Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como cientista: no Scopus – uma base de dados que avalia o impacte científico – tem um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações. É, temos de admitir, um desempenho bastante aceitável, embora a pandemia o tenha ajudado bastante: 31 artigos e 707 citações são posteriores a 2019.
Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como marketeer: desde 2013 prestou-se, mesmo com exclusividade no SNS – e aproveitando-se de um regime especial dos médicos sindicalizados –, a fazer 342 serviços a farmacêuticas para lhes “vender o peixe” ou fazer lobby ou participar em brainstormings com o intuito de obter autorizações e negócios com o Estado. Ganhou, oficialmente, pelo menos, 475.519 euros [valores actualizados, a partir daqui, e tendo como fonte a pouco escrutinada plataforma do Infarmed). As suas relações com as farmacêuticas, depois de um inquérito a brincar da IGAS, estão agora a ser investigadas pelo Infarmed, conforme confirmação do respectivo Conselho Directivo ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado, embora, enfim, a probabilidade de se querer apurar responsabilidades deverá ser inversamente proporcional ao aumento dos seus rendimentos provenientes das farmacêuticas.
Posto isto, o Dr. Filipe Froes veio ‘denunciar’, por estes dias – e curiosamente depois de o PÁGINA UM ter revelado que um “artigo científico com ‘peer review’ concluía que as vacinas contra a covid-19 matam 14 vezes mais do que salvam” –, e do alto da sua habitual petulância e prosápia, em tom gozão, de que “anda[va] a circular nas redes sociais um texto recentemente publicado na ‘famosíssima’ [escrito entre aspas para ironizar] revista Cureus (“COVID-19 mRNA Vaccines: Lessons Learned from the Registrational Trials and Global Vaccination Campaign” […] sobre o suposto excesso de mortalidade associado à vacina RNA mensageiro contra a COVID-19”. Titulou o seu post com o sugestivo título: “Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?“
E vai daí, para contrariar um artigo científico – tratando-o por “texto” – lança-se logo aos autores, ao velho estilo do ataque ao mensageiro face à incapacidade de atacar a mensagem, reputando-os de “um dos grupos habituais de negacionistas”. Esta estratégia do Dr. Filipe Froes pode ter dado frutos nos idos de 2020, 2021 e até 2022, mas já não colhe em 2024. Não pode colher. Não pode ele dizer barbaridades e sair airoso, como naquela ocasião em que ‘explicou’ à Júlia Pinheiro que a fase endémica assim se chamava porque era o fim (END, em inglês) da pandemia. O seu tempo de vendilhão tem de terminar. A sua ‘Ciência’ tem os dias contados, mas exige-se, se não decência (que nunca a teve), pelo menos humildade.
Por isso, aqui vamos tratar do Doutor Filipe Froes.
O Doutor Filipe Froes lança-se particularmente a Peter A. McCullough, dizendo ser “sobejamente conhecido por ter vários artigos despublicados por erros metodológicos e conclusões não fundamentados”. Pesquisa-se e somente se encontra um seu artigo retirado (Withdrawn), sem ser apresentada a justificação, na revista na Current in Cardiology em Outubro de 2021, quando falar de efeitos adversos (neste caso, miocardites) era um ‘crime de lesa majestade’.
No mês passado, Janeiro de 2024, sendo outros os tempos, um artigo de Peter A. McCullough (com Jessica Rose e Nicolas Hulscher), intitulado “Determinants of COVID-19 vaccine-induced myocarditis“, sensivelmente similar ao outro, foi publicado na revista científica Therapeutic Advances in Drug Safety. E aí concluiu que o número de notificações de miocardite após a vacinação contra a covid-19 em 2021 foi 223 vezes superior à média de todas as vacinas combinadas nos últimos 30 anos. Isto representou um aumento de 2500% no número absoluto de notificações no primeiro ano da campanha quando se comparam os valores históricos anteriores a 2021.
Enfim, mas vejamos: que tipo de “negacionista anti-ciência” será então este Peter A. McCullough, tão ostracizado, desprezado e espezinhado pelo Doutor Filipe Froes? Pois bem, é um médico cardiologista bastante conceituado antes da pandemia, com um h-index de 107, fruto de 750 artigos científicos e 48.756 citações.
Recordemos o status do Dr. Filipe Froes: um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.
Estamos conversados.
Ou não.
Porque o Doutor Filipe Froes não fica só atrás de Peter A. McCullough no que concerne à credibilidade e desempenho científico. Dois outros dos co-autores do artigo científico, que ele quis menosprezar, têm valores bem mais elevados no Scopus: Stephanie Seneff, uma investigadora do MIT (Cambridge), contabiliza um h-index de 36, fruto de 191 artigos e 4.837 citações, enquanto Kris Denhaerynck, um investigador da Universidade de Basel apresenta um h-index de 35, fruto de 127 artigos e 4.229 citações.
Vamos lá recordar a performance do Dr. Flipe Froes: h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.
Portanto, estamos triplamente conversados.
Mas há mais.
O Doutor Filipe Froes usa o triste ‘argumento da maioria’ para concluir a ‘narrativa imposta’ de que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, enquanto, por um lado, o Infarmed continua a esconder os dados do Portal RAM com os registos dos efeitos adversos (questão que se encontra em recurso no Tribunal), e quer ignorar diversos outros estudos que colocam em causa a estratégia de vacinação. Veja-se, aliás, o recente estudo científico desenvolvido na Áustria e com participação do norte-americano John Ioannidis, o mais prestigiado e citado epidemiologista mundial, que questiona a estratégia de se vacinar sucessivamente a população, em geral, com novos reforços.
Como co-autor, Ioannidis publicou no European Journal of Clinical Investigation, esse estudo que analisou epidemiologicamente a população daquele país europeu em função do estatuto vacinal e da ocorrência de infecção prévia por SARS-CoV-2, tendo concluído que a eficácia de uma quarta dose para prevenir a morte por covid-19 era fraca. E também já escrevera em finais de 2022 sobre a necessidade de rever a estratégia de vacinação.
Convém dizer que John Ionnidis tem um h-index de 188, completamente estratosférico face ao h-index de 17 do Doutor Filipe Froes.
Aliás, e ainda convém dizer também que o Doutor Filipe Froes foi um dos ‘peritos’ que andou a endeusar o molnupiravir, da sua ‘querida’ MSD, em Novembro de 2021, que veio a ser retirado do mercado nacional em Julho de 2023, sabendo-se pouco depois, em dois artigos da Nature, em Setembro e ainda em Outubro, que causava e acelerava mutações no SARS-CoV-2. Pior a emenda do que o soneto.
E o Doutor Filipe Froes, consultor e marketeer da MSD (e da Pfizer e da AstraZeneca e de mais duas dezenas de farmacêuticas) caladinho que nem um fuso.
Aliás, além de promotor de vacinas contra a covid-19 para todas as idades (e quantas mais melhor, ignorando até a eficaz imunidade natural), o Doutor Filipe Froes fartou-se também de ser o marketeer de anticorpos monoclonais e antivirais (Evusheld, Paxlovid, etc.) que, ou foram sendo abandonados por ineficazes, ou passaram a ser um mero negócio mesmo perante a evidência dos seus fraquíssimos resultados a partir da Omicron.
E o Doutor Filipe Froes caladinho que nem um fuso.
Mas o Doutor Filipe Froes, julgando-se ainda um ‘protegido’ da imprensa mainstream – que saudades terá ele desses nefastos tempos de inquisição –, acha que pode dizer todas as alarvidades em modo impune.
Diz ele, para desancar, que a Cureus “divulga no seu site que demora em média 1,5 dias para a primeira decisão e 33 dias para publicar um artigo”, e que isso são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”.
Então, se assim é, que tal incluir nesse lote o famoso protocolo Corman-Drosten que validou a metodologia dos polémicos testes de detecção do SARS-CoV-2? O artigo que o consagrou foi submetido à revista Eurosurveillance em 21 de Janeiro de 2020, foi aceite em 22 de Janeiro de 2020 e publicado no dia 23 de Janeiro de 2020. Entre a submissão e a publicação passaram três dias. Portanto, isto já não são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”, pois não, Doutor Filipe Froes?
Fanfarronices à Froes para papalvos.
Mas vamos lá ver o que é, efectivamente, a revista Cureus, tão desprezada pelo Doutor Filipe Froes.
A Cureus foi fundada em 2009 em Silicon Valley como uma plataforma líder no movimento editorial de Acesso Aberto (Open Acess) com uma filosofia que enfatizava a credibilidade científica em detrimento do impacto percebido. Com uma gestão de peer review expedito publicou cerca de 32 mil artigos até ser adquirida pela Springer Nature, o grupo editorial responsável por dezenas de revistas científicas, entre as quais a Nature. E manteve a filosofia.
Sobre a credibilidade da Cureus – que o Doutor Filipe Froes cataloga como uma das “revistas de ‘vão de escada’ que vivem destes expedientes para ter visibilidade” –, citemos as palavras de Joachim Krieger, director administrativo da Springer Nature Health quando a adquiriu em Dezembro de 2022:
“Estamos muito satisfeitos em receber Cureus na família Springer Nature. Com a sua abordagem à publicação centrada na comunidade e o novo pensamento e cultura inovadores que trarão, estou ansioso por trabalhar em conjunto para criar um repositório dinâmico e aberto de conhecimento médico acessível a todo o Mundo”.
O ‘caixote de lixo’ no “vão de escada” do Doutor Filipe Froes não parece afinal cheirar assim tão mal ao executivo da Springer Nature. Pelo contrário.
Mas, já agora, convém acrescentar que o fundador da Cureus, e ainda seu co-editor-chefe, de seu nome John R. Adler, é, enfim, um catedrático emérito da, enfim, Universidade de Stanford. No Scopus tem ele um h-index de 64. Que tal?
Lembram-se do h-index do Doutor Filipe Froes? Exacto: apenas 17 (e nem é mau de todo). Falta-lhe é humildade. Pelo menos…
Já agora, só para chatear mais: o outro co-editor-chefe da Cureus, o alemão Alexander Muacevic, tem um h-index de 37.
Portanto, vejam a bazófia do Doutor Filipe Froes no ataque a um artigo científico que não lhe dá jeito. Lança lama a quem muitíssimos melhores atributos detém.
Mas voltemos ao artigo da Cureus sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, que terão causado 14 vezes mais mortes do que as vidas por si salvas. Será que teve uma revisão assim tão apressada?
Vejamos: a revisão começou em 11 de Agosto de 2023 e terminou em 23 de Janeiro de 2024, e o artigo foi publicado no dia seguinte. Portanto, o peer review demorou afinal 173 dias, ou seja, mais de cinco vezes o tempo médio criticado pelo Doutor Filipe Froes (e que ele quis fazer crer que fora o tempo da revisão do artigo sobre os efeitos adversos das vacinas).
Mas mesmo assim: 173 dias, será pouco ou muito tempo?
O tempo é uma medida sempre relativa (e até subjectiva), por isso nada melhor do que ver na perspectiva dos tempos de revisão dos próprios artigos científicos do Doutor Filipe Froes…
Vamos a isso.
O seu mais recente artigo, como nono co-autor, publicado na BMC Infectious Diseases, teve um tempo de revisão de… 173 dias. Acreditem, igualzinho: foi recebido pela revista em 19 de Abril do ano passado e acabou aceite em 9 de Outubro.
Caramba: terá sido bem revisto pelos pares? Será a BMC Infectious Diseases também uma revista de ‘vão de escadas’? Claro que não! A BMC Infectious Diseases é uma revista da Springer Nature… tal como a Cureus.
Vamos então ao segundo mais recente artigo científico do Doutor Filipe Froes – onde ele surge como 33º de entre 37 autores (estas ‘molhadas’ em Ciência são muitos normais para melhorar o CV) – publicado na Intensive Care Medicine. Oh, diabo! Também é do grupo Springer Nature, a mesma da Cureus. Vamos a contas: foi recebido em 21 de Abril de 2023 e, depois de revista pelos pares, acabou aceite em 22 de Agosto do mesmo ano. Isto dá 123 dias. Ora bolas! Menos tempo do que o tal artigo da ‘péssima’ Cureus.
Mas vamos agora escrutinar onde também o Doutor Filipe Froes, avesso a revistas de “vão de escada”, aprecia publicar. Um dos seus últimos artigos científicos saiu ainda no ano passado sob o título “COVID-19 Vaccination in the Portuguese Medical Community: An Unprecedented Campaign Coordinated by the Portuguese Medical Association”. Na verdade, é uma pura descrição da polémica campanha de vacinação de médicos não-prioritários contra a norma da DGS. Trata-se de um artigo de grande simplicidade, nas suas cinco páginas, mas o elemento mais interessante é publicação: Acta Médica Portuguesa, que, para quem não sabe, é a revista científica da Ordem dos Médicos.
Ora, nem por acaso, o primeiro autor deste artigo (supostamente) científico é o Doutor Miguel Guimarães, então ainda bastonário da Ordem dos Médicos. Estava tudo em casa, portanto.
E assim, por artes mágicas, este fabuloso artigo científico do Doutor Filipe Froes – o mesmo homem que chamou revista de ‘vão de escadas’ a uma revista da Springer Nature por se gastar ‘apenas’ 173 dias a aceitar um artigo – demorou cinco dias apenas a ser aceite na extraordinária Acta Médica Portuguesa. Cinco dias, atenção, que incluíram um fim-de-semana: o dia 4 de Fevereiro de 2023 foi sábado e 5 foi domingo. Portanto , uma ‘revisão’ em três dias úteis.
Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.
E se formos para os artigos da Pulmonology, a revista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, onde o Doutor Filipe Froes também publica muito, a coisa não é muito melhor. Por exemplo, um recente artigo dele – que tem como co-autor o próprio presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais (os currículos científicos também se fazem assim, sem grandes preocupações de conflito de interesse) – foi recebido a 10 de Outubro do ano passado e aceite logo a 14 de Novembro, ou seja, 35 dias.
Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.
Mas vamos ser claros. Os tempos de ‘revisão’ são um falacioso indicador de qualidade [veja-se esta resposta de John Adler]. Em todo o caso, se algo de mal traz então abrangeu sobretudo a profusa publicação de artigos científicos em redor do uso de certos medicamentos contra a covid-19 com Ciência de duvidosa qualidade, e que muitas vezes contribuíram para calar vozes dissonantes. A eficácia dos lockdowns e das restrições, a implementação dos passaportes sanitários, a administração da vacinação em crianças e jovens, bem como a decisão de gastar milhões e milhões de euros em medicamentos patenteados, vieram de muitos artigos científicos ‘turbinados’ com ‘peer reviews’ à la carte.
Uma interessante análise comparativa sobre a duração do processo de aceitação de artigos científicos durante a pandemia – e há muitas mais sobre o mesmo tema – comprova que diversas conceituadas revistas reduziram consideravelmente os prazos do processo de publicação. Por exemplo, a Eurosurveillance – onde foi publicado o polémico famoso protocolo Corman-Drosten – demorava cerca de 168 dias no processo de publicação e 106 dias na fase de revisão no período anterior à pandemia, mas durante a pandemia os prazos foram encurtados para 10 e 8 dias, respectivamente.
Das 14 conceituadas revistas científicas alvo dessa análise, fica-se a saber que, antes da pandemia, o tempo médio para todo o processo de publicação era de 117,4 dias e o de revisão de 95,9 dias, mas passou, durante a pandemia, para 60,3 e 51 dias, respectivamente. Além da Eurosurveillance, o Journal of Hospital Infection (10 dias), o Journal of Medical Virology (10,3 dias), o Travel Medicine and Infection Disease (12,6 dias) passaram a demorar menos de 20 dias no processo de revisão.
E depois a Cureus é que é uma revista de ‘vão de escada’, Doutor Filipe Froes?
Atine, homem!
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