O ainda ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, parecia ser uma das maçãs menos ‘podres’ deste Governo e deste Partido Socialista. Conciliador e diplomático, sempre aparentou, pelo menos, respeitar as classes profissionais sob sua tutela; contrastando, por exemplo, com as figuras do ministro da Educação, João Costa, e da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que, se não ‘desprezam’ os ‘seus’ professores e os ‘seus’ agricultores, então disfarçam muito bem.
Infelizmente, José Luís Carneiro manchou essa imagem, e é agora protagonista de uma guerra (aberta) entre as forças de segurança e o Governo. Depois das supostas baixas médicas ‘fraudulentas’ apresentadas por alguns polícias, que levaram ao cancelamento do jogo Sporting-Famalicão no sábado, o ministro da Administração Interna tornou-se mais papista que o Papa.
Para além de lhes dar um valente ‘raspanete’, acusou as forças de segurança de “insubordinação” e anunciou a abertura de um inquérito pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI). Contudo, antes de o ministro se pronunciar publicamente no domingo, já o Governo havia qualificado a situação como uma “insubordinação gravíssima”.
Esta resposta do Governo – uma óbvia demonstração de força e autoridade – foi aplaudida; sobretudo, depois de o presidente do Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL), Armando Ferreira, ter dito, na SIC Notícias, que as legislativas de 10 de Março poderiam estar em risco se as forças de segurança repetissem o feito. Vozes preocupadas se levantaram, com alguns a verem neste alerta uma ameaça de “golpe de estado” e uma insurreição.
Toda esta tensão começou (e escalou bastante) em Novembro passado, sobretudo depois de o Governo ter aprovado um suplemento de missão às carreiras da Polícia Judiciária, discriminando a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana. Agora, embora se valide o descontentamento das polícias, diz-se que os seus protestos têm de manter-se dentro da legalidade. Ou, por outras palavras: ‘podem espernear à vontade, desde que não incomodem’. Ou seja, desde que as manifestações de descontentamento sejam inócuas e não sirvam para nada – tal como, de resto, têm sido quase todas, nesta encenação de democracia.
Temos o direito a descer à Avenida da Liberdade ao sábado à tarde, de cartaz em punho; tudo o resto é ‘extravasar’ os limites da legalidade.
Sobre a possibilidade de um ‘boicote’ às eleições legislativas, António Costa, que nos lembra um daqueles companheiros tóxicos e manipuladores que nos acusa daquilo que faz, logo disse acreditar que “jamais as forças de segurança perpetrariam um ato tão grave de traição à nossa democracia”.
Porventura, o mesmo não está garantido para o caso do nosso (ainda) primeiro-ministro. Depois destes últimos oito anos de governação, António Costa só poderá ficar para a História como um líder que deixou o país de joelhos e escorraçou a democracia.
A revolta e a contestação que se inflamam e alastram a várias classes profissionais são prova de que os protestos das forças de segurança não são a ameaça à democracia que nos deveria preocupar. Se há alguém que tem faltado ao país, e que por isso poderia ser acusado de ‘insubordinação’, é este Governo socialista. Pois se é verdade que as forças de segurança devem estar ao serviço da Nação, não é menos verdade que o chefe de Governo foi eleito para servir e defender o povo. E, nesta tarefa, falhou reiteradamente.
Concorde-se ou não com os protestos da polícia, há um crédito a ser-lhes dado: fizeram tremer o poder, ao contrário de outras formas de luta inúteis, que muitas vezes prejudicam mais os cidadãos do que os governantes. As polícias atingiram o poder onde dói, pondo seriamente em causa a autoridade do Governo. Mostraram, assim, que o seu poder é frágil e pode ruir como um castelo de cartas, num ápice e pela acção de apenas uma dúzia de pessoas.
E esta é a razão para a resposta tão ‘musculada’ do Ministério da Administração Interna, com ameaças de processos disciplinares e até mesmo criminais.
Entretanto, alguns agentes da Unidade Especial de Polícia que também apresentaram baixa médica no fim-de-semana (porém, sem o mesmo desfecho do jogo Sporting-Famalicão) já começaram a sofrer represálias, e correm agora o risco de não terem os seus contratos renovados.
A reacção do primeiro-ministro e do ministro da Administração Interna não só expôs a sua prepotência, como evidenciou uma falha de julgamento e de entendimento da História. Indiferentes à revolta que se avoluma, optaram por ter mão firme, quando deviam ter-se redimido. Em vez disso, atiraram mais achas para a fogueira, esquecendo-se que quem semeia ventos, colhe tempestades.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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