Em tempos escrevi que não acreditava que Luís Montenegro alguma vez chegasse a primeiro-ministro. Disse-o pelas mesmas razões que ainda hoje acredito, ao fim de dois anos de pré-campanha por todos os concelhos do país – como ele gosta de repetir em cada oportunidade. Vejo, ainda, um homem com o carisma de uma alface, sem outra ideia para o país que não seja a de desviar dinheiro dos impostos para o sector privado. Disfarça ligeiramente melhor do que Rui Rocha, da Iniciativa Liberal (IL) mas, no essencial, o programa é o mesmo. Daí que nem seja estranho a aliança assumida com a IL e as 10 medidas que terão que acatar para conseguir uma maioria de direita sem o Chega.
As minhas dúvidas sobre Montenegro desapareceram com o frete que escolheu fazer à Vinci, na escolha do novo aeroporto de Lisboa. Depois de ter acordado uma última investigação com António Costa que daria uma decisão final, voltou a recuar na palavra, criando nova comissão para estudar a decisão da comissão independente (cujo resultado não agradou os patrocinadores do PSD). Luís Montenegro, para beneficiar alguns privados, resolveu adicionar mais um capítulo à eterna novela do aeroporto de Lisboa. A palavra do líder político ficou aqui apresentada.
Ainda assim, reconheço, a campanha não lhe estava a correr mal para os objectivos da Aliança Democrática (AD). Partindo de uma base fraquíssima e sem chama, a começar pela risível tentativa de recuperar uma AD com Nuno Melo e Gonçalo da Câmara Pereira, Montenegro sobreviveu aos debates, apesar de um amasso aqui e outro ali. Foi mais ou menos perceptível que as ideias estavam alinhadas e o discurso ensaiado para captar um eleitorado de centro moderado e alguns descontentes. Por esta altura, estabeleceu a ‘cerca sanitária’ ao Chega – bem, na minha opinião –, e ficou preso ao seu próprio compromisso. Lançou alguma confusão na própria direita, que, ao contrário da esquerda, não se conseguiu organizar.
A saída de cena de António Costa beneficiou a AD, e Montenegro em particular, porque deixou Pedro Nuno Santos a ter de criar, rapidamente, uma personagem ao mesmo tempo que defendia oito anos de governação.
É incrível, na minha opinião, ver a sucessão de erros de Montenegro no debate contra Pedro Nuno Santos, e perceber como é que um homem, que anda há dois longos anos a preparar-se para isto, não consegue arrasar um antigo ministro de um Governo que passou por uma pandemia, uma guerra, inflação, aumentos de impostos, degradação da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e perda do poder de compra dos portugueses. Pedro Nuno Santos, em cima do joelho e em poucos meses, soube (sem encantar) criar uma defesa que praticamente anula a oposição do PSD. Por aqui também se vê a capacidade do líder da AD.
Pedro Nuno Santos não consegue, comprovadamente, encher os sapatos de António Costa, mas nem isso parece ajudar a AD. Aliás, nota-se alguma queda em ambos (AD e PS), com subidas dos partidos mais pequenos à esquerda e à direita. O que também me parece positivo, para ser sincero.
Mas foi na estrada que verdadeiramente se percebeu como a AD tinha este discurso colado com cuspo e as convicções mais escondidas. Miguel Relvas, outro artista dos bastidores, dizia esta semana na CNN, a propósito do disparate de Paulo Núncio, que em campanha deve-se seguir disciplina militar: saber-se exactamente o que se pode dizer e o que não se pode dizer. Ou seja, mentir, em português mais corrente.
Recorde-se que Paulo Núncio, vice-presidente do CDS-PP e candidato pela AD, apareceu a representar a coligação num encontro que deveria ter sido discreto, e onde se discutiu a revogação do direito ao aborto (lembram-se do referendo que nos tirou do tempo das cavernas?).
Paulo Núncio, nesse encontro, ainda disse com orgulho que o governo PSD/CDS tinha sido dos primeiros do Mundo a dificultar o acesso ao aborto. Corre agora um vídeo de arquivo da RTP onde, em 2004, Núncio defende o direito das crianças a terem uma “família normal”, com casais formados por homens e mulheres.
Montenegro veio a correr distanciar-se desta posição, tal como já tinha feito com Gonçalo da Câmara Pereira a propósito da violência contra mulheres.
Se, do lado do CDS e do PPM, ninguém espera grandes disfarces, já no caso do Dom Sebastião – Passos Coelho, para os amigos – a ideia era outra. A entrada do antigo líder na campanha, com aquele infeliz discurso sobre “sensações de segurança”, a propósito dos imigrantes, foi uma tentativa deslavada de apanhar eleitores do Chega e mais uma punhalada em Montenegro. Por um lado, voltou-se a abrir a discussão, que estava fechada, da ‘cerca sanitária’ ao Chega. Por outro lado, todos vimos Passos Coelho, o criador de Ventura, a tentar normalizar ideias mais radicais dos extremistas.
Aquilo que ficou claro ao fim desta primeira semana de arruadas e comícios é que, apesar de todo o esforço de Montenegro nos debates para fazer as pazes com os pensionistas, não restam mais dúvidas de que este PSD, presente a estas eleições, é, de facto, o de Passos Coelho. Não é o de Rui Rio. Não é de nenhum moderado. É a mesma coligação que juntou Passos, Relvas, Portas e outras figuras menores que cortaram o que lhes foi exigido e o que ninguém lhes pediu. Já agora, a mesma coligação que tinha Luís Montenegro como líder parlamentar, e que, por exemplo, em temas como o aborto, assinou processos disciplinares a quem, na bancada do PSD, votou contra o retrocesso civilizacional.
Ainda assim, mesmo para mim que aprendi nas ultimas eleições a não ligar muito a empates técnicos nas sondagens, acho que esta AD, colada com cuspo e tentando disfarçar as suas reais convicções, pode vencer as eleições. Por duas razões essenciais. Primeiro, porque o PS não está a ser competente e a esquerda, do Bloco de Esquerda à CDU, insistem em alguns erros de palmatória (fica para outro texto). Depois, porque, parece-me, a ‘cerca sanitária’ ao Chega desapareceu e julgo que Montenegro se entenderá com Ventura se assim tiver de ser.
Seguem-se cenas dos próximo capítulos e cada um votará em quem quiser. É essa a beleza da democracia e o alimento do debate. Mas, para a tomada de decisão consciente, é importante percebermos aquilo que cada partido traz para a mesa. No caso da AD, parece-me, depois desta semana, que ficou clarinho como água o século para onde nos querem enviar.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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