DA VARANDA DA LUZ

Gil Vicente 3.0

por Pedro Almeida Vieira // Fevereiro 4, 2024


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Já sabia, pela ‘meteorologista’ Filomena Martins, directora-adjunta do Observador, que hoje não teríamos o danado “rio atmosférico” a pairar pela Luz – só chega pela quinta-feira –, mas vi-me obrigado a consultar o ‘boletim da saúde policial’ para confirmar se alguma indisposição colectiva impedia o jogo, acrescido de uma pesquisa pelas ‘má-afamadas’ redes sociais, de sorte a perceber a probabilidade de ocorrência de uma saraivada de cadeiras e pedras pelos ares.

Tudo bem. Segui seguro, qual Leonor pela verdura, para a Luz, ainda a tempo de um cafézinho, no Columbia, paredes-meias com o Alto dos Moinhos, que por estas horas vende mais cerveja que cafés.

E cá estou a tempo ainda de recepcionar o farnel do Benfica (embora hoje esteja um bocado cheio, por causa de um almoço tardio), e de subir as cada vez mais íngremes escadas para esta Varanda da Luz antes do apito inicial, por via de um tempo extra por se fazer um minuto de silêncio não sei pela alma de quem… vou daqui a nada ver…

(golooooooo… isto hoje nem me deram tempo de descansar um pouco, ligar o computador e escrever uns parágrafos iniciais… Arthur Cabral, a tornar-se um ‘matador’ num canto ‘teleguiado’ do Di Maria; e na verdade, podia ser o segundo golo de cabeça, porque o brasileiro já mandara uma bola ao poste logo aos 5 minutos)

Entretanto, já fui ver: o minuto de silêncio foi uma homenagem a Palmeiro Antunes, um antigo jogador do Benfica da segunda metade dos anos 50, que conquistou um campeonato e duas Taças de Portugal. Tinha 87 anos.

E por falar em glórias de outros tempos, e estas ainda maiores do que os futebolistas, deu-me finalmente para, após tantos anos de ‘primeira divisão’, ver o motivo pelo qual o Gil Vicente, sendo Barcelos tão famosa pelo milagre de Santiago que fez cantar o galo assado para salvar o(s) inocente(s) peregrino(s) – não se sabe se foi um ou dois; e nem é certo ter havido milagre algum –, se chama Gil Vicente e não Santiago, e os gilistas não são afinal conhecidos por ‘galistas’.    

(entretanto, com o jogo ‘morninho’, ligam-se no estádio uma série de ecrans com o nome do malogrado Miklos Feher, acompanhada da mensagem “20 anos de saudade”. Hoje estamos ‘numa’ de homenagens)

Até porque, continuando, que eu soubesse nada na vida do verdadeiro Gil Vicente, do dramaturgo, esteve associado a Barcelos, descontando um tal Frei Pedro de Poiares que para ali lhe atribui o berço, mas nestas ‘coisas’ até o Padre Rei, o pároco da terra da minha adolescência (Moita, no concelho de Anadia), garantia que o Camões estava enterrado na ‘sua igreja.

(goloooooo… oportuníssimo, o miúdo João Neves, sagaz na insistência, embora com alguma sorte… isto hoje, desconfio, tornar-se uma Barca do Inferno para este Gil Vicente)

Enfim, há quem diga que foi em Guimarães o berço de Gil Vicente, outros asseguram que afinal foi em Lisboa, mas muitos estudiosos garantem ainda que ele terá sido nado e criado nas Beiras, não se sabe se no interior ou litoral, por causa de alguns personagens dos seus autos. Mas também pouco importa. Não estou aqui para compor uma crónica biográfica, que na Varanda da Luz estou, nem me apetece andar em conjecturas que me levariam a pendengas como aquela entre Camilo Castelo Branco e Teófilo de Braga sobre se o Gil Vicente dramaturgo era ou não o Gil Vicente ourives que compôs a Custódia de Belém.

(entretanto, nisto se meteu o intervalo, e o início da segunda parte)

Passaram, portanto, 45 minutos e eu ainda não revelei aos leitores – e presumo que, dos muitos que não sabem, haja poucos que estejam interessados – a causa de o Gil Vicente, que acabaria os seus dias na cidade de Évora, dar o nome ao Gil Vicente. Ao clube, claro, porque o outro, o verdadeiro, se chamou assim por escolha dos pais e apelido do pai.

(golooooo… 3-0, o habitual golito do Rafa. Acho que o Gil Vicente vai sair daqui de Lisboa como a Maria Parda, em pranto, vergado por uma goleada)

Bom, despachemos isto, vista está a garantia da vitória – o Gil, o de Barcelos, mostra-se inofensivo –, e o topo da Liga está já alcançado, mesmo se de forma virtual, por obra e graça da PSP e de uns arruaceiros. O Gil Vicente chama-se Gil Vicente porque, enfim, lá pelos anos 20 do século passado uns barcelenses jogavam à bola em frente do teatro começado a construir umas décadas pela Empresa Teatral Gil Vicente.

(depois do terceiro golo do Benfica, tudo muito lento, quebrado por uma série de substituições; nada a anotar excepto as palmas dos adeptos e uma boa estirada do Trubin para manter ‘invioladas as suas redes’… estes jargões futebolísticos são mesmo engraçados)

Chegado aqui, perguntem-me: então, e qual a razão para a Empresa Teatral Gil Vicente se chamar Empresa Teatral Gil Vicente? E aqui não respondo porque não sei, mas se soubesse receio que entrássemos numa espiral de descobertas e inquirições que nos levariam ao início dos tempos. Em todo o caso, presumo que no final do século XIX, o tempo áureo do teatro português, não haveria ainda muitos dramaturgos clássicos, daí que Gil Vicente fosse o mais óbvio, talvez apenas seguido pelo Almeida Garrett, que faleceu em 1854. Talvez por um triz o Varzim, que já militou em tempos na primeira divisão, não se chama Almeida Garrett, visto que tem um cineteatro em sua homenagem.

(e o jogo, neste rame rame, lá acabou, e ainda bem, que eu tenho de despachar a crónica; uma vitória simples, sem sobressaltos desta vez, tudo limpinho limpinho)

E desvendado que fica a razão para se ter dado o nome do Gil Vicente ao Gil Vicente, apenas um último apontamento, tendo em conta a raridade de um clube usar personalidades da Cultura: que raio deu aos dirigentes do histórico Desportivo Francisco de Holanda – fundado na cidade de Guimarães, em 1943, por alunos da escola secundária com o nome deste humanista do século XVI (e que me ‘serviu’ de narrador para o meu romance Nove Mil Passos) – para cederem os direitos desportivos a um clube com a obtusa denominação Clube Desportivo Xico Andebol? O Francisco de Holanda agora é o Xico Andebol?! Ensandeceram?! Incultos!

Daqui a nada ainda vamos ver o Gil Vicente transformar-se em Gigi Futebol Clube, é?

Aliás, a propósito de incultura, e como não consegui encaixar com aisance, aproveito para contar algo sobre Almada Negreiros, artista multifacetado e que até teatro compôs, que deixo ao critério do Polígrafo averiguar da veracidade.

Certa vez, num inquérito para auscultar os conhecimentos culturais do povo, e numa altura em que era muito popular o programa televisivo de apostas desportivas “Vamos Jogar no Totobola”, perguntaram a alguém: “Então, o que acha do Almada Negreiros?”. Resposta: “Bom, Almada Negreiros… Almada Negreiros… acho que vou pelo X”.

Até à próxima. Por uns dias, mesmo se na ‘secretaria’, o Benfica vê finalmente o Sporting pelo espelho retrovisor. Alegremo-nos, benfiquistas!


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