Nas suas terceiras eleições legislativas, o partido fundado por André Ventura em 2019, quase de um homem só, promete agora ‘revolucionar’ o sistema político nacional no próximo mês, talvez mais do que o ‘fenómeno’ efémero de 1985 com o PRD. Consciente da capacidade de ser uma surpresa (maior do que a já esperada) nas eleições de Março, e despindo o cunho nacionalista e até xenófobo de outrora (onde o discurso contra os ciganos desapareceu e o tema da imigração se ‘moderou’), o líder do Chega assume agora já não querer ser apenas uma voz anti-sistema; está já a lutar pelo poder. E garante que não quer perder a identidade, embora já comece a ser difícil discernir quais das suas propostas são de direita e quais de esquerda. Esta é a quarta entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE ANDRÉ VENTURA, PRESIDENTE DO CHEGA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
O Chega é um partido, fundado em 2019, que se assume como nacionalista e conservador. Actualmente, é a terceira força política. Pode vir a ser a segunda, em breve?
Obrigado pelo convite e parabéns pelo trabalho que têm feito, que tenho acompanhado e que, de facto, faz muita falta, sobretudo pela ausência de algumas amarras, que não se vêem em todos os órgãos de comunicação. [O Chega] pode chegar a ser segunda, de facto. Não vou dizer que é uma tarefa fácil. Em 2022 estávamos a lutar para ser a terceira força política; na altura, as sondagens punham-nos taco a taco com o Bloco de Esquerda. Ficámos bastante à frente do Bloco de Esquerda, mas numa votação que, diria, ainda de segunda divisão. Ou seja, ficamos em terceiro lugar, é verdade, hoje somos a terceira força do Parlamento, mas temos de reconhecer que havia dois partidos que ainda estavam numa divisão a frente. Penso que esta legislatura nos foi favorável, no sentido que conseguimos globalmente, mesmo cometendo erros – um partido, como disse, tem cinco anos, ainda não amadurecemos totalmente – e algumas precipitações, uma legislatura muito positiva. Conseguimos marcar a agenda política e mediática, o que é muito difícil em Portugal, até os nossos parceiros europeus nos dizem isso. E depois todo o contexto que vínhamos denunciando e que levou à queda do Governo também colocou o Chega um pouco, não diria como o anfitrião destas eleições – que essa expressão não existe – mas como charneira nestas eleições. E, portanto, é possível ficarmos em segundo, mas é importante que todos saibam que, enfim, o Chega está com sondagens que são muito variáveis, para ser honesto: vão desde os 16% aos 21%. Em política, as pessoas não têm noção disso, mas 16% e 21% são coisas completamente diferentes.
Mas revê-se nessas sondagens?
Sim. Vamos lá ver, eu gostava de vencer as eleições e estou a lutar para isso, mas temos de ser realistas, não é? Neste momento sente-se na rua um apoio que nunca senti, sente-se um apoio a nível das estruturas sociais e do tecido social, mas reconheço ser muito difícil quebrar o domínio dos partidos que estão há 50 anos incrustados no poder. Não é no poder; é incrustados no poder. Eu acho que é possível ficar em segundo se conseguirmos que uma parte significativa do eleitorado do centro-direita se transfira para o Chego. Penso que já agregamos, na sua maioria, o eleitorado de direita; há pequenos ‘focos’ que não, mas na sua maioria agregamos. A grande disputa – e, por isso, os debates com Luís Montenegro também vão ser importantes – vai ser [atrair] o eleitorado do centro-direita, porque o Chega está a conseguir não só ir buscar votos a esse centro-direita, à direita e à abstenção, mas curiosamente também está a conseguir buscar votos a alguma esquerda pouco ideológica, ou seja, que votavam à esquerda, mas estão a transferir-se para o Chega. Portanto, acho que é possível ficar em primeira à direita, digamos assim. Se é possível, nesse contexto, vencer o Partido Socialista, vamos ver. Eu esperarei pelas eleições. Na Holanda foi possível, por exemplo. Todos diziam que não era possível e acabou por ser. Estou a lutar para vencer. São as primeiras eleições que o Chega está a lutar para vencer, reconhecendo que é um caminho muito difícil e que temos muito contra nós, ainda. Vamos tentar quebrar essa bipolarização, mas também gostava de deixar, a todos, os pés na terra: temos de fazer o caminho, temos de ser exigentes. Estou a apontar para um resultado entre os 15% e os 22%, que é um resultado muito elevado. Mas em relação a rankings, vamos esperar. Eu gostava de vencer, mas vamos esperar para ver.
Já foi muito claro naquilo que disse em todo o caso, mas olhando para o número de deputados, qual o patamar? Neste momento, têm 12…
Temos 12, somos 12 deputados, tivemos 7,18% nas eleições [de 2022]. Há sondagens que dão 55 deputados, outras 60, outras 40, outras mais modestas, 35. Penso ser consensual na sociedade portuguesa que vamos crescer bastante. Isto é uma dose também de responsabilidade; não só de felicidade, mas também de responsabilidade. Eu acho que nós podemos ‘vencer’ [formar] o grupo parlamentar decisivo no Parlamento. Entre o PS e o PSD, podemos ser o grupo parlamentar que decide se há Governo ou não há Governo, que tipo de Governo é que há. E isso também nos dá uma margem de manobra forte, mas também nos dá muita responsabilidade. Significa que teremos de poder orientar o próximo Governo em decisões fundamentais, desde a Fiscalidade à Saúde, à reforma da Justiça, à luta contra a corrupção, à censura – enfim, à censura digital. Todas estas matérias. Portanto, eu não tenho números na cabeça, um número de deputados. Se me vão perguntar quantos deputados, se acha que vai ter 55, 40 ou 70? Eu gostava de ser o partido mais votado, e isso significa sempre ter acima dos 70 e qualquer coisa de deputados, atendendo à média dos últimos anos. Próximo dos 80 deputados. Neste momento, as sondagens não nos apontam ainda para aí; apontam-nos nos 50 e muitos. Falta ainda um mês de campanha, sensivelmente, um bocadinho menos, e eu penso que ainda é possível chegar aí, nomeadamente com os debates e com a campanha, mas penso que vamos ter mais do que 30 deputados, isso teremos.
Antes de avançarmos para algumas das vossas propostas, uma questão: neste momento, parte da imprensa e alguns comentadores apontam o Chega quase como um bicho-papão na política em Portugal. E falando sempre um bocadinho da extrema-direita e da xenofobia. O que tem a dizer sobre isto, até porque na imprensa parece haver uma relação um pouco estranha, porque a imprensa acaba…
De amor ódio…
… exactamente; porque a imprensa acaba por lhe dar muito palco.
É uma relação, enfim… Eu, no início, compreendia; havia uma certa estupefação pelo crescimento do Chega. E também foi uma novidade no sistema político português; não havia nenhum partido como o Chega. Eu compreendia um pouco, e até mesmo nas eleições presidenciais de 2021, onde eu tive 12%, já se notava que havia um eleitorado que estava a crescer muito, mas percebi: havia uma certa estupefação da imprensa, dos comentadores, do tecido institucional, digamos assim. Depois, honestamente, acho que agora se caiu num certo exagero, e digo isto porquê? Os programas do Chega, uns melhores, outros piores – como eu digo, temos cinco anos – têm amadurecido, têm crescido, têm recolhido apoios. Isto é o normal de todas as instituições. Tem [agora] uma história parlamentar de defesa dos serviços públicos, de defesa dos órgãos públicos, da defesa da liberdade, de defesa da democracia. Eu acho que já não se justifica ter criado esta ideia que o Chega vem aí para acabar com o Serviço Nacional de Saúde, com a Educação, com a democracia. As nossas propostas parlamentares falam por nós. O Chega agora tem uma vantagem: tem um património parlamentar que fala por ele, na Saúde, na Educação, na liberdade, na informação. E é só ir ver. O Chega esteve ao lado, penso eu, de propostas que são discutidas e aprovadas por toda a Europa. Portanto, eu acho que o Chega tornou-se numa arma de arremesso dentro do sistema político. E acho também, honestamente, que estamos a evoluir no sistema político, e até os comentadores que não gostam de nós dizem isso. Havia um sistema político bipolarizado, ou bipartidarizado, e penso que caminharemos para um sistema tripartidarizado. Digo isto porquê? Não é por falta de respeito aos partidos – eu também já fui um partido pequeno –; é por as sondagens, os números e as movimentações, mostrarem cada vez mais que há três partidos numa escala de valor, e os outros numa escala de valor mais baixa. Estou a referir-me aos partidos parlamentares. Mesmo as últimas sondagens, está o PS e o PSD nos 25 ou 26%, o Chega nos 21 ou 19%, e depois os outros dos 5% para baixo, o que significa que já há uma décalage muito grande entre estes dois blocos. Portanto, eu acho que o sistema vai caminhar para uma espécie de tripartidarização, com todos os riscos que isso acarreta, mas também com todas as vantagens. E as vantagens é haver uma quebra neste sistema de interesses que se instalou ao longo dos últimos anos. Como é que o sistema vai funcionar a partir daqui? Não sei, vai depender muito da relação com os outros. Por exemplo, nas regiões autónomas, onde o Chega tem tido um crescimento – duplicou os votos nos Açores –, quer ao nível da República, vai depender muito da relação com os outros partidos. Quer dizer, com o Partido Socialista é muito difícil o Chega vir a ter qualquer relação, porque estamos nos antípodas de pensamento, prática política. Vai depender um bocadinho se o centro-direita aceita dialogar com o Chega e começa a construir um novo paradigma [connosco]; ou se, como na França, acabará por ser engolido pelo Chega. Ou se o Chega será derrotado por esse centro-direita, que também pode acontecer, e temos de pôr essa hipótese também, embora eu não ache muito provável. Portanto, eu acho que os próximos anos deste sistema tripartidarizado vão ser decisivos para perceber se o Chega se consegue assumir como grande pólo da direita; se volta a diminuir perto do que era CDS antes de existir o Chega; ou se consegue dominar o espaço do centro-direita, como aconteceu em França com a Rassemblement National [de Marine Le Pen], e dominar essa parte da oposição. Em todo o caso, neste momento, aquilo que eu sinto é que o Chega é usado como arma de arremesso entre os dois partidos, e usam-no para fins político-partidários. Portanto, vai depender muito do resultado eleitoral. Eu tenho muita esperança que as pessoas compreendam – e hoje temos novos meios – o PÁGINA UM é um exemplo, mas as redes sociais também. Graças a Deus, os cidadãos conseguem-nos ouvir em múltiplas formas, não é só nas principais televisões ou nos principais jornais; ouvem-nos, diretamente. Ouvem e criticam diretamente. Todos os dias, eu sou criticado no Instagram, no Facebook, no TikTok ou no Twitter, por propostas nossas. Tento responder, quando não consigo, alguém tenta responder. E há aqui uma ligação directa que favorece a democracia, e favorece a aproximação ou o afastamento. Durante anos, vamos ser francos, os principais meios [de comunicação social] estavam focados em pôr o PS e o PSD como reis do sistema e era impossível chegar lá perto. Como isto está a mudar, eu acredito que a imagem do Chega também está… eu não diria a institucionalizar, no mau sentido, mas está a tornar-se uma grande instituição política nacional. Acho que vai acontecer isso nestas eleições, e temos condições de chegar ao Governo a curto prazo. Não sei se esse curto prazo será já, se será daqui a uns meses, se daqui a uns anos, mas acho que tudo aponta que esse caminho vai ser feito.
E agora vou olhar mesmo para aquilo que o Chega está a propor aos portugueses. Tem referido um aumento do salário mínimo para 1.000 euros até 2026, um aumento das pensões, salvar a Segurança Social, reformar a Constituição. Nesta altura, resumindo, o que é mais importante, o que quer o Chega dar aos portugueses?
Ainda bem que me faz essa pergunta, porque acho que temos de desmistificar um pouco. O Chega arriscou fazer uma coisa que nunca ninguém tinha feito: deixar um bocadinho de lado o especto direita-esquerda e passar a dizer que está a fazer propostas para os portugueses, independentemente do seu cunho ideológico. Por isso, nos debates que [já] tive com Paulo Raimundo, com Inês Sousa Real, com Rui Rocha [a entrevista foi realizada em 12 de Fevereiro, antes do debate com Luís Montenegro], fui tentando explicar que temos de deixar de olhar para medidas e dizer assim; “Ah, isso é tipicamente socialista; isso é tipicamente liberal; isso é tipicamente de direita”. Honestamente, eu acho que as pessoas não querem saber disso. Vim de uma terra, Mem Martins, que é um subúrbio de Lisboa, onde, enfim, onde vive a classe média baixa, que é quem maioritariamente vota, que é quem sustenta o país. E eu não via as pessoas preocupadas se os combustíveis aumentavam ou diminuíam, se a casa aumentava ou diminuía, ou se havia creches ou não havia para os filhos, ou se as escolas tinham condições ou não tinham – eu nunca via as pessoas preocupadas se as medidas eram de esquerda ou direita; era se tinham ou não impacto. Aumentar o salário mínimo é claramente uma medida que hoje me acusam de ser de esquerda. Num cenário macroeconómico normal, eu até compreenderia isso; agora, num cenário macroeconómico, em que a inflação – fruto da guerra que tivemos na Ucrânia –está a aumentar brutalmente (e hoje, no dia em que estamos a gravar esta entrevista voltou a aumentar a inflação em Portugal), em que os custos da habitação já estão ao nível dos maiores do Mundo (que é uma loucura), como é que podemos dizer que aumentar o salário mínimo é uma de esquerda? Eu acho que é uma medida de razoabilidade, para não permitirmos que haja cidadãos a viver neste país caro e a ganhar 800 e tal euros por mês.
E a sair do país…
Um jovem a quem lhe dizem que vai ganhar 1.000 euros, e ele sabe que a com a formação que tem pode ganhar 2.000 ou 3.000 euros em França ou na Suíça, ele vai. Ainda por cima, hoje falam línguas, estão perfeitamente integrados no mundo digital. Portanto, eu acho que aumentar o salário mínimo é um desígnio nacional; é como as pensões, um bocadinho, quer se diga que é de esquerda ou de direita.
Mas consegue fazer tudo isto sem aumentar os impostos?
Essa é a verdadeira questão. Nós temos apostado em cinco eixos de receita para contrapor. Obviamente, partimos de uma premissa de ter um crescimento acima dos 3% ao ano. Eu mão sou economista, mas daquilo que ouvi, e tenho reunido com vários [economistas], se o país for bem gerido, nomeadamente aos níveis do desperdício e da reorganização, facilmente crescemos 3% ao ano. A partir dos 5% é que já será difícil. Baseando-nos num crescimento desses, com limites ao nível do desperdício – no âmbito do combate à corrupção e à economia paralela e com uma taxa sobre os lucros da banca, das distribuidoras e das petrolíferas –conseguiremos uma margem financeira para três grandes desígnios: o aumento do salário mínimo; o aumento da pensão mínima, para que em se anos se aproxime do valor do salário do salário mínimo; e, ao mesmo tempo, embora seja a jusante, a diminuição dos impostos sobre o património e sobre as pessoas. E por que lhe refiro os impostos sobre o património? Por exemplo, o IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis] é um imposto que não tem grande peso na estrutura fiscal portuguesa. Se não me engano, mesmo nos impostos indiretos, depois pode confirmar, são cerca de 4,4%. Isso significa que o IMI, tal como o IUC [Imposto Único de Circulação], não dão grande receita ao Estado, mas é um imposto que tem um impacto significativo na vida das pessoas, para além de ser um imposto teoricamente estúpido. Como eu já disse na televisão, quando compramos uma casa, pagamos um imposto; quando vendemos a casa, pagamos um imposto; para fazer obras na casa… quase todos pagamos um imposto, mas o IMI pagamos pelo simples facto de ter a casa. Portanto, queríamos dar aqui um sinal às pessoas de que é possível, gerindo melhor… Eu dei um exemplo que me parece evidente: o Ministério da Saúde tem tido médias de mil milhões [de euros] de desperdício todos os anos. Gerindo um bocadinho melhor, conseguimos também reduzir a carga fiscal, que é elevada. A direita fala só em carga fiscal, e eu compreendo isso; é importante. Os países mais modernos do Mundo têm uma reduzida carga fiscal, mas há uma dimensão social que não se resolve com a carga fiscal. As pensões não se resolvem com a carga fiscal. Pode diminuir o IRS, mas quem recebe 200 ou 300 euros numa pensão não vai conseguir ter uma vida melhor por causa de se diminuir o IRS. Pode diminuir o IRS, mas quem recebe salário mínimo não paga IRS, portanto, não vai sentir o efeito. Infelizmente, como deixaram isto chegar a este ponto, temos de atuar nas duas dimensões do rendimento e da carga fiscal. Vamos ter de ser mais tímidos na carga fiscal. Por exemplo, a direita liberal propõe uma redução muito mais radical da carga fiscal; é legítimo. Só que nós, como temos medidas sociais, temos de ser mais tímidos, porque senão não é possível fazer tudo, não é?
Para a Habitação também tem algumas medidas…
Olhe, até vi o PS copiar este [nosso] programa eleitoral, o que achei uma coisa incrível. Nós somos atacadíssimos por uma proposta inovadora que, em nome da honestidade, não é minha, foi estudada lá fora, que é o Estado assumir-se como garante no primeiro empréstimo dos jovens. [Disseram] que era socialismo, que era estar a pôr o Estado na vida das pessoas. Para os jovens, é evidente que há um problema de rendimentos, mas há outro, que não é de rendimentos. Os jovens até podem ganhar 1.500 ou 1.600 euros, mas ao preço que as casas estão, o banco diz: “muito bem, garantias, ou têm pais ricos ou tem património”. Mas vamos lá ver: quem de nós tinha património, quando tinha 21 ou 22 ou 23 anos? Ninguém. Portanto, o Estado dá aqui um passo arriscado, assumindo-se como uma espécie de fiador daquela habitação. E vi ontem o PS apresentar exactamente a mesma medida para os jovens no crédito da habitação. É uma medida arrojada, e mais uma vez, eu não me importo como me chamem socialista, de esquerda ou de direita.
Mas essa medida resolve o problema na habitação, pelo menos para os jovens? Se calhar não terão à mesma rendimentos também para pagar os empréstimos…
Obviamente, estabelecemos limite quer na idade, quer no valor do imóvel. Se um jovem quiser ir ver para o Palácio de Seteais, é evidente que tem de ter dinheiro para isso. Para muitos jovens, que até já conseguem receber um valor razoável – não é um valor elevado, porque infelizmente em Portugal isso é muito raro –, conseguem um estímulo para adquirir a sua casa, o que os prende até mais ao país, porque repare: se um jovem tiver a sua casa e estiver a pagá-la, sentir que pode [aqui] viver com a sua namorada ou com o seu namorado, ou com o seu marido ou a sua esposa e terem filhos, há logo uma ligação ao país muito maior do que se não têm nada, e que facilmente se desliga e vai embora. Ora, tivemos há pouco tempo o número: 30% dos jovens portugueses decidiram emigrar para países onde pagavam mais. Então, temos de ir por caminhos de os fixar mais ou de os deixar ir mais? Há uma lógica liberal que diz que se baixarmos os impostos, isto vai funcionar tudo. Eu não sou economista, confesso, mas duvido de uma lógica que diz que se simplesmente baixarmos os impostos, isso vai resolver os problemas. Muitos dos problemas não têm a ver com impostos; têm a ver com a falta de liquidez e também com falta de capacidade de acção do mercado. E se o Estado der aqui um apoio [aos jovens], eu tenho a certeza de que 90% [dos que saíram] preferia estar em Portugal se tivessem condições. Qual é uma das grandes condições que as pessoas se queixam? É a habitação, porque em Lisboa, no Porto, em Faro, em Braga e no Funchal as nossas habitações estão ao nível do mais caro do Mundo. Nem da Europa, já é do Mundo – só que os salários não estão a nível do mais elevado do Mundo. Portanto, eu acho que este sinal era positivo; e lá está, não me importa se é direita ou se é de esquerda.
A Saúde é outra das questões que os portugueses também se queixam.
Talvez até onde há mais queixas maior. Aí são dois modelos completamente diferentes.
Já falou nos desperdícios
Os desperdícios são uma parte evidente, mas aqui questões que eu não quero fugir, que são difíceis de resolver. Por exemplo, os médicos. É evidente que até temos estudos que mostram temos médicos a mais, mas que ou foram embora ou estão no setor privado. Por outro lado, também sabemos que há hoje um gestão deficiente do Serviço Nacional de Saúde, e que o Governo socialista a aumentou muito ao criar super, macro, micros e superestruturas em todo o lado, ao querer desdobrar estruturas, não para serviços, mas para nomear pessoas. E também o grande problema é não conseguir gerar uma carreira atractiva. E não é só para médicos; émédicos, enfermeiros, profissionais de saúde. Defendemos que haja um regime de horas extraordinárias, que seja efectivamente pago, porque muitos destes médicos queixam-se que, sobretudo nas urgências, fazem horas e horas extraordinárias, e que a partir de um certo limite deixam de receber. Isto era importante resolver para se sentirem presos ao Serviço [Nacional] de Saúde. O mesmo com os enfermeiros. Mas também era importante permitir que o sector privado e o setor público criem uma interacção, que não temos. A esquerda diz sempre: “temos de manter o Serviço Nacional de Saúde público. Nós já não temos um Serviço Nacional de Saúde. Cerca de 40% das diligências já são feitas no sector privado, seja análises, seja procedimentos de natureza de diagnóstico, seja cirurgias. Portanto, já temos um sistema complementar, só que a cegueira ideológica dos últimos anos levou-nos a querer retroceder esse caminho, acabando com PPPs [parcerias público-privadas], desprezando o sector privado, espezinhando médicos que foram para o privado, ao ponto de o secretário-geral do PS – posso estar enganado, mas foi o que li ontem – até quer obrigar os médicos que saem do Serviço Nacional de Saúde a compensar o Serviço Nacional de Saúde, uma espécie de indemnização por irem para outra outra vida. Acho que a chave do sucesso aqui é a articulação. Não vamos ter mais médicos para o ano, ou seja, não vamos resolver este problema em seis meses. Os médicos demoram tempo a formar. Eu acho que faz falta, mesmo assim, desdobrar os focos de ensino, os pólos de ensino de Medicina em Portugal, como aconteceu com o Direito, com a Engenharia, com a Economia, nos anos 80. Acho que faz falta mais faculdades de Medicina, mas sobretudo temos de criar uma boa sinergia entre o privado, o público e o social. Uma dessas manifestações são as parcerias público-privadas [PPPs], mas não só. É possível criarmos protocolos e sinergias entre um sector e outro, garantindo que mesmo quando a pessoa escolha o público – e a liberdade é importante –, mas não consegue ser atendida em tempo, ou porque não há profissionais ou porque não há condições naquele momento, pode [então] ir ao privado, gastando o mesmo gastaria no público. portanto, garantindo uma cobertura do Estado também ao sector privado e ao setor social.
Isso já vai ajudar que, por exemplo, nos picos do Inverno, quando haja saturação, haja uma maior eficácia…
Enquanto não fizermos o reforço dos centros de saúde, porque isso é decisivo para desimpedir as urgências… Reconheço que há uma cultura em Portugal que pode promover o sufoco nas urgências, mas o verdadeiro problema – e eu vejo isso até na terra dos meus pais –, o verdadeiro problema é que as pessoas sentem que não têm uma rede de cuidados de proximidade que lhes permite ser essa a primeira porta. Portanto, sentem que se vão para o centro de saúde, ou não está aberto, ou o médico só está lá duas horas por dia, ou então se for para alguma coisa mais importante, vou mandá-lo, no fim, para o hospital. E então ela pensa: “vou já para o hospital e resolvo já tudo”. Portanto, temo de garantir que esta rede de cuidados de proximidade dá, de facto, resposta, e dá uma resposta completa, dentro do possível, a estas exigências. A maior parte das pessoas que, no pico do Inverno, vão para [os hospitais] do Sistema [Nacional] de Saúde não estão com problemas absolutamente graves, graças a Deus. Estão com problemas temporários. Precisam de apoio ali. Se o centro de saúde conseguir dar isso, nós aliviaremos as urgências e conseguiremos funcionar melhor. E aí o público e o privado têm de se entender.
Há no seu programa medida de combate à corrupção, que é um tema de bandeira, mas outros ainda, como o ensino e a retirada da ideologia no ensino. Tem também a questão da imigração. Estamos numa altura em que Portugal está muito dependente de decisões tomadas em Bruxelas, e muitas destas políticas implementadas a nível comunitário. E até a outro nível, como o que está a ser negociado na Organização Mundial de Saúde que vai reforçar ainda mais os poderes desta entidade. E, de facto, há países que estão já a debater esse tema. Como vê ser possível implementar todas estas medidas, incluindo o combate à corrupção, quando surgem impostas de fora?
Já agora, sobre esse tema da Organização Mundial de Saúde, eu acho um erro permitirmo-nos que essa entidade, com todas as competências que tem, e que são louváveis, possa arvorar-se numa espécie de organização vinculativa, com poderes quase de aplicação directa sobre os ordenamentos jurídicos a que pertencem, restringindo as liberdades dos cidadãos de forma imediata. Parece-me um exagero, e acho que, se adotarmos, vamos acabar por recuar. E pior: vamos estar pior do que estamos agora. Tem razão, em Portugal não estamos a discutir esse tema, ainda, mas há países que já estão a discutir, e alguns até com grande intensidade.
Quanto à questão da imigração, é de facto paradigmático o que refere. Muitos me têm dito que a emigração hoje não pode ser feita sem o acordo da União Europeia e sem as regras comunitárias. Vamos lá ver. Há uma parte que sim, relacionado com a fronteira externa, porque somos uma fronteira externa da União Europeia, mas há uma parte que também temos a nossa responsabilidade nessa matéria. E vou-lhe dar um exemplo: este regime de vistos da CPLP, que criamos – eu percebo que os socialistas possam achar que lhes vai dar muitos votos –, é um sistema absolutamente anacrónico. A pessoa chega, não tem de ter trabalho, não tem de ter casa, não tem de ter nenhuma subsistência, diz apenas que vai procurar trabalho e durante um ano fica aqui à solta.
E pode também depois ser explorado e ficar à mercê de redes de exploração…
Evidente. Pode ser explorado ficar à mercê de redes ou pode simplesmente tornar-se uma espécie de indigente dentro do espaço da União Europeia. Eu estive recentemente na Estação do Oriente [em Lisboa] e é assustador o número de sem abrigos que estão a crescer, muitos deles fruto desta imigração desregulada. E, portanto, a Comissão Europeia abri um processo [contra Portugal] por causa deste regime da CPLP, que é absolutamente anacrónico. Isto não quer dizer fechar fronteiras, nunca quisemos fechar fronteiras. Acho que Portugal não deve fechar as suas fronteiras, mas acho que devemos ter uma imigração consistente, regulada; que possa ser controlada para sabermos que, quem vem, vem por bem. A nossa economia precisa destas pessoas [mas tem de] as conseguir integrar no seu espaço económico, institucional e comunitário. E também [temos de] conseguir o controlo necessário. A extinção do SEF [Serviços de Estrangeiros e Fronteiras] foi um erro por isso, porque ao mesmo tempo que abríamos portas, quisemos quebrar quem controlava a porta, e isso então é uma mistura explosiva, é uma tempestade perfeita. Conseguimos regressar a esse controlo, por isso, nós dissemos que uma das primeiras coisas que vamos fazer é a reversão da extinção do SEF. Vamos voltar a colocar as nossas fronteiras com uma polícia de controlo, e vamos reverter – também não quero esconder – este regime de vistos da CPLP. É um absoluto anacronismo estar a permitir que qualquer pessoa entre sem meios nenhuns, sem visto, simplesmente andando por aí durante um ano. Cedo ou tarde, vamos pagar caro isto.
Este este tipo de controlo de que está a falar tem sido muito criticado por ser quase xenófobo. Revê-se nesse tipo de críticas?
Não, é evidente que não é. Quando a esquerda não tem argumentos, é esse a discussão que tem. Ainda agora vimos a França, que é um país que ninguém pode acusar de ser xenófobo, reverter as suas leis de imigração e reforçar novamente o controlo da sua fronteira, obrigando a que quem entre tenha meios de subsistência, que tenha contrato de trabalho ou a perspetiva de encontrar trabalho e conheça minimamente a cultura e a língua. Nós não. Nós deixamos de entrar toda a gente de qualquer maneira, conheçam ou não conheçam [a cultura e a língua], tenham trabalho ou não tenham. Acho que isto é um erro, e mais: vamos pagar um preço elevado. Já não será, se calhar no nosso tempo, [embora] ache que a esta velocidade, com este tipo de imigração desorientada, é bem provável que dentro de uma década, ou menos, estejamos a pagar um preço elevadíssimo, semelhante ao da Bélgica ou da França.
Mas há estudos que apontam que estes imigrantes, depois, também contribuem para a Segurança Social, para os impostos, para para a taxa de natalidade…
É evidente. Não ponho isso em causa… Mas também era o que faltava: que não pagassem segurança social, só faltava estarem isentos de segurança social. Claro que se vêm e trabalham, pagam Segurança Social. Eu estou a um ponto antes. a Economia precisa deles. Eu conheço muitos empresários que me dizem: eh, pá, nós precisamos de mão de obra, de imigrantes no sector do turismo, da agricultura, da restauração, da hotelaria, dos serviços”. Isso é uma coisa. Outra coisa é não ter absolutamente nenhum controlo. E eu acho que nós podemos ter as duas coisas: podemos ter uma migração bem acolhida, bem recebida, que contribua para a Segurança Social, para o trabalho, etc., mas ao mesmo tempo não temos as fronteiras completamente escancaradas ao ponto de até termos casos que nos criam constrangimentos, como terroristas que passaram por Portugal e que nunca foram apanhados; acabaram por ser apanhados noutros países, e que aqui viveram alguns até com apoios da Segurança Social. Portanto, eu acho que conseguimos ter o melhor dos dois mundos nesta matéria. Precisamos é de coragem política e a coragem dizer: “sim, queremos acolher bem, mas queremos acolher com controlo, queremos acolher com regras e queremos acolher sem falsos humanismos”. Aquilo que leva à [situação da] estação do Oriente cheio [de imigrantes sem-abrigo] é o falso humanismo, é o dizer: “não, não, nós recolhemos toda a gente, venham que haverá condições para isso”, só que depois não há. Aos preços a que a habitação está em Portugal, é muito fácil a alguém que chegue sem nada ficar a dormir na rua, porque não consegue desenvencilhar-se. Precisamos de uma imigração controlada, regulada e, nesse sentido, bem integrada. Acho que podemos ter o melhor dos dois mundos neste caso.
Nos últimos tempos tivemos protestos, agora dos agricultores, mas também das forças de seguranças, antes dos professores. Ou seja, há aqui também um grito de parte da sociedade a pedir algumas mudanças em determinadas áreas. Como vê o Chega este tipo de protestos sociais que muitas vezes tentam colar à extrema-direita?
O Chega sempre teve a perspectiva, desde que estes protestos começaram, de se desligar deles politicamente, ou seja, de permitir que a sociedade também faça o seu caminho. Há um espaço para os partidos; há um espaço para organizações da sociedade civil. Estes protestos, estes movimentos, estas manifestações, até perdem às vezes se os partidos se juntarem, porque tornam-se partidários, e não espontâneas. O Chega, obviamente pela proximidade que tem com a causa dos polícias, desde sempre acompanhou muito de perto a questão, sem termos sido nós que organizámos ou incentivamos [os protestos], mas acompanhámos de perto uma coisa que era justíssima [suplementos de risco], e que eu continuo a achar que foi só uma tentativa do Governo de espezinhar estes profissionais; podendo ter tomado uma decisão justa, não o fez. Vimos que os agricultores sentem o mesmo. Nos últimos três anos, fiz imensas visitas a feiras agrícolas, à CAP e a organizações agricultores; e sabe que nos últimos anos, pelo menos no último ano, em muitas daquelas grandes feiras que assistimos – em Santarém, na Golegã, etc. –, o Governo já nem sequer era convidado para estar presente. Ou seja, convidavam os líderes dos outros partidos, mas nem sequer convidavam a ministro da Agricultura, tal era o ambiente crispado que se estava a criar. Porquê? Porque os apoios não chegavam. Eu conhecia agricultores que ainda no tempo da covid-19 não tinham recebido os apoios. E, portanto, têm de pagar salários, têm um conjunto de taxas em Portugal que eu penso que não existe em nenhum país da Europa – na CAP disseram-me uma vez que as taxas agrícolas em Portugal ascendem a 1.200. Só para as pessoas terem noção: 1.200 taxas sobre isto, sobre aquilo, sobre o trabalho aqui, sobre o gasóleo… Ou seja, uma confusão e um peso enorme, e os apoios nunca lhe chegam, eles não têm uma palavra do Governo. Tinha de acabar assim; se não fosse agora, era daqui a seis ou sete meses. Isto não tem a ver com extrema-direita nem com extrema-esquerda; isto tem a ver com os Governos terem-se aburguesado ao poder, terem achado que o poder nunca mudaria e, por isso, deram-se ao luxo de ignorar, de espezinhar, de desconsiderar sectores profissionais vastíssimos: as polícias, as forças armadas, a agricultura, as pessoas ligadas à justiça, os pequenos empresários, porque se entendeu, tal como sentir no século XIX, que o poder bastava a si próprio neste equilíbrio perpétuo. Aquilo que está a acontecer na Europa mostra bem que o poder e o equilíbrio de poder não são perpétuos, que há uma dinâmica permanente e que as pessoas, quando começam a querer falar, não há como controlá-las. Nós temos de lhes dar espaço e voz. Este tipo de movimento vai-se acentuar ao longo dos próximos anos na Europa e nos Estados Unidos, embora sejam dinâmicas diferentes.
E vê que a Europa vai ter de mudar?
Evidente. O panorama político europeu vai mudar muito nos próximos anos. As eleições europeias já vão ser um sinal disso, agora em Junho. Mas acho que [também] ao nível dos governos. Na Holanda, vimos o [Geert] Wilder vencer as eleições [com 37 dos 150 lugares da Câmara dos Deputados]. Eu conheço-o bem; era impensável há quase anos ele pensar em vencer as eleições. Em Portugal, nós não sabemos se o Chega vai vencer, mas terá pelo menos com resultado histórico. Muitos colegas europeus dizem-me que nunca acharam que Portugal pudesse ter um movimento deste tipo, com este peso. Em Espanha, o Vox está com uma expressão um pouco mais frágil, mas está em crescimento acelerado. Em França [também]. Na Alemanha, o AfD [Alternativa pata a Direita, conotado como extrema-direita] está em primeiro em algumas sondagens.
Mas existem tentativas de bloquear estes partidos até; até ilegalizar alguns…
Imenso. Ouça: às vezes queixo-me em Portugal, mas o que eu vi na Alemanha foi assustador. Há até tentativas de quebrar a subvenção que eles recebem – como nós recebemos, quando se tem X deputados e X votos – para quebrar, ou seja, para não receberem nenhuma verba de funcionamento. Só que, geralmente, isto não funciona; tem um efeito contrário. As pessoas sentem que é a democracia que está a ser posta em causa. Ora, se as pessoas votam no Chega, e hoje, com a pluralidade de meios que existem… Eu ainda acredito que possa haver algumas pessoas que votam ao engano, mas hoje a grande maioria da população sabe em quem está a votar; quer votar e tem consciência a quem está a votar, não é?
Houve um recuo ao nível de democracia com estes partidos actualmente no poder…
Evidente, evidente. Houve nas restrições de direitos, liberdades e garantia. Há uma tentativa de condicionar a Justiça nesta matéria, também para que a Justiça não actue de determinadas formas. Por isso, uma das prioridades [do nosso programa] é despolitizar a Justiça. Despolitizar aqui não é dizer que os magistrados ou os polícias estão dominados pelo poder político. Eu conheço muitos, e sei que são independentes e pessoas sérias, mas há uma tentativa institucional de condicionar. Quando o poder político é que nomeia algumas destas pessoas, é difícil depois pedir a estas pessoas que venham investigar esse poder político que os nomeou. Temos de caminhar para uma maior autonomia e para menos politização [da Justiça].
Mas isso não é quase uma tarefa impossível? É como retirar, por exemplo, a ideologia do Ensino…
Ainda hoje publiquei, no Instagram e no Facebook, um vídeo também com alguma polémica a mostrar o que foi a contratação de um artista para animar uma escola com conteúdos absolutamente aberrantes e sexuais, para [perguntar] aos pais se sentem confortáveis com aquilo. Qual é o problema? Isto não passa nas televisões, não chega ao grande público e nós temos de andar aqui a trabalhar com muita força nos meios alternativos. Eu tenho a certeza de que muito disto que acontece, quer na corrupção, quer na ideologia de género no ensino – olhe, esta coisa das casas de banho mistas, a cultura woke em geral –, se as pessoas vissem isto com os olhos, isto mudava.
Se houver então propostas para ajudar os grandes grupos de media que estão a precisar de financiamento, o Chega é a favor?
Reconhecemos duas coisas. A importância de haver meios independentes. O que hoje temos dúvidas é que estes meios sejam verdadeiramente independentes. Mesmo no caso da RTP, que é um meio público, há muitos que defendem que deve ser privatizada. A questão é: nada nos garante hoje que, mesmo privatizada, a RTP não ia parar às mãos de grupos próximos do poder político. Reconheço que há meios de comunicação em muita dificuldade, também temos reunido com alguns. Alguns trabalhadores, jornalistas, recebem mal, alguns com muitos salários em atraso. E uma sociedade com mau jornalismo também não é uma sociedade democrática. Por outro lado, temos de ter aqui a ponderação de perceber se é o Estado ou o Governo a salvar alguns grupos, ficará no ar a suspeita de que estes grupos ficarão adstritos à política que o Estado quer impor. Salvar o jornal não é o mesmo que salvar uma indústria têxtil ou salvar um banco. Um, banco, em princípio, enfim, pode depois também ter as suas coisas, na compra de publicidade, mas um jornal ou uma televisão tem um impacto muito grande porque pode gerar a suspeita de que está agora a trabalhar para o ‘dono’. Portanto, temos de reagir com alguma cautela, reconhecendo que é importante apoios quer à imprensa independente, quer à imprensa regional, quer à imprensa nacional, mas queremos garantias de que há uma independência real, e que não há aqui canais escondidos, em que o poder político está a tentar orientar estes meios de comunicação social.
O Chega é um partido que se assume antissistema. Com mais poder, vai continuar a ser um partido antissistema ou vai passar a fazer parte desse sistema?
Eu compreendo a questão, e até me colocaram essa questão a propósito dos deputados que vêm do PSD ou da Iniciativa Liberal e de outros partidos, e que de autarcas, alguns até do PS. Vamos ver: o Chega é um partido que cresceu muito rápido, e isto foi uma dificuldade para todos. Para mim, em primeiro lugar, mas para os dirigentes. Em quatro, cinco anos, e com um facto que eu acho que nunca tinha acontecido em Portugal: recebeu pessoas das mais diversas orientações políticas. Por exemplo, no Alentejo e em Setúbal recebemos uma série de novos militantes e dirigentes que vinham do PCP, alguns tinham sido funcionários do PCP. Funcionários! No norte e centro do país estamos a receber, naturalmente, pessoas que vêm do CDS e do PSD, e aí a integração é mais fácil. Em Lisboa estamos a receber o voto não ideológico; muitos votaram no PS, outros no Bloco de Esquerda, outros no PSD, mas sem convicção. Aquilo que o partido vai ser nos próximos anos dependerá muito da nossa capacidade de manter os fios unidos e de manter também uma liderança focada, unida, falar a uma voz e manter um quadro de valores estável, porque se o partido se desintegra na sua identidade, também corre risco de tornar-se mais um partido do sistema igual aos outros.
Até pela tentação de formar uma coligação e ceder em algumas alguns aspectos…
Sim, exactamente. São dois riscos, e um deles está muito presente, se não houver condições para uma maioria absoluta. Depois do dia 10 [de Março], pode acontecer ter de haver aqui convergências. Aliás, eu tenho falado muito nisso. Quero acreditar, embora não tenha uma bola de cristal, que em Itália temos um bom exemplo do que conseguiu funcionar, mantendo a identidade. A Giorgia Meloni [primeira-ministra italiana e líder dos Irmãos de Itália] e o [Matteo] Salvini [líder da Liga Norte, e actual vice-primeiro-ministro] e na altura [Silvio] Berlusconi [então líder do Força Itália], que já faleceu, conseguiram juntar três partidos muito diferentes, e dizer: “nós somos muito diferentes, queremos manter a nossa identidade, mas temos um propósito comum, afastar o socialismo do poder e garantir um governo de centro-direita, democrático e livre”. Estão a conseguir. O Governo não terminou. O Liga Itália [Notte], que é da minha família política, está a fazer um trabalho incrível na questão da imigração, na questão das infraestruturas; a Giorgia Melloni, apesar de não ser da minha família política, está a fazer um bom trabalho como primeira-ministra. E o PSD de lá, que é o Força Itália está a suportar esse Governo. Portanto, acho possível, mas reconheço, como lhe disse, e no sentido da sua pergunta, que o grande desafio vai ser manter face do Chega como antissistema, firme na defesa de questões fracturantes. Agora numa lógica de poder, porque o Chega também não se pode eximir ao poder, porque, repare, se com estes valores o Chega dissesse: ”nós não queremos governar, nós queremos manter-nos fora do Governo”, o que diria o eleitorado? Também diria disto que, afinal, o Chega é um partido totalmente irresponsável, quer só estar perto, mas também não quer aceitar o ónus da responsabilidade. Eu diria que o grande desafio dos próximos anos vai ser conseguir manter um partido anti-corrupção e anti-sistema com um forte pendor nacional, pela liberdade, mas ao mesmo tempo ser um partido de poder. Vai ser o desafio da nossa vida. Eu costumo dizer que é o desafio da minha vida aquilo que vai acontecer nos próximos anos. Mas acho [também} que vai ser o desafio da vida do Chega, porque pode transformar o partido para sempre. E a História mostra que, se os partidos perdem identidade, desaparecem. O PRD em 1987 [N.D. 1985] teve 17 e tal por cento [17,9%], elegeu um grupo parlamentar enorme [45 deputados], mas desapareceu [N. D. existiu até 2020, mudando de nome para Partido Nacional Renovador e denominando-se agora Ergue-te]. O CDS quando começou a perder a identidade, e a ser a muleta do PSD, desapareceu. E é uma lição para nós. É uma lição para nós, realmente. Já não serei eu, enquanto líder do partido, mas é uma lição para o futuro.
E o Chega sobreviverá sem o André Ventura?
Terá de sobreviver, porque o André Ventura não vai durar para sempre. E também porque hoje os líderes políticos estão a durar cada vez menos. Essa é a verdade. Olhamos para os anos 70 e 80, e os líderes duravam 10 ou 15 anos, porque o Mundo não estava à velocidade que está hoje. Agora, estamos a uma [grande] velocidade social, política, mediática. Os líderes tendem a durar menos. Sou Presidente do Chega há cerca de cinco anos, gostava de fazer mais este ciclo, mas reconheço que um dia o meu ciclo também vai terminar, e eu também gostava de fazer outras coisas na vida. Tenho 41 anos, gostava de fazer outras coisas, e acho que o Chega tem todas as condições para sobreviver depois de mim. Nós temos hoje bons deputados, acho que temos valores, pessoas já reconhecidas pela sociedade, até mediaticamente. Não deve ser uma tarefa fácil, no sentido em que o partido ficou muito ligado à imagem do fundador – neste caso, fui eu –, mas acho que vai acontecer e terá de acontecer.
Então não se vê um dia Primeiro-Ministro?
Eu vejo-me, mas isso depende dos portugueses, não depende de mim. Se eu algum dia entender que eu já levei o partido ao máximo que poderia levar, terei a capacidade de perceber que, se calhar, outros agora podem pegar e fazer esse caminho que, enfim, eu não consegui fazer. Por vezes, a chegada ao poder depende de muitas circunstâncias, e se eu reconhecer um dia já não sou o indicado, e outra pessoa pode ser, eu sei o caminho. Não preciso que me tirem. Espero que consiga sair pelo meu próprio pé.
Pode consultar AQUI o programa do Chega para as Legislativas de 2024.