Correio Trivial

Planeamento à portuguesa

black and white abstract painting

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Prestes a comemorarmos os cinquenta anos do 25 de Abril, recordemos o Portugal de então.

A extraordinária diferença no desenvolvimento do território nacional, com praticamente toda a riqueza no litoral e um esquecimento absoluto do interior, onde se sobrevivia com o recurso a uma agricultura antiquada, era do conhecimento geral.

E assim se manteve nos primeiros anos após a “Revolução dos Cravos”.

Um dia, porém, alguns políticos mais atentos, traçaram uma linha vertical sobre o mapa de Portugal, dividindo o país ao meio, e descobrindo, espantados, que a metade do interior era, então, quase um deserto.

woman in black sunglasses and white shirt

Sem indústria, com uma agricultura ainda mais pobre, porque tinham recebido para deixar de produzir, e sem turismo digno desse nome por não terem mar.

Concluíram, os governantes de então, que a principal dificuldade em atrair interessados na criação de empresas naquelas zonas era a impossibilidade de se chegar rápida e comodamente aqueles destinos por falta de vias de comunicação em condições.

A prioridade para combater este problema foi a utilização de milhões provenientes da Europa para construir estradas.

Aliás, como quaisquer novos-ricos: auto-estradas.

A ideia era criar paraísos para investidores, principalmente estrangeiros, e isso só seria possível se eles ficassem a saber que era fácil chegar a Bragança, à Guarda, a Castelo Branco, a Elvas.

Os empresários teriam de ser atraídos para zonas com mão-de-obra disponível e mais barata.

Além disso, o país ficaria a ganhar se conseguisse reter as populações no interior e diminuir, ou mesmo terminar, com o êxodo para o litoral.

Durante anos fizeram-se quilómetros e quilómetros de auto-estradas.

Podiam, agora, os senhores empresários chegar aos locais mais recônditos do nosso país em poucas horas e sem solavancos.

a bridge over a body of water

Em complemento, os autarcas decidiram mandar construir dezenas de “parques industriais” com a esperança de, assim, conseguirem mais interessados.

A estratégia parecia resultar quando dezenas de empresas começaram a apresentar projectos atrás de projectos nas autarquias que geriam cidades em vias de extinção.

Os autarcas vibravam de emoção.

Havia que criar zonas industriais para albergar todas as fábricas previstas e que iam desde a confecção à aeronáutica.

Enquanto os processos que se iam amontoando nas secretarias dos Municípios, aguardando pareceres técnicos, ambientais, económicos e o raio a sete, aos Ministérios chegavam as facturas das auto-estradas.

E os governantes descobriram que não havia dinheiro para as pagar.

Única solução encontrada: cortar nalgumas despesas consideradas menos importantes.

Como habitualmente os primeiros sacrificados foram as cidades do interior.

a white building with yellow shutters and windows

Dado o volume das dívidas, todavia, os cortes foram radicais.

Fecharam-se escolas, hospitais, maternidades, tribunais, juntas de freguesia, postos de correio e esquadras de polícias.

Como é lógico, a maioria dos empresários retirou os projectos.

Que investidor aceitaria abrir uma empresa numa cidade sem as mais elementares estruturas?

Que funcionário aceitaria ficar numa zona onde os filhos não pudessem estudar, sem ter garantias de cuidados médicos numa emergência, sem segurança, sem as mais elementares comodidades?

Logo, esses destinos foram postos de lado.

E, logicamente, as auto-estradas começaram a ficar desertas fazendo baixar a facturação das portagens.

Só os familiares dos poucos habitantes as utilizavam para visitas de fins-de-semana.

As receitas recolhidas, segundo os concessionários, eram insuficientes para dar lucro.

A decisão foi aumentar as portagens.

O resultado óbvio – menos para aqueles génios – foi que, até aqueles poucos utilizadores, passaram a servir-se de estradas secundárias por impossibilidade de pagarem os preços, mais que exorbitantes, criminosos.

Sendo que a facturação continuou a descer.

group of person on stairs

Hoje temos essas cidades servidas por auto-estradas magníficas, mas sem trânsito, zonas industriais modernas, mas sem indústria, cidadãos com uma série de direitos consagrados na Constituição, como os da educação, saúde e habitação, mas sabendo que, para os conseguirem, terão de deixar as suas terras e partir para o litoral.

A única vantagem é que agora, para fugirem do interior, em busca de uma vida melhor no litoral, têm estradas excelentes que permitem que aqui cheguem mais depressa. Nesse aspecto, o planeamento à portuguesa resultou plenamente.

Vítor Ilharco é assessor


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