O arquitecto Diogo Lima Mayer, também dono da Coudelaria do Monte Velho, foi o ‘feliz contemplado’ com um contrato por ajuste directo para a o projecto de reabilitação dos interiores da sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que se prevê venha a receber os ministérios governamentais. O contrato de ‘mão beijada’, com uma transferência bancária prevista de 940 mil euros (com IVA), tem uma razão ‘sui generis’: o Governo diz que não há mais ninguém capaz desta tarefa, argumentando inexistência de concorrência por motivos técnicos. Também a Siemens não se pode queixar: já garantiu um contrato para instalação de climatização no piso 7 da CGD no valor de 1,2 milhões de euros. Também sem concurso público porque, segundo o Governo, nenhuma outra empresa nacional ou internacional é capaz para esta empreitada. Além de estes contratos indiciarem que o actual Governo demissionário quer ‘despachar’ mais ajustes directos para a reabilitação da CGD, a justificação é temerária, porque é um autêntico ‘atestado de incompetência’ à concorrência dos ‘escolhidos’ (a dedo), neste caso aos gabinetes de arquitectura e empresas de climatização.
O Governo está a escolher a dedo quem bem quer para executar os diversos projectos para a preparação da mudança dos ministérios e gabinetes governamentais no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos. Antes da queda do Governo de António Costa, a estimativa de custos atingia os 40 milhões de euros, provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Os dois primeiros contratos, entretanto publicados no Portal Base já depois da demissão do Governo, indiciam uma clara ‘estratégia’ em afastar a concorrência e optar por determinadas empresas, usando um expediente pouco ortodoxo: argumentar a inexistência de concorrência por motivos técnicos. Mesmo quando a aquisição de serviços não aparenta absolutamente nada uma tal complexidade que seja minimamente provável que não houvesse quem fizesse melhor e com um preço mais adequado.
Um dos casos passa-se com a contratação da Intergaup, o gabinete do arquitecto Diogo Lima Mayer, também proprietário da Coudelaria do Monte Velho, em Arraiolos, que inclui um boutique hotel. Por um montante bastante apreciável – 760.885 euros (cerca de 940 mil euros com IVA) –, a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministro decidiu contratar a Intergaup para a “elaboração do projeto de arquitetura e coordenação de especialidades”, através de um contrato celebrado em 21 de Dezembro do ano passado, e com um prazo de execução de três anos. No contrato que consta no Portal Base, o Governo é extremamente omisso, como geralmente sucede, na definição em concreto do objecto, remetendo para um caderno de encargos, que não se encontra naquela plataforma da contratação públicas.
O PÁGINA Um pediu, contudo, esse caderno de encargos à Presidência do Conselho de Ministros que acabou por enviar alguns elementos, mas não todos, alegando necessidade de “expurgo dos dados pessoais” e retirar “alguns aspectos relacionados com as especificações técnicas que possa, de alguma forma pôr em causa alguns requisitos de segurança”.
Mas mesmo perante a falta de alguns elementos essenciais, nada no caderno de encargos e sobretudo na memória descritiva e justificativa, parece, passe o pleonasmo, justificar a escolha da Intergraup através de um contrato de mão-beijada, afastando a concorrência – que haveria se fosse lançado um concurso público. De facto, em causa estão apenas intervenções, sem elevada complexidade ou necessidade de ‘criação artística’ ao nível de design de interiores, incluindo instalações sanitárias, reparação de tectos, execução de paredes divisórias para salas de trabalho e de videochamada, reformulações na circulação, e definição de gabinetes em nove pisos, um dos quais, o oitavo, com 197 postos de trabalho e 25 gabinetes afectos ao Primeiro-Ministro. Contabilizado, para já, está a integração de mais de 4400 trabalhadores ligados ao Governo e Administração Pública.
Na listagem das tarefas a executar pelo gabinete de arquitectura encontra-se também a elaboração de um plano de manutenção e intervenção em fachadas e coberturas, a mudança da identidade exterior do edifício após a saída da CGD e um projecto de reformulação dos espaços exteriores e das áreas desportivas. Nada que centenas de gabinetes de arquitectura não podem almejar conseguir apresentar, mas que não será já possível porque a Presidência do Conselho de Ministro garante que o arquitecto dono da Coudelaria do Monte Velho é o único capaz, não existindo concorrência por motivos técnicos. Aliás, a somar a isto não fica absolutamente nada claro como foi definido o preço do contrato.
Na mesma linha está o contrato de intervenção do sétimo piso que já foi entregue à Siemens também por contrato por ajuste directo celebrado no dia 22 de Dezembro por 999.346,83 euros. O texto publicado no Portal Base é completamente omisso sobre do que se trata, referindo somente que é uma “empreitada de conceção construção de alterações de instalações especiais do Campus APP” [sic], remetendo para tipologias, quantidades e especificações constante de um caderno de encargos que também não surge na plataforma de contratação.
Também neste caso, os elementos parciais enviados pela Presidência do Conselho de Ministros ao PÁGINA UM apenas servem para aumentar a estranheza por não ter sido lançado um concurso público para uma simples empreitada de obras públicas, e se tenha alegado a inexistência de concorrência por motivos técnicos para dar um milhão de euros à Siemens.
De facto, somente pela leitura do programa preliminar se consegue perceber esta “empreitada de conceção construção de alterações de instalações especiais do Campus APP”: trata-se de uma melhora no sistema de climatização para o sétimo piso do edifício da CGD, com uma área bruta de intervenção de oito mil metros quadrados, através de um sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC). Mas também aqui causa estranheza que a Siemens possa ser a única empresa no mercado, nacional e internacional, capaz de executar uma obra desta natureza. Isto porque o argumento usado é o mesmo: o ajuste directo pode adoptar-se quando “não exista concorrência por motivos técnicos”. O Governo acha que basta invocar, sem justificar de forma clara, para ser verdade.
Saliente-se que em Novembro passado, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, anunciou que o Tribunal de Contas já dera o visto para avançar as obras, embora estes dois contratos tenham sido celebrados após esta declaração da governante. Estes dois contratos serão os primeiros de um conjunto mais alargado, que poderão custar no total cerca de 40 milhões de euros.
O Governo assegura que a concentração dos ministérios – numa primeira fase os da Habitação, Infraestruturas, Economia, Coesão Territorial, Agricultura e Ambiente – resultará numa poupança de 800 mil euros por ano, em rendas pagas pelo Estado a privados, e de 5 milhões de euros por ano em encargos com a gestão de serviços. E diz ainda que os imóveis públicos a desocupar estão avaliados em cerca de 600 milhões de euros, podendo ser reabilitados para reforço da oferta habitacional.
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