COMPLEXO TITANIC

Uma foto, ou um fundo no fundo

minuto/s restantes

Se há uma coisa que me fascina são as cores, outra são os insetos, mas  desses invertebrados pouco amigáveis nada direi neste texto.

Fascinante também, é o mundo atual e as suas incongruências.,

Diz a ciência que cada um vê a sua cor. Cada um tem a cor que merece, acrescento, não querendo ser profundo. Saiu-me assim de rompante, da massa cinzenta, sem mais nem menos. Sei também que para uns, mais é menos, mas não quero entrar por essa porta fonética, cheia de pregos ferrugentos quando mal aberta, ou fechada, que para esta coluna, quer dizer o mesmo. 

No mundo das cores só sei que, se aquilo para mim é verde-eucalipto, pode não ser para o outro(a). Se aquela jarra é violeta para o João, pode perfeitamente ser rosa para a Carla. Se aquele carro elétrico a lítio é azul céu para o E. Musk, não quer dizer que para o B. Clinton o seja, nem mesmo para a H. Clinton, já agora. Aliás, ‘adoro’ mesmo muito este casal muito democrático e muito colorido, se me é permitida a redundância… Poderia até ser vermelho, para eles, e serem um caso grave de daltonismo, mas isso será sempre especulativo (conspirativo) e também não interessa aqui para este espaço que pretende, apesar de tudo, ser pouco monocromático e não político.

Até neste tema das cores, haverá sempre argumentos para os seres humanos discordarem uns dos outros e arranjarem confusão. 

Se até por causa de um verde alface podem pessoas andar à porrada e acabarem a enfiarem uma garrafa partida pela goela abaixo de um(a) desgraçado(a), que apenas proferiu uma banalidade, por exemplo, sobre o arco-íris. Imaginemos então, o que não poderia suceder, numa discussão sobre identidade de género, mais acalorada, ou numa em que se usassem terminologias políticas, tipo capitalismo ou liberalismo.

Mas ainda assim, eu quero falar de cores e de um recente episódio que me aconteceu, que até me quis fazer mudar aquilo que estão a ver aí em cima deste texto, bem redondinho que é… A minha cara. 

Sim, hoje deveria constar uma bola preta, sem qualquer tipo de interesse para a maioria das pessoas. Para mim, continuaria a ter interesse, porque essa não-cor mesmo que seja discutível, ainda, é uma cor, ou não? E remete para a arte conceptual. Arte simplória e complexa, dependendo sempre de quem a faz e olha.

Mas não.

A programação do site não o permite, mudaria para sempre a minha face aí dentro da bolinha, Daí a necessidade deste texto. 

Terei todo o cuidado na abordagem deste assunto, e peço que não abandonem já a leitura – primeiro porque não vou entrar, nem por questões polémicas e fracturantes, de raça ou de género, tipo se as cores são masculinas ou femininas, como já vi a matemática ser tratada. Aí não me apanham. Sou completamente normal e pela igualdade de tudo.  Ponto final. E segundo… não há segundo.

Gostaria mesmo de referir-me a duas cores, o azul e o amarelo, duas cores que estão no meu top-colour. 

Se estiverem atentos a pormenores, e fizerem zoom à minha cara, para verem o que quiserem nela, percebem certamente que o fundo é uma publicidade, cujo amarelo e o azul são predominantes. 

Ou não…

Ilustração de Rita Belchior

Tenho um amigo que percebe bastante de fundos e também da mente humana. Depois do meu primeiro texto publicado aqui, ele ligou-me no dia seguinte à publicação. 

Disse-me:

– Tu agora és daqueles que estão a favor da Ucrânia?

Entrou logo a matar. 

– Não. Nem a favor nem contra. Não percebo nada desta guerra. Mas não gosto de invasões, é claro. Não estou a perceber! Não é preciso entrares assim a matar só porque estás a falar de guerras. 

Disse eu, deveras intrigado, porque vindo dele era estranha a entrada à bruta e sem subtileza.  

– Não estás?

– Não. Mas já agora, tu é que sempre foste deliberadamente a favor da Ucrânia e naturalmente contra a Rússia, embora até sejas do PCP. 

– Não estás mesmo a perceber? E calma, já não sou do PCP. E era dos Verdes, já que estamos na atmosfera das cores. 

Respondeu com aquele tom irónico que lhe é característico. 

– Não. Até me estás a chatear. Diz lá. 

– A tua fotografia que acompanha o texto anterior, vista assim e à primeira, parece que tem a bandeira da Ucrânia atrás.

– O quê? Aquilo é uma publicidade à Fidelidade, ou lá o que é. 

Respondi de rajada. Jamais gostaria de estar conotado com bandeiras. A minha costela de esquerda nunca o permitiria. Para a esquerda não há pátrias, há a Internacional Socialista. 

– Mas visto assim não parece e pode gerar equívocos. 

– Quais equívocos?

– Não é bom para o teu tipo de textos, que te associem a movimentos e tendências e até a países. É um conselho que te dou, depois é contigo. Aposta na ambiguidade, é amiga do tempo.

– Então se eu tiver uma parede vermelha atrás, vão associar-me imediatamente ao Benfica?

– Não. Mas aqui trata-se de outra coisa. Muita gente vestiu a camisola da Ucrânia para protestar contra o que está a acontecer, inclusivamente eu, e essas cores tornaram-se icónicas de um tempo. Por isso… Está dito. Não imponho nada. Tu é que sabes… .

– Estou aqui a ver a foto no meu iPhone, e realmente tem as mesmas cores da Ucrânia, e até tem aqui uma risca que parece de uma bandeira. 

Mas, e fazendo zoom, isto mesmo assim, só tem para aí uns 8mm de azul por exemplo, ou de amarelo. Não sei se é assim tão evidente. Pelo menos no telemóvel. 

-Tu é que sabes. 

Disse, peremptório e com algum enigma à mistura. 

-Mas eu é que sei, o quê?

-Não digo mais nada. Tenho de ir à piscina nadar crawl

E desligou. 

Ilustração de Rita Belchior.

Fiquei a pensar. Normalmente, o Filipe fazia-me pensar nas coisas, encontrava sempre uns ângulos interessantes sob os quais olhar, mas desta vez surpreendeu-me deveras. Andaria a ver coisas novas na Net? A verdade é que já não falávamos há algum tempo. 

A alternativa seria meter um fundo de uma só cor, mas também, no caso de alguém ter reparado no pormenor, também seria estranho agora alterar o fundo. 

Ainda pensei em arranjar outra fotografia, tenho muitas, mas inequivocamente aquela era de longe a melhor.

O programa tiraria esta foto do texto anterior, e assim este texto perderia o sentido. E ainda para mais, naquela eu reconhecia-me totalmente. É raro encontrar uma fotografia justa em relação às pessoas. Ou fazem muitas poses, ou usam os programas de edição em demasia, ou não têm cuidado algum e vai a que for, mesmo que o efeito da grande angular lhes meta o nariz do tamanho de um porta aviões. Tenho um amigo que tem tão pouco cuidado com a sua imagem que já chegou a dar para o bilhete de identidade a fotografia de outro, por engano, ainda por cima, muito mais gordo e com cara de vilão da Disney. 

Odeio quando conheço ao vivo uma pessoa e já vi a fotografia dela, normalmente é uma desilusão, embora já me tenha habituado ao fenómeno. 

Encontrar a fotografia justa, não é óbvio nem comum. A luz, o ângulo, as olheiras anormais desse dia, a expressão tensa, enfim, imensas variáveis em que não é fácil ajustarem-se todas à mesma hora para uma boa “flashada”.  Mas aquela fotografia era perfeita. Quem me visse ao vivo, iria automaticamente reconhecer-me. E isso é reconfortante. Não haveria cá tangas… Mesmo que ao vivo tenha olheiras, ou a barba feita, ou o cabelo mais curto, ou mesmo um olho negro por ter tido uma discussão sobre… Cores. 

Será bem assim? Às vezes  claro que tenho dúvidas. Quando uma pessoa se olha ao espelho, ou se vê numa foto, tende a deformar-se, tende a não gostar.

Quando uns olhos olham outros, que são os mesmos, não vêm nada. Este é um dos dramas do mundo. O outro é a raiva que me mete aquelas pessoas que no Inverno, mal aparece um bocadinho de sol e calor, calçam logo os chinelos e põem manga curta.

Como é que um pouco de azul ou de amarelo, tem a capacidade de quase me estragar o dia. 

Estarei a exagerar?

Aquilo é tão pequeno, e duvido que as pessoas façam zoom para ver caras. Por dia já vêm, sem querer, um milhão. Quem é que procura caras?.. Os do tinder ainda percebo. Será que aí faria mal, ou bem, ter a bandeira da Ucrânia por trás da carantonha? Nunca se sabe.

Mas também quem está no tinder não está bem à procura de grandes debates sobre geopolítica. Digo eu. Bem, mas também há todo o tipo de fantasias…

Tentei fazer uma foto novamente da minha cara, da qual me orgulhasse, e que não fosse mais uma corriqueira. A primeira selfie saiu logo mal, demasiada pose, a segunda desfocou demais, a terceira queimou, na quarta, eu por estar tão irritado com o falhanço das anteriores, tinha uma cara de chateado. Não estava a resultar de forma nenhuma. A única vantagem em relação à “ucraniana” era o fundo que realmente escolhi bem. Era branco e neutro. Sei que há apps no telemóvel que já põem o fundo que quisermos, mas não gosto de usar apps, a minha costela de direita conservadora está sempre a fazer soar o alarme. 

Ilustração de Nuno Bettencourt

À quinta, fiz uma cara nojenta que, de certeza não é a minha, e se for, mete nojo.

Delete.

Espero que tenha sido da lente, estes iPhones às vezes…

Não é a minha cara que está deformada, é a lente. Reconforta-me este tipo de pensamentos. À vigésima desisti, e pensei ir a um programa de IA para dar uns retoques na original, e manter a alma. Mas pensei melhor, e arrependi-me. O algoritmo de alma não percebe um caracol. 

Também, qual é o problema se uma parte dos leitores me associarem eventualmente à defesa desse país, ostracizado pelos russos?

Até podia ser justo. Claro que seria sempre sem querer, dessa guerra não tenho grande conhecimento. Uma vez até, tentei ver aquele programa com o José Milhazes e o Nuno Rogeiro, para adquirir alguma informação relevante, mas não consegui. Parecia que estava a ver um sketch dos Malucos do Riso. 

Nunca gostei do Putin, que já anda aí ao tempo, do Zelensky nada sabia, até ter estoirado a guerra, mas, e tenho esse direito, odeio as t-shirts que ele usa, e soa-me a falso demais. Fez umas fotos para a Vogue que não me caíram lá muito bem, e a voz irrita-me, mas daí a saber se tem razão ou não…

Ainda para mais, não sei nada desse país que uns dizem que tem imensos Neonazis lá metidos ao barulho. Dizem, não sei. Nunca gastei o dedo a pesquisar.

Claro que os ucranianos não têm culpa disso, e poderia perfeitamente estar a dar o meu contributo desta forma imagetica à causa, sem que venha daí mal ao mundo.  Não será por oportunismo, tratou-se de um acaso, já está, mas não, por outro lado… Ficaria mal, sem dúvida. Poderia efetivamente ser visto como oportunismo digital, um oportunismo bastante na moda. 

Sei, no entanto, que até cairia bem a muita gente, hoje as guerrilhas são feitas assim no sofá, mas os leitores do PÁGINA UM, parecem diferentes. 

No entanto, sei lá eu quem são. 

O mundo é hoje muito pequeno, mas o desconhecimento geral é muito grande, como o meu por exemplo, em relação a esta guerra da qual não sei nada. Uma vez um amigo perguntou-me por quem estava, e respondi aquilo que me pareceu evidente – pelos mais fracos. Mas pensando hoje sobre o assunto, será que é uma questão de fortes e fracos, tipo, Benfica contra o Arouca!.. . Não será tudo mais complexo?

É confuso.

Ilustração de Rita Belchior

Seria até simplista demais da minha parte, depois do meu texto sobre Davos, ver a coisa sem o mínimo de complexidade, mas a verdade é que me parece difícil saber realmente o que está a acontecer naquela zona. É deplorável um país invadir outro, disso estou seguro.

Até depois de uma pesquisa rápida na Net, percebi que até agora, morreram várias centenas de milhares de soldados russos, o que também é estranho, uma vez que são pintados como uma potência militar. Sei que na Rússia, quem não estiver com o presidente acaba invariavelmente na prisão. E eu cá não quero ter nada a ver com isso. Mas, e se estiver, ainda que sem querer, do lado dos ucranianos, será que não estou a ser injusto com outros ucranianos que até se sentem russos? Mas porque é que uma pessoa tem de estar sempre do lado de alguma coisa? Já me chegam as dificuldades que por vezes acarreta ter de apoiar os amigos. 

Perguntei a uma amiga se a fotografia lhe remetia para a Ucrânia. Disse que não, que isso já era coisa do passado, que agora devia era dar apoio à Palestina. Mas desse assunto também sei pouco, senti-me até culpado depois. Já tenho tanta coisa em que pensar, e mesmo julgando ter informação sobre outros acontecimentos do mundo político, não me é fácil relacionar as coisas. Ela insinuou até, que eu, agora, era sionista. Vi logo onde é que o prolongamento daquela conversa iria dar e fui nadar crawl.  

Umas horas depois, perguntei à minha mãe se a fotografia de facto me conotava com a Ucrânia, e ela disse que sim. Acontece, que ela é uma fervorosa apoiante do Putin. Ficou chateada e não me deu a mais pequena chance de contrariá-la. Disse-me ainda, quando saía, que eu era facilmente manipulável pela televisão. Já nem respondi. 

Se virem bem, a coisa está negra, ou será só um exagero da minha parte?

Há uns anos, esta questão não se teria posto. Era amarelo e azul, e então?

A maior parte das pessoas que reparasse nisso, iria achar que eu era apoiante e adepto do Estoril Praia, quando muito, e seria motivo de gozo. Mas hoje as coisas não se passam bem assim. 

Hoje, por um lado, até é melhor, se virmos bem e pelo ângulo certo. Hoje podemos escrever um texto sobre essa ficção em que a realidade não só se confunde, como facilmente a penetra, ao ponto de sermos nós próprios a linguagem. 

E isso, lamento, mas é bom. 

Não sei nada sobre a Ucrânia, ok, qual é o problema!

Ilustração de Rita Belchior

A maior parte das pessoas também tenho dúvidas que saibam, mesmo os que andaram a carregar com as cores da bandeira às costas. Então, mas a guerra continua e já não se vê grandes apoios nas janelas e nos computadores, que são outras janelas, mas onde é que andam hoje as bandeiras?

Não sou contra, evidentemente, que se apoie seja o que for, sobretudo se  parecer justo, mas convém saber do que se fala. Eu, nesse caso, estarei sempre à vontade, porque em todo o tempo, fui contra todas as guerras. Nem a tropa fiz. 

Já saber as regras do trânsito é um problema, ou escrever sem erros ortográficos, quanto mais ter de reconhecer Dombass no mapa político, ou ter de saber se o Shaktar Donetsk ainda joga à bola. A vida não pode ser a metáfora da entrada num supermercado.

Não. Deixo ficar a foto e pronto, não se fala mais nisso. Se calhar também ninguém repara, nem mesmo depois da leitura do texto.

Acho que o mundo precisa mais de cor, anda tudo muito a preto e branco. Estamos quase dentro de um filme mudo, em que todos gritam ao mesmo tempo mas ninguém consegue ouvir o realizador. 

Ruy Otero é artista media


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