VISÃO DA GRAÇA

Um médico-empresário e um regulador dos media entram num bar

por Elisabete Tavares // Março 1, 2024


Categoria: Opinião

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O que acontece quando um médico-empresário que factura milhares de euros anualmente com serviços prestados a farmacêuticas – nomeadamente através da sua empresa Terra & Froes -, se une a um regulador dos media, cuja liderança é de nomeação política?

O resultado só pode ser a censura e a tentativa de intimidar e desacreditar jornalistas de investigação que escrevem notícias com base em dados e fontes oficiais e artigos científicos de qualidade, as quais não são ‘aprovadas’ pelos ‘patrões’ nem pelos ‘clientes’ de lobbies poderosos.

O Editorial de Pedro Almeida Vieira, jornalista e do director do PÁGINA UM, dá os detalhes e anuncia o inevitável. “A contínua perseguição infame da ERC contra as investigações do PÁGINA UM não continuará: uma queixa judicial por injúrias e difamação seguirá em breve contra os cinco membros do seu Conselho Regulador da ERC. E, claro, contra o Doutor Filipe Froes.”

Esta não é a primeira vez que a ERC adopta deliberações ou promove iniciativas lesivas para o bom nome do PÁGINA UM, numa lógica de dois pesos e duas medidas, sendo algo que começa a ser recorrente.

Por coincidência, as acções da ERC para condicionar e intimidar o PÁGINA UM têm envolvido investigações jornalísticas na área da Saúde. Foi o que aconteceu com a investigação do PÁGINA UM aos financiamentos da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ou com a investigação que envolve o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Ou a investigação às compras públicas efectuadas pelo Hospital de Braga, pejadas de irregularidades e opacidade.

Ou ainda a investigação às irregularidades existentes em torno do fundo da campanha ‘Todos por quem cuida’ da Ordem dos Médicos. Neste caso, em concreto, recentemente, o Tribunal Administrativo deu razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar informação que estava a esconder.

Mas não só. O tribunal deu também razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar pareceres de relevo que o antigo bastonário, Miguel Guimarães manteve secretos, escondidos dos portugueses.

Perante estes casos em concreto, enquanto a Justiça apoia a transparência e o Jornalismo e as boas práticas, a ERC faz exactamente o oposto: dá guarida e apoia a opacidade, o secretismo, as más práticas e a censura de jornalistas.

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Percebe-se porque, hoje, em Portugal, tantos jornalistas praticam a autocensura, sobretudo no que toca a temas ‘tabu’ para grandes indústrias e partidos no poder. Pode ser em torno das vacinas contra a covid-19 ou outro tema que mexa com temas considerados ‘intocáveis’.

No Jornalismo, quando há temas intocáveis, é porque: ou não se vive em democracia; ou não existe liberdade de imprensa; existe censura; existe autoritarismo.

Não é novidade o poder político e económico pressionar e intimidar a imprensa. É uma táctica já ‘velha’. Uma denúncia surge aqui, alguém adopta uma deliberação ali, um outro faz um comunicado acolá. Os media e jornalistas promíscuos, comprometidos ou vendidos, fazem o resto: espalham a campanha para desacreditar. Com as redes sociais, fica ainda mais fácil condicionar quem faz jornalismo sério, de investigação. E há sempre aquele recurso de se difamar o jornalista, espalhando desinformação sobre ele.

O que é estranho, é ainda haver quem pense que se pode passar incólume com este tipo de más práticas.

Ir fiscalizar os directores de órgãos de comunicação social, em Portugal, que executam publicamente contratos comerciais, é algo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não faz.

Acabar com as notícias e entrevistas pagas nos media ou com a cascata de podcasts patrocinados, feitos por jornalistas, que nascem que nem cogumelos nos media em Portugal, é algo que a ERC também não quer fazer.

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Em alguns casos, a ERC só actuou na sequência de investigações do PÁGINA UM a más práticas, a práticas ilegais, na imprensa.

Já censurar jornalismo de investigação, que se baseia em fontes oficiais, credíveis, fidedignas, isso a ERC já está disposta a fazer.

Não é a primeira vez que o Conselho Regulador da ERC adopta deliberações que são autênticos avisos a todos os jornalistas que queiram prosseguir com investigação, sobretudo em torno de determinadas indústrias e temas.

Infelizmente, enquanto a liderança da ERC for nomeada por partidos – os maiores partidos, que vão rodando entre si o poder – duvido que alguma coisa vá mudar nesse tipo de censura.

Atenção: a ERC tem bons (mas poucos) técnicos ao seu serviço. O regulador faz, em determinados casos, uma fiscalização eficaz. Demora muito tempo? Demora.

Ainda estamos à espera, por exemplo, que a ERC se pronuncie sobre as queixas que chegaram ao regulador em meados de 2023 devido a uma escandalosa reportagem feita pela TVI, passada em horário nobre, em que foi promovido um negócio obscuro e uma entidade não autorizada a prestar serviços de investimento ou intermediação financeira em Portugal. O caso foi grave, ao ponto do Banco de Portugal ter feito um alerta sobre a entidade mencionada na reportagem.

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Mas, quando o assunto é jornalismo de investigação, bem fundamentado, sobre temas ‘tabu’ ou assuntos que sejam vistos como uma ameaça a poderosos, o caso muda de figura. Pelo menos, é isso que temos observado em deliberações que envolvem o PÁGINA UM.

Não será por acaso. O PÁGINA UM, em particular o jornalista e director do jornal, Pedro Almeida Vieira, tem investigado interesses mais do que instalados no país e que envolvem fortes lobbies. E os lobbies não perdoam e pagam – e persuadem – para que as pedras no seu sapato sejam descartadas.

Não é por acaso. O PÁGINA UM é o órgão de comunicação social que mais tem recorrido à CADA para obter acesso a informação que devia ser pública. Também é o meio de comunicação social que mais tem recorrido à Justiça para conseguir que haja transparência e acesso a informação pública que está a ser escondida.

Também foi o PÁGINA UM que criou um Boletim diário de escrutínio às compras públicas, destacando os negócios obscuros ou opacos que são feitos com o dinheiro dos contribuintes.

E tem sido o PÁGINA UM a trazer alguma moralização à imprensa, sector onde se normalizou o sentar à mesa com o poder político e económico. Ao ponto de haver jornalistas que pensam que investigar temas importantes mas incómodos – como o dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 – é uma heresia, um pecado capital.

O PÁGINA UM faz Jornalismo. Não há espaço para temas tabu no Jornalismo. Por isso, há muito que é visto por alguns lobbies – e por jornalistas que sentam à mesa com o poder – como um ‘alvo a desacreditar’, ou seja, um ‘alvo a abater’. Que a ERC se preste a ser usada para essa tentativa de desacreditar é lamentável.

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Para os ´’Froes’, a ERC e todos os que têm sido alvo de investigações do PÁGINA UM, esta deliberação do regulador dos media é motivo de celebração. Para os jornalistas, para o Jornalismo, para a liberdade de imprensa, para a transparência e para a democracia, esta deliberação da ERC é um capítulo negro.

Há quem esteja a enfiar a cabeça na areia e a preferir não ver a ‘Idade das Trevas’ em que a liberdade de imprensa e a investigação jornalística estão a mergulhar em Portugal, mas também em outros países do mundo ocidental, com a crescente pressão persecutória dos profissionais que são independentes do grande poder económico e político.

Mas há quem esteja a ver. Claramente. E o público, os leitores, também.

Elisabete Tavares é jornalista


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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