Voltar a ter deputados eleitos na Assembleia da República é o principal objectivo do Partido Ecologista Os Verdes, que foi fundado em 1982. Mariana Silva, 41 anos, é uma porta-voz do PEV e membro do Conselho Nacional e da Comissão Executiva do partido que concorre a eleições na coligação CDU-Coligação Democrática Unitária, com o Partido Comunista Português. A professora, natural de Guimarães, e antiga deputada do PEV, defende que faz falta uma voz ecologista no Parlamento português. Diz ainda que Portugal deve parar de querer ser o ‘bom aluno’ e aplicar cegamente as políticas ambientais e agrícolas que são impostas pela União Europeia, devendo, antes, defender mais os agricultores e as populações. Esta é a 16ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE MARIANA SILVA, PORTA-VOZ DO PARTIDO ECOLOGISTA OS VERDES, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Qual é a situação actual do seu partido, nomeadamente naquilo que são os objetivos agora para estas eleições legislativas?
Nós não temos líder politico; temos é o Conselho Nacional e a Comissão Executiva. Eu pertenço aos dois, mas sou candidata pelo círculo de Lisboa. E os Verdes fizeram em Dezembro 41 anos. Por isso, temos já uma longa história na defesa da Ecologia, do Ambiente, e da biodiversidade em Portugal. E ficámos fora do Parlamento nas últimas eleições, e este será o nosso grande objectivo destas eleições: voltar à Assembleia da República [AR] e poder, continuar este trabalho num outro patamar; porque este trabalho continua nos colectivos regionais, e em todo o país junto das populações – como é nosso apanágio e como sempre trabalhámos, e só sabemos trabalhar dessa forma.
Até porque têm muitos candidatos eleitos em termos de autarquias, e vários órgãos autárquicos.
Sim, exactamente; vereadores e também eleitos em assembleias de freguesia. E por isso esse trabalho continuou, mas todos reconhecemos que é importante ter um grupo parlamentar e estarmos representados na AR. E aquilo que nós identificamos enquanto partido, e que as pessoas nos dizem quando nos procuram para ajudar a solucionar os seus problemas e resolver os problemas locais ou até nacionais, é que nós fazemos falta. Faz falta uma voz ecologista no Parlamento e, nestes dois últimos anos, essa falta sentiu-se. E por isso era necessário retomarmos o nosso trabalho e voltarmos ao Parlamento para podermos dar continuidade a muitos dos projectos que temos em cima da mesa. Como sabemos, as alterações climáticas são uma questão de que falamos há anos, mesmo quando tínhamos os velhos do Restelo a dizer que estávamos a fantasiar um problema.
Hoje, felizmente, já não se diz isso, nem se pensa, mas continua a ser difícil a concretização de medidas que possam mitigar e controlar as alterações climáticas. E nós precisamos também de dar continuidade a estes projectos que tínhamos em cima da mesa e que temos ao longo dos anos vindo a trazer; para que, com a ajuda de reflexão de movimentos, associações, debate, e de conversa que também nos permite ter um contacto real com as questões, e poder dar-lhes as soluções que são necessárias. E depois, podia falar também dos problemas que afectam hoje a maioria dos portugueses: a habitação, o Serviço Nacional de Saúde [SNS], a escola pública – em todas estas áreas, os Verdes têm trabalho e será neste âmbito que nós concorremos também nestas eleições legislativas de 2024.
Quando se ouve falar em Ecologia, e em defesa do meio ambiente, normalmente pensa-se apenas em florestas e a biodiversidade de animais, mas Ambiente é tudo. Neste âmbito, algumas das propostas que têm também abrangem, como referiu agora, temas que têm estado no centro de preocupações dos portugueses, como a crise na habitação. Que propostas é que têm para este problema?
Relativamente à crise da habitação, nós temos como propostas interromper a especulação imobiliária, controlar as rendas e aumentar o parque habitacional do Estado, para podermos de alguma forma dar resposta a este problema que enfrentamos hoje em todo o país e que traz graves problemas à economia familiar e aos portugueses. Há pessoas que até têm dois empregos para poder fazer face a este custo de vida e ao aumento das rendas. Os créditos à habitação também subiram muito e isso trouxe graves problemas para as famílias portuguesas, e por isso é preciso pôr aqui um limite e trazer de novo uma acalmia na economia de cada um de nós para podermos realmente viver e não sobreviver. Esta também é uma das nossas lutas: nós não não temos que sobreviver, não é o que nos espera de futuro; mas sim viver e usufruir. E por isso, podemos trabalhar para termos as condições dignas e os nossos direitos garantidos, mas precisamos que as leis também estejam aplicadas a continuarmos neste caminho de vivermos de forma saudável. E há pouco dizia que o ambiente é tudo, e é mesmo. Nós dizemos que só temos este planeta, e temos que o deixar, senão em melhores condições, pelo menos em bom estado para as gerações que vêm a seguir. E eu acho que esse é o grande momento de viragem que estamos a sentir agora – e que acho que veio um bocadinho com a covid-19 – que é percebermos que tudo está interligado.
Se nós tivermos uma natureza que não está protegida, e uma fauna que não está protegida, e que não haja um desenvolvimento para a sua protecção e conservação, isso, de alguma forma, vai afectar também a saúde dos seres humanos. Isto está interligado; e por isso também precisamos de uma natureza, de uma floresta reforçada autóctone para que a fauna e a flora possam desenvolver-se de forma adequada para depois não afectar os seres humanos. Mas, por outro lado, temos os seres humanos a destruir tudo isto. E por isso, precisamos realmente de passar a mensagem às pessoas de que o Ambiente não é os passarinhos e as árvores – o Ambiente e a Ecologia são muito mais; é nós sabermos estar junto da natureza, usufruir dela, mas também protegê-la, porque só temos este planeta e por isso temos de o proteger.
E se pensarmos na água, nesse bem essencial à vida, conseguimos ter uma ligação ainda mais próxima com aquilo que são os problemas ambientais e a defesa do Ambiente. A água é um bem finito e por isso precisamos também de o proteger, e em algumas partes do nosso país, as pessoas já sentem no seu dia-a-dia a falta de água e os transtornos que traz. E por isso, há anos que lutamos: não queremos a privatização da água, a água tem de ser pública. Os rios, ribeiras, as nossas linhas de água – tem que haver um maior investimento na sua despoluição. E temos também de ter uma agricultura que não tenha tanta necessidade de água, e por isso há um longo caminho ainda a percorrer para que possamos proteger a natureza e a nós próprios.
Eu que nasci em Abril de 1974, desde pequena que oiço falar em Ecologia e em desertificação. No entanto, passados 50 anos, parece que está tudo igual ou até pior. E apesar de hoje haver um maior foco e na questão da protecção do Ambiente, o que é certo é que há muito por fazer naquilo que são esses desafios, e eventualmente perigoso, por exemplo, se não acautelarmos a questão da gestão da água, não é?
Exactamente. Mas aquilo que verificamos é que existem os planos, a reflexão e os estudos, mas depois são guardados na gaveta e não são postos em prática; e isto é uma opção política. Nós percebemos – e temo-lo dito também nesta campanha e já dizíamos nas outras – que é preciso reforçar os deputados da CDU na AR, para que possamos fazer esta pressão sobre a aplicação destas leis: a Lei de Bases do Clima, Regulamento do Arvoredo Urbano, e de Gestão da Água Pública.
Há um conjunto de medidas e de investimentos que deveriam estar a ser aplicados e feitos, e não estão. E por isso, dependemos muito da pressão que possa ser feita sobre o futuro Governo, para que possa realmente aplicar estas medidas. Nós não precisamos das ”COPs” [conferências do clima] para nos dizer o que temos de fazer no futuro; nós sabemos o que temos que fazer. Esta questão da poupança da água é muito direccionada para o indivíduo; mas as grandes produções, como do abacate, que não são autóctones, e todos os hectares de amendoeiras e de Olival, e esta agricultura intensivo, prejudicam naquilo que deveria ser uma boa gestão da água em regiões onde ela já não é tão abundante. Por isso, precisávamos de outras opções políticas e de outras gestão daquilo que é a nossa agricultura e os nossos projectos agrícolas para o país.
Ou seja, também um planeamento mais vasto?
Há um planeamento mais vasto, só que não depois, não é aplicado; porque há outros interesses e é contra estes interesses que nós lutamos. Por exemplo, a monocultura do eucalipto, que nós conseguimos, de alguma forma, travar, com o acordo conjunto com o Partido Socialista [PS]; houve alguma evolução e também não podemos dizer que não, e sermos catastróficos e achar que isto está tudo mal. Houve uma evolução, e é um caminho que tem de seguir, mas não deixa de ser interessante que este Governo de maioria PS caia por dois projectos ambientais – a exploração de lítio e o hidrogénio. Não deixa de ser interessante que estejamos agora em eleições antecipadas por causa do Ambiente, apesar daquilo que se vai dizendo à nossa volta de que as pessoas não estão interessadas no Ambiente e querem é pôr comida na mesa; e que é verdade.
Estamos numa altura em que o nosso salário não chega ao fim do mês, os bolsos rapidamente se esvaziam e as famílias precisam de fazer face às contas que têm de pagar ao fim do mês. Mas é preciso também olhar para as questões ambientais porque também vão ajudar na economia do país; não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva que nos vai prejudicar depois nos solos, e que daqui a uns anos já não podemos produzir nada ali.
Temos é de continuar a apostar na produção nacional, em produtos autóctones que nos permitam também desenvolver a economia do país, e ao mesmo tempo, respeitar o Ambiente, utilizando algumas práticas agrícolas que sabemos serem mais respeitadoras e que conseguem equilibrar tudo isto. Porque não vamos ser radicais e dizer que não vamos produzir nada porque precisamos de produzir, mas também não devemos produzir de forma desadequada, que nos vai trazer problemas de future.
É este equilíbrio que temos de procurar para o nosso país, e que as políticas ambientais sejam mesmo concretizadas. E também há uma falta de técnicos e de funcionários nas estruturas responsáveis, como a Agência Portuguesa do Ambiente [APA], a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária [DGAV] e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF] – todos eles precisam de ser reforçados porque cortaram-se ”gorduras” em 2015, que agora fazem falta. E era o que dizíamos naquela altura: não eram gorduras, eram trabalhadores que faziam falta estas estruturas, para poderem fiscalizar nos locais e no território, todos estes projectos tão necessários, que podem depois ter implicações ambientais.
Falando com diversos líderes partidários e peritos em diversas áreas, a fiscalização em Portugal parece ser um grande problema. Mas essa fraca fiscalização não favorece determinados negócios e negociatas que podem não ser tão bons para a população? E eu prefiro dizer população em vez de Ambiente, porque não distingo entre Ambiente e população.
Exactamente; e é correcto, porque a população está implicada em processos que em nada a vão beneficiar, apesar de lhe venderem essa ideia de que vai ser benéfico. Nós não somos contra a exploração de minerais – excepto do urânio – porque sabemos que têm de existir, mas têm que respeitar as regras e ser transparentes. E por isso não ficámos surpreendidos quando estas questões vieram para cima da mesa e fizeram cair o Governo. Nós sempre questionamos a transparência destes processos, sobretudo do lítio; em que não havia transparência nem envolvimento da população, e era necessário explicar muito daquilo que estava a ser planeado para aquele território. E um território como Boticas, classificado como terreno agrícola de qualidade mundial. E quando olhamos para a agricultura de montanha, que é um importante sumidouro de dióxido de carbono [atividades em que as quantidades de carbono absorvido são maiores do que as emissões] e traz um contributo muito grande para as metas de descarbonização a que Portugal se propõe para 2030, não percebemos quais, afinal os interesses.
Tudo isto foi questionado ao ministro do Ambiente na altura, e sobretudo, as questões de falta de transparência e de envolvimento da população; porque a população é o garante da tradição cultural e de tradições que, se as perdermos, nunca mais vamos conseguir retomar.
Além disso, são populações já muito castigadas pelas opções políticas ao longo destes anos – já não têm um centro de saúde, autocarros, nem mobilidade e a escola pública, de onde os mais jovens foram obrigados a sair por não ter acesso a estes serviços. E agora, ainda querem destruir a única coisa boa que eles têm, que é a paisagem, a montanha ou a agricultura e a produção de gado. Há todos estes interesses que se sobrepõem ao interesse das populações. Nós fomos sempre contra isso, e continuaremos a ser.
Alguns reguladores e organismos funcionam um bocadinho como um travão para que se tomem mais decisões em termos de Ambiente, e falou na APA, por exemplo, e no ICNF. Mas não deveria haver também uma menor influência política nesses organismos?
Vejamos: quando o PS pediu aos portugueses a maioria absoluta e termina desta forma… A primeira coisa que fez foi o Simplex Ambiental, que prejudica imenso o Ambiente e a protecção e a conservação da natureza, porque põe em causa tudo o que seria o estudo do impacto ambiental de diferentes projectos e dá simplesmente os espaços aos promotores desses projectos; e isto não pode acontecer. Quando falamos, por exemplo, na exploração de minerais como o lítio, estamos a falar de subsolo, e de quem é o subsolo? É de todos nós. Se entregamos a investigação do subsolo e das riquezas que lá se encontram a uma empresa privada, nunca vamos saber aquilo que temos no nosso subsolo, nem conhecemos a nossa riqueza porque estamos dependentes daquilo que a empresa privada nos vai dizer que lá existe.
Como os Verdes já disseram, precisamos, primeiro, de saber o que temos de riquezas, e no nosso subsolo, e que mais-valias traz para a economia do país esta riqueza. E depois, perceber se até pode ser o próprio Estado a explorer, ou se pode ser concessionado. E aquilo por que nós nos ontinuaremos a bater é que estas estruturas do Ministério do Ambiente têm de estar reforçadas e ter a liberdade de poderem trabalhar para proteger aquilo que é da sua responsabilidade: as florestas, as minas, os animais, a fauna. Por isso, precisamos que eles não digam que não podem ir ao terreno porque não têm combustível ou não têm carros, porque todo o seu material está obsoleto.
A investigação para perceber se a água está poluída ou não, não pode ficar com os privados porque já vimos no que dá – como naquele famoso caso em que a água afinal estava poluída e as pessoas estavam a consumi-la. Precisamos de laboratórios onde se possam fazer essas investigações, porque o Estado tem de ter acesso a esta informação, e tem de ser o dono da informação e perceber até onde é que pode ou não pode ir, e proteger aquilo que é o bem de todos. Porque quando dizemos que vamos explorar o lítio em Montalegre ou em Boticas, ou que vamos colocar as eólicas offshore no nosso mar, e vai prejudicar aquela população, prejudica também o país.
Nós não podemos achar que a seca no Algarve, só afecta quem vive no Algarve; afecta todo o país – economicamente e até para depois para as políticas que se aplicam. Por isso, é preciso olhar para tudo isto como um todo. A transição energética e a descarbonização têm de ser feitas, mas não é à custa da natureza, outra vez.
Há vozes que dizem que a questão das alterações climáticas tem estado a ser um pouco usada como desculpa para algumas políticas que têm sido prejudiciais. Atribui-se às alterações climáticas a culpa de algumas coisas que têm estado a acontecer, mas será que algumas não são fruto de medidas erradas que foram tomadas ao longo de décadas?
Sim; mas as alterações climáticas também são fruto daquilo que foi o comportamento do ser humano em todo o mundo. Mas se outrora não se ligava e não se tinha esta preocupação tão presente, agora é Ambiente e tudo se justifica; basta pintar de verde a medida e a coisa já pode passar. E isso também nos preocupa, por isso é que temos de estar sempre atentos a este problema. Porque quando os Verdes propõem, por exemplo, que se acabe com o sobre-embalamento dos produtos, que não faz sentido; porque quando chegamos a casa, temos um saco de lixo maior do que o espaço que ocupamos nos nossos armários com os bens alimentares. E nós sabemos que as empresas têm essa capacidade de fazer esta evolução para um material mais indicado ou até para material nenhum, porque há alimentos com várias embalagens sem que haja necessidade disso. Por isso, há que resolver este problema de estarmos sempre a criar e a trazer mais produtos para o nosso dia-a-dia.
Quando se propõe que quando vamos buscar uma refeição possamos levar a nossa própria embalagem, é também enfrentar as empresas que produzem embalagens descartáveis, e que não podemos reutilizar. Portanto, há um duplo problema de querermos ter no nosso dia-a-dia todas estas facilidades de poder comprar um produto e trazê-lo para casa sem ter de andar com tudo atrás de nós, mas ao mesmo tempo, estarmos a criar resíduos e a criar um outro problema de onde é que vamos pôr esses resíduos e como os vamos tratar. E Portugal não cumpre as metas, por isso temos este problema muito presente na nossa sociedade.
Aquilo que nós defendemos é que não é necessário continuarmos a criar produtos, e podemos viver o nosso dia-a-dia mudando alguns comportamentos; mas só os podemos mudar se não nos impingirem estas embalagens e estes produtos. Mas não deixa de ser engraçado que tudo seja atribuído ao indivíduo: as pessoas é que têm de fechar a torneira enquanto lavam os dentes, têm de tomar duches rápidos, levar o saco para o supermercado… Parece que nós é que temos a culpa, quando as grandes empresas é que também nos sobrecarregam com a ilusão da necessidade daqueles produtos. E precisávamos mesmo de fazer um caminho de sensibilização; e a educação ambiental nas nossas escolas, que está um bocadinho esquecida, precisava de ser retomada, para sensibilizarmos os mais jovens, futuros adultos, para as questões ambientais. Mas, precisávamos também que as empresas correspondessem e não tivessem apenas medidas que são, muitas vezes.
Como é que se pode pedir aos cidadãos que adoptem novos comportamentos, se depois vemos politicos autorizarem o abate de árvores protegidas, ou mesmo eventos internacionais sobre o Ambiente, para onde vão todos aqueles políticos e bilionários nos seus jactos privados? E em cima disso, ainda falam constantemente em mais impostos para o cidadão. Isto não são mensagens difíceis para a população de integrar e para que altere o seu estilo de vida?
Exactamente, mas isso também o Partido Ecologista os Verdes tem dito: os países ricos podem poluir porque podem pagar; isto não é correcto, porque um país mais pobre que não possa pagar, não pode poluir. Não faz sentido nenhum. E no caso do indivíduo, também não faz sentido que seja o responsabilizado e taxado com mais impostos para que mude o seu comportamento ou tenha uma consciência ambiental mais desenvolvida. A questão é mesmo a de não se sobrecarregar as pessoas com esta ideia de que têm comprar porque se não o fizerem já não têm correspondência na sociedade; como é a questão da roupa, porque amanhã já há qualquer coisa nova.
Nós nascemos em 1982, quando estes problemas não estavam tão presentes, mas a Constituição da República Portuguesa era muito avançada e no seu artigo 66 já falava do direito ao ambiente sadio. E a necessidade de se lutar e defender o Ambiente já existia nessa altura, sobretudo com as indústrias, a poluição das linhas de água, e outras questões que já se iam colocando e que as pessoas já iam reflectindo. E agora, nós mantemo-nos neste caminho de ser possível fazer-se de forma diferente, com opções políticas diferentes, mas com outros desafios. Eu poderia falar também da mobilidade, que é tão importante para nós, nomeadamente a questão do carro eléctrico: nós somos contra o carro eléctrico. Tem de haver uma solução ao combustível fóssil, mas não queremos substituir 500 carros a combustível fóssil por 500 carros elétricos – assim, vamos manter os problemas, e se calhar até agravá-los.
É o tal incentivo ao consumo de que falava, e que não pode ser a resposta.
Exactamente; porque traz outros problemas; como a exploração do mineral, a questão de para onde vão as baterias, a reciclagem deste material que ainda não está desenvolvido, e continuamos com o problema do estacionamento, e com as estradas cheias de carros. Vamos continuar a perpetuar problemas que queremos contrariar; e todos os planos de mitigação das alterações climáticas referem que o desenvolvimento para o futuro é o transporte público, e que a solução para o futuro é o transporte público colectivo.
Portugal, que é um país pequeno, não apostou na ferrovia, nem nos transportes públicos, mas sim nas estradas, que temos muitas, e incentivou a compra e o uso de carro. As populações no interior não são bem servidas por transportes públicos, mas o país está a discutir o carro eléctrico, o TGV e o novo aeroporto. Como é que esta situação?
A questão é que fomos alternando entre PS e PSD ao longo destes anos, e as opções políticas foram estas: o desinvestimento na ferrovia, no transporte público, e naquilo que era o desenvolvimento das populações de forma a terem acesso ao direito à mobilidade. Porque o direito à mobilidade, depois, dá-nos o direito à Educação, à Cultura, à Justiça, à Saúde; se eu não tiver esse direito garantido, não consigo garantir todos os outros.
Aquilo que acontece em Portugal, muitas vezes, e que quem vive nas áreas metropolitanas se esquece, é que fora destas áreas não existe transporte público. Mas, mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não são servidas todas as áreas. Há muitas dificuldades nos concelhos mais distantes do centro, que não têm horários nocturnos de autocarro e ao fim-de-semana, e por isso ficam isolados, apesar de estarem no distrito de Lisboa. Parece uma ideia que não se concretiza; porque em Lisboa há tudo, desde barco, a comboio e eléctrico, mas só há numa área muito restrita.
Nestes últimos anos, com o passe social intermodal – que era uma luta antiga nossa e que se dizia ser uma utopia, mas foi possível – a 20 e 40 euros, as pessoas podem-se deslocar dentro do distrito de forma livre sem terem de ser tão dependentes do veículo individual. E precisamos de alargar esta medida para todo o país. Quando esta medida foi implementada nas áreas metropolitanas, foi possível perceber que problemas é que se enfrentaram, e agora, os outros concelhos podem aplicá-la, já com esta informação e experiência de outras áreas.
Mas o isolamento é muito real no nosso país; há localidades que só têm transporte durante o período escolar, e há outras que não têm de todo. E esta foi uma luta e uma questão que levámos muitas vezes à AR e para a qual precisamos de olhar. Mas quando falamos, por exemplo, de ferrovia, fala-se tanto de alta velocidade e do plano nacional ferroviário, mas quem estiver atento sabe que o plano ferroviário de 2020 não está cumprido sequer, e ficou muito aquém das expectativas e daquilo que estava projectado.
Quando nós pensamos que a Linha do Oeste ainda não está electrificada, nem do Algarve ou do Douro, nós temos é de olhar primeiro para esta condição da ferrovia em todo o território; para depois, pensarmos em algo mais desenvolvido, como uma alta velocidade ou uma linha nova de Lisboa-Porto, que é necessária, ou até para fora da Europa. Mas há ainda muito a fazer nas localidades e no desenvolvimento da ferrovia a nível nacional; só que, depois, as grandes parangonas é que soam aos ouvidos e acha-se que a alta velocidade é que vai solucionar tudo, quando ainda estamos muito atrás e ainda precisamos de investir nas linhas que as pessoas usam no seu dia-a-dia.
E que, depois, poderia ter também um impacto no crescimento económico e em fixar a população em determinadas zonas do país.
Sim; a ferrovia sempre teve esse papel de fixar as pessoas em determinadas regiões, e poderá voltar a ter. E até poderia ter também um reflexo na habitação, porque as pessoas podem ir morar para outros lugares. Este investimento tarda, e já deveria estar feito porque já está planeado – lá está, os tais planos que não saem da gaveta –, o investimento também estava já planeado e já se sabia quanto é que se pretendia gastar. Mas depois, há outras opções políticas erradas destes partidos que têm estado no Governo, o PS e o PSD, e que não pretendem resolver, de todo, o problema do direito à mobilidade, que nos dá a garantia de um melhor ambiente; porque esta questão do passe social intermodal veio tirar milhares de carros das nossas estradas.
Por isso, podemos considerá-la uma das maiores medidas de defesa do Ambiente dos últimos anos, senão a maior de sempre. É preciso olhar para estas medidas e, como dizíamos no início da nossa conversa, o ambiente é muito mais do que as árvores e os passarinhos. Nós precisamos de dar condições de vida às pessoas e de garantir estes direitos para que elas possam estar mais conscientes e sensibilizadas para estas causas e para aquilo que é necessário para deixarmos um futuro melhor.
Um dos alertas que o vosso partido tem feito ao longo do tempo tem a ver com o combate à promiscuidade entre politicos e grandes grupos económicos, também com os grandes lucros que a banca tem tido, com um grande empurrão do Banco Central Europeu. Mas têm alertado também para a corrupção, que acaba por afectar até as decisões que têm impacto ambiental. Isto continua a ser algo que pretendem denunciar e combater?
Sim; combater a corrupção e garantir a transparência é para nós um dos pontos essenciais e nós vamos manter-nos firmes nesta intenção. Porque como eu já referi, a questão do apoio aos grandes grupos económicos, da exploração de lítio sem sabermos que vantagens vai trazer para o país, a questão do hidrogénio, sem conhecermos realmente todo o envolvimento e todas as consequências que existem para as populações, e a questão das eólicas de offshore, que ninguém sabe e que não se fala…
A CDU promoveu uma discussão em Matosinhos com a população para explicar o que estaria em causa e propor que as pessoas reflectissem também sobre isso – porque tudo isto são projectos que podem ser criados nesta figura da transição e da descarbonização, e que são legitimados pela necessidade de se cumprir metas e supostamente para nos trazer qualidade de vida; mas depois, quando procuramos perceber o que trazem, de facto, estes projectos, vemos que é a destruição da agricultura familiar, da pesca tradicional, e da economia local.
Aliás, temos agora agricultores nas ruas pela Europa fora.
Exactamente. Por isso, estes projectos, que até podem ser necessários no futuro, é preciso que não se passem barreiras, e não se começar a casa pelo telhado.
E de haver transparência.
Sim, porque nós precisamos de saber o que aquela empresa que vai explorar, e que benefícios vai haver para o país; porque para já, só conhecemos as consequências graves; não conhecemos os benefícios.
Pois, e não só os benefícios para políticos ou escritórios de advogados.
Sim, e económicos, para a economia das populações; lembremo-nos da venda das barragens, que não trouxeram qualquer benefício para as populações. Por isso, precisamos realmente de olhar para estes projectos, não só na questão ambiental e nas consequências que poderão ter no Ambiente e nas populações, mas também para a Economia; e deixar de haver esta ligação dos governos com estes grandes interesses, que não faz sentido e que precisamos de interromper. Os projectos têm de contribuir para o desenvolvimento do país e de respeitar as populações e aquilo que se pretende para o nosso desenvolvimento, que tem de continuar, mas de uma forma equilibrada.
Falou sobre aquilo que é conhecido pelo greenwashing, que consiste em medidas que, no fundo, levam a grandes lucros para grandes grupos, advogados, consultoras e politicos. E nós temos um jornalista premiado, embaixador do European Climate Pact, o Boštjan Videmšek, colaborador também do nosso jornal, que alertou numa entrevista para um aproveitamento económico, político e financeiro à boleia daquilo que supostamente é a defesa do Ambiente e o combate às alterações climáticas. Concorda com este alerta de Boštjan Videmšek?
Sim; concordo que há uma justa redistribuição da riqueza, que vai apenas para meia dúzia. E depois, todos os outros produzem para este grupo muito pequeno. E é preciso contrariar este processo; até porque, se nós pensarmos nas preocupações ambientais que pretendemos, não podemos acreditar que vai existir justiça ambiental sem justiça social. Elas têm de andar sempre juntas. Por isso, precisamos de olhar para todos estes projetos que poderão ter também o seu lugar, mas que terão de ser faseados. Nós podemos pensar nos painéis solares, primeiro que tudo, nos nossos telhados, e nos telhados dos parques industriais, ou em alguns espaços públicos, como nas nossas escolas, ou nos condomínios dos prédios. Isto não vai solucionar o problema, mas vai ajudar.
Mas, em vez disto, pensamos logo é em grandes parques com painéis solares, ou em solos que são férteis para a agricultura; e não faz sentido que se comece por aí. Estamos agora a pensar nas dessalinização como uma solução, mas será que é importante investirmos esse dinheiro agora? Ou será que deixássemos de ter alguma agricultura intensiva que temos, e se não permitíssemos mais projectos como os enormes campos de golfe, não conseguíamos fazer esta poupança na gestão da água? Ou com o imenso desperdício de água nas redes públicas, que precisam desse investimento também, e que está identificado. Porque não se investe primeiro neste caminho, e depois sim, vemos se é preciso dessalinização ou parques eólicos? Tudo isto deve ser pensado num momento mais à frente, em que já tenhamos esgotado este processo com vista a colmatar as nossas necessidades, só depois, podemos pensar em reforçá-las.
No caso da agricultura, muitas vezes é tida como poluente, gastadora de água e não sustentável, mas podemos pensar na agricultura familiar – que não é suficiente, porque não nos vai dar de comer a todos – como algo que nos permite regular e ajudar a que se preserve os solos, a água, o ambiente e o ar, e que nos ajude também nesta transição.
O estatuto da agricultura familiar, que defendemos há anos, e a agricultura biológica, que precisa também de ser financiada e subsidiada, porque os jovens agricultores estão a apostar em projectos muito interessantes em várias partes do país; mas depois, embarram em coisas como venderem a maçã a um preço, para depois a distribuidora vender a um preço muito mais alto. Isto é uma injustiça muito grande para quem dedica a sua vida e o seu dia-a-dia, sobretudo na agricultura, que são 365 dias por ano, quer seja na produção alimentar ou de animais. Há uma entrega muito grande, tanto de investimento como de trabalho, que não podem ser desvalorizados desta forma; nem pode dar lucro apenas às grandes distribuidoras, mas a quem produz.
E as grandes distribuidoras, donas dos grandes hipermercados em Portugal, têm batido lucros recorde nos últimos anos.
Sim, e se nos lembrarmos da altura da covid-19, fecharam-se os mercados locais, mas mantiveram-se abertos os hipermercados grandes. E nós lutamos contra isso também; os Verdes também exigiram na AR que os mercados locais fossem reabertos porque eram tão seguros como os hipermercados.
Portanto, os lobbies também funcionaram.
Exactamente. E é nisto que temos de continuar, e temos que ter força para voltar à AR para poder fazer esta pressão e defender aqueles que cuidam realmente da natureza e do ambiente.
Vários jornalistas e investigadores têm alertado para os lobbies das grandes multinacionais nas medidas para a agricultura e para o facto de, na Europa, hoje ainda serem autorizados determinados pesticidas e herbicidas que se sabe serem prejudiciais à saúde, como o glifosato. Além disso, na Comissão Europeia, há também uma vontade de se diminuir as restrições ao nível dos organismos geneticamente modificados na agricultura. Como é que vê esta tendência preocupante na Europa?
É uma preocupação para nós e é uma luta que trazemos também ao longo do tempo; porque somos contra os organismos geneticamente modificados e lutamos para que sejam regulamentados, bem como com o uso dos pesticidas. Até porque a agricultura intensiva é que tem uma necessidade, em grande escala, destes produtos; a agricultura familiar precisa menos, e por isso defendemos a produção e o consumo locais, para que tudo seja mais próximo e se reduza o desperdício alimentar; para além de ajudarmos assim a economia local. Tudo está interligado, novamente. E sobre esta questão dos pesticidas e dos organismos geneticamente modificados, hoje estamos com uma grande dificuldade nas nossas linhas de água por causa das espécies invasoras, devido à poluição das águas e ao uso excessivo destes pesticidas. Tudo isto é preocupante para nós, e fizemos várias propostas de investimento na despoluição das linhas de água e na concretização do desaparecimento destas espécies invasoras. Mas precisamos, sobretudo, de sensibilização.
Dos políticos, dos agricultores?
Dos políticos, também. Mas nós precisamos que os nossos agricultores tenham o Ministério da Agricultura e as suas direcções regionais mais próximos deles.
Mas não estão cada vez mais próximas de Bruxelas?
Exactamente. Tal como nós precisamos que a mobilidade esteja em todo o território, nós precisamos que o Ministério do Ambiente e as direcções regionais façam também esse trabalho de proximidade com os agricultores. Porque quando falamos da transição digital chegar à agricultura, não estamos a ver o agricultor com o seu computador no meio do seu terreno, a fazer a sua candidatura aos subsídios. É óbvio que faz, mas depois, naquilo que diz respeito à protecção no trabalho, quer seja no uso de máquinas ou dos tratores e toda aquela maquinaria, quer seja na sensibilização do uso destes produtos, ou num acompanhamento científico e técnico para se perceber de que forma é que se pode proteger as culturas de forma mais natural; e é óbvio que, com as alterações da temperatura – 20 graus em Janeiro não é normal e vai afectar muito as culturas –, naturalmente as pessoas procuram uma solução para não perderem todo o seu trabalho. Mas haveria outras soluções, se o Ministério da Agricultura também não estivesse despojado desta ajuda que deveria dar aos agricultores. Deveria ajudá-los a combater muitos destes problemas, e isso não se vê e nem se sente no terreno.
Há diversos jornalistas e investigadores preocupados com um reforço dos lobbies em determinadas indústrias, nomeadamente fabricantes de herbicidas e pesticidas, mas com a indústria farmacêutica também no centro, porque acabam por ser multinacionais que produzem esses produtos. E tanto Portugal como os restantes países da União Europeia estão cada vez mais sujeitos a políticas decididas a montante, muito influenciadas por determinados lobbies. E falo não só na questão do ambiente, mas também na saúde humana, porque há também alertas para a enorme influência da Organização Mundial de Saúde. Teme também que estes lobbies possam estar a determinar políticas que não são no melhor interesse da agricultura europeia, portuguesa, e da defesa do ambiente e da nossa saúde?
Sim; nós acompanhamos essa preocupação. E como já dissemos noutras alturas, Portugal não pode ser sempre o bom aluno, e dizer que sim a tudo sem questionar estas medidas de Bruxelas, que são decididas lá, e depois não têm em atenção a agricultura, o desenvolvimento, e todas as necessidades específicas de Portugal. E nós tentamos também combater e chamar a atenção para isso.
Precisamos, por exemplo, que Portugal tenha subsídios para a pesca superiores a outros países europeus que não têm mar. E precisamos de não depender tanto da Europa para o desenvolvimento e para a produção nacional. Não temos que fechar leitarias porque o leite é mais barato num outro país ou porque vem de lá para cá; e isso é-nos imposto.
Precisamos que Portugal tenha mais voz no Parlamento Europeu e possa defender os seus agricultores e a sua população; para que possamos ter produtos mais saudáveis e cumprir com muito daquilo que são as políticas já escritas, como o desperdício alimentar. Porque é que vem tudo de fora, em camiões, quando não há essa necessidade? Nós podemos produzir muita coisa no nosso país, sem ter de fazer essas viagens que aumentam a pegada ecológica, e que podem ser uma mais-valia para a economia nacional.
Mas a opção tem sido a de não contrariar o que é decidido no Parlamento Europeu, para ser bom aluno. E nós não concordamos com isso, seja a nível dos organismos geneticamente modificados, ou através da imposição de não se poder tabular a energia, porque Bruxelas não deixa. Não podemos continuar neste caminho de obedecer cegamente sem ter em consideração as necessidades do país.
Sente que não é defendido o pluralismo e a diversidade de opiniões na comunicação social no sentido de os portugueses conhecerem as propostas do vosso partido e de outros, para estas questões do ambiente?
Sim, era essencial que estas questões fossem discutidas. É importante pensarmos que temos de reduzir o IRS e o IVA dos bens essenciais e de olhar para a economia de uma outra forma; tudo isto é importante. E, também, aumentar salários e pensões, dar condições dignas de vida às pessoas, contratar profissionais e respeitá-los no Serviço Nacional de Saúde, defender a escola pública, e ter respeito pela carreira dos professores, que depende de um investimento. Mas é também importante trazermos outras questões para cima da mesa, como o Ambiente e tudo aquilo que o envolve, porque vai ter ligação nisto tudo. E o que tendencialmente se faz, infelizmente, é que continuarmos a achar que a Economia, a Saúde, e a Educação não têm nada a ver com o Ambiente. E que a agricultura não tem nada a ver com o Ambiente. E não é verdade, porque o ambiente toca todas estas áreas; e as medidas ambientais e os projectos que possam ter influência no nosso Ambiente e na nossa natureza precisam de ser pensados englobando tudo isto e trazendo todas estas questões das alterações climáticas. Porque para termos cidades resilientes às alterações climáticas, vamos precisar de as transformar. E isso também vai envolver a Economia, o investimento e as opções políticas. E é aqui que falhamos. De vez em quando fala-se das questões ambientais, mas desgarradas de tudo o resto; quando não é possível desgarrá-las nem é possível concretizá-las se elas não forem pensadas como um todo.
Tem havido também algumas correntes controversas que dizem que a defesa do ambiente e o combate às alterações climáticas podem não ser compatíveis com uma sociedade democrática. Como é que vê estas correntes que defendem que talvez seja melhor uma ditadura para pôr toda a gente a fazer o que os políticos querem?
Pois, eu nem sei que diga sobre isso [risos]. Porque a democracia é que nos leva a comportamentos aceitáveis e a mudanças que venham contribuir para o bem de todos, e não só de alguns. Portanto, a Ecologia é compatível com a democracia, e só pode acontecer em democracia; até porque, como sabemos, não era uma preocupação antes de termos a democracia, há 50 anos. Foi depois da revolução que passou a ser uma preocupação, e rapidamente. A questão é que, por exemplo, nós não encaramos, tendencialmente, o acesso à mobilidade como uma questão de saúde pública, e de prevenirmos problemas de saúde que depois nos vão poupar dinheiro no SNS e vão dar qualidade de vida às pessoas. Quando nós pensamos na poluição atmosférica, ou da água, do ruído, ou na poluição luminosa – que é uma questão que é raro falarmos e que a maior parte não quer sequer pensar nisso –, diminuindo todos os níveis de poluição, nós vamos melhorar a qualidade de vida das pessoas. E vamos prevenir na farmácia, no centro saúde e no hospital; vamos poupar noutras áreas. E na agricultura é igual: se comermos bem e estivermos sensibilizados para comer aquilo que está próximo, e para a produção e o consumo locais, vamos ter mais qualidade de vida e mais saúde. E por isso é que agora também se fala numa única saúde, e isso envolve desde os animais aos vegetais e ao ser humano, protegendo também o ambiente.
Mas de preferência, com poucos químicos…
Exactamente; com poucos ou nenhuns, de preferência, e tendo essa possibilidade. Mas se nós investirmos na mobilidade, vamos poupar noutras áreas.
E olhar de uma forma integrada.
Sim; e se nós apostarmos e investirmos na educação ambiental das nossas crianças, vamos ter adultos que não vão precisar de taxas nem tachinhas para cumprir, nem que a polícia ande em cima deles, ou que haja uma lei a condená-los à cadeia, porque não fecharam a torneira quando estavam a lavar os dentes. Vamos precisar de adultos mais responsáveis; e, por isso, apostar na educação ambiental e na sensibilização nas nossas escolas trará outros comportamentos e outras exigências, enquanto cidadãos, mais conscientes daquilo que queremos e do bem comum – que nos tornará num país democrático e livre, para que possamos enfrentar o futuro e deixar aos nossos filhos um planeta sustentável, que dure ainda muitos anos. Porque, como sabemos, falamos em mitigação e não em combater as alterações climáticas; porque elas já estão aí e precisamos é de mitigá-las e de nos adaptarmos – de alguma forma, protegermo-nos a nós e ao Ambiente para que isto não evolua de uma forma avassaladora, que traga problemas graves para o futuro.
Transcrição de Maria Afonso Peixoto
Veja AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.