao sistema penal, e por isso nunca poderiam ficar de fora desta reunião. Também a saúde terá, por isso, de estar neste debate. A Saúde nas prisões insere-se num conceito moderno de Saúde para todos, desde a componente psicológica, emocional e física, nunca esquecendo a alimentação e o trabalho e o desporto. Quem sabe se este assunto não seria uma excelente base de desenvolvimento de uma solução sem grades e sem guardas?

Sou desta Associação e sou deste desafio incrível: o debate e a discussão na franja da exclusão, na zona de fronteira onde se perdem votos e se ganha demagogia.

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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