Mais uma vitória do PÁGINA UM contra o obscurantismo e em prol da verdade. Os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos sobre a vacinação contra a covid-19 de crianças e jovens – que o então bastonário Miguel Guimarães (agora cabeça de lista do PSD no Porto às próximas legislativas) deliberadamente escondeu – vão ter mesmo de ser disponibilizados ao público. A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, ontem conhecida, impõe um prazo de 10 dias para o actual bastonário, Carlos Cortes, cumprir um acto de óbvia transparência. Em 2021, o anterior bastonários encetou uma autêntica perseguição aos médicos que não concordavam com a sua opinião, que incluiu até a abertura de um processo disciplinar ao presidente do Colégio de Pediatria, que fizera os dois pareceres de 2021. A Ordem dos Médicos ainda tentou convencer o juiz de que os pareceres não fossem divulgados porque, como foram ‘engavetados por Miguel Guimarães, nunca chegaram sequer a ser votados pelo seu Conselho Nacional. Os argumentos foram recusados. E resta agora saber a verdade escondida a pais e mães.
O Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou, em sentença ontem assinada pelo juiz João Cristóvão, a Ordem dos Médicos a disponibilizar dois pareceres ‘escondidos’ pelo anterior bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens.
Os pareceres em causa tinham sido elaborados, em Julho e Outubro de 2021, pelo Colégio de Pediatria, presidido por Jorge Amil Dias, mas ‘engavetados’ pelo agora cabeça de lista do PSD no Porto. Apesar de ser urologista, Miguel Guimarães era adepto incondicional do polémico programa de vacinação em adolescentes e crianças, e ao ‘engavetar’ os dois pareceres – nem sequer os propondo ao Conselho Nacional da Ordem – impediu que pais e mães conhecessem a opinião avalizada de verdadeiros peritos na matéria: os pediatras.
A ‘supressão’ dos pareceres do Colégio de Pediatria em pleno debate sobre a necessidade de vacinação de menores de idade – que nunca constituíram um grupo de risco da pandemia, com a administração de um fármaco que não contribuía para a quimérica ‘imunidade de grupo’ – não foi a única acção perpetrada pelo futuro deputado social-democrata. Miguel Guimarães também decidiu, com a ‘ajuda’ de diversos médicos com ligações a farmacêuticas – em que se destacavam Filipe Froes, Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro –, abrir um processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, após este especialista defender que a vacinação de crianças era “desproporcionada” e “desnecessária”.
Amil Dias foi também, a título pessoal, um dos subscritores de uma carta aberta, em Janeiro de 2022, que pedia a suspensão da vacinação de crianças e jovens. Recorde-se que, entre os signatários, além de Amil Dias, estavam o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).
Este processo disciplinar a Amil Dias – e Miguel Guimarães usou sistemáticos processos disciplinares por delitos de opinião para ‘controlar’ colegas com opinião contrária à sua – viria a ser arquivado em Novembro de 2022, mas Miguel Guimarães conseguiu um objectivo: silenciar e causar ostracismo às vozes discordantes.
Somente há cinco meses se soube que Miguel Guimarães tinha ‘engavetado’ os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria, porque esta entidade fez entretanto, em Setembro do ano passado, um terceiro parecer, este tornado público pelo actual bastonário, Carlos Cortes. Ora, é neste parecer de 2023 que se faz menção expressa aos dois outros pareceres, elaborados “em Julho e Outubro de 2021”, nunca divulgados devido à oposição de Miguel Guimarães.
Nesse terceiro parecer, o Colégio de Pediatria, além de salientar que “não se justifica que se considere a vacinação generalizada [contra a covid-19] de crianças ou adolescentes”, lançava fortes críticas aos lobbies da indústria farmacêuticas que pressionavam para a manutenção dos programas de vacinação em menores de idade. “No nosso país têm ocorrido algumas manifestações públicas sobre o assunto [reforço da vacinação em crianças e adolescentes], geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, salienta-se no documento, onde se acrescentava que, por esse motivo, o parecer foi elaborado “considerando que a imprensa poder[ia] ser motivada a trazer novamente para a discussão pública a vantagem [inexistente] da vacinação generalizada da população infantil”.
Apesar da mudança de Carlos Cortes face ao seu antecessor, o actual bastonário da Ordem dos Médicos recusou tacitamente divulgar os dois pareceres de 2021 ao PÁGINA UM, razão pela qual foi intentada, através do FUNDO JURÍDICO, uma intimação em Dezembro do ano passado junto do Tribunal Administrativo.
No decurso dessa acção, a Ordem dos Médicos ainda alegou, entre acusações de abuso de liberdade de imprensa contra o PÁGINA UM – por alegados pedidos sucessivos de informação – que os dois pareceres de 2021 nunca tinham sido aprovados pelo Conselho Nacional, pelo que deveriam ser considerados documentos integrando processos em curso.
Contudo, o juiz João Cristóvão não teve contemplações: mesmo que fosse verdade serem documentos de um processo em curso, a lei determina que sejam sempre disponibilizados se tiver decorrido mais de um ano desde a sua elaboração. “Tais pareceres [sobre a vacinação de menores, elaborados em Julho e Outubro de 2021] devem, assim, ser facultados ao Requerente, afigurando-se irrelevante que os mesmos não tenham sido objeto de aprovação pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, nos termos previstos no artigo 56º nº 1 al. s) do Estatuto da Ordem dos Médicos”, conclui a sentença. E, deste modo, o juiz intimou Carlos Cortes a cumprir a sentença no prazo de 10 dias.
Esta sentença, que incluiu outro pedido de documentos, pode ainda vir a ser alvo de recurso pela Ordem dos Médicos, que, face à evidência cristalina evidenciada por esta sentença, servirá somente para adiar o conhecimento de uma realidade que não pode ser mais escondida, o que, a suceder, colocaria Carlos Cortes como cúmplice da falta de transparência do seu antecessor, Miguel Guimarães.
N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.
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