Depois de uma surpreendente ausência de assento parlamentar decorrente das eleições legislativas de 2022, o CDS-PP tem garantia de regresso à Assembleia da República, ou mesmo até ao Governo, onde já esteve diversas vezes em democracia, a última nos Governos de Passos Coelho. Integrado na ‘nova’ Aliança Democrática, o líder dos centristas, Nuno Melo, está optimista numa vitória e lança críticas aos radicalismos de uma possível ‘geringonça 2.0’ e do populismo do Chega, que diz nada ter de direita. Nuno Melo é o único líder dos três partidos da Aliança Democrática que aceitou ser entrevistado para a HORA POLÍTICA, depois das recusas de Gonçalo da Câmara Pereira (PPM) e Luís Montenegro (PSD). Esta rubrica do PÁGINA UM teve como objectivo conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal. Amanhã esta rubrica será fechada com a entrevista (já) concedida por Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE NUNO MELO, PRESIDENTE DO CDS-PP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Como é que tem sido o feedback da população relativamente às propostas da coligação de que faz parte o CDS-PP, a Aliança Democrática [AD]? Está optimista?
Sim, estou realmente muito optimista. Hoje, além da razão para optimismo que resulta da própria candidatura em si mesma desta AD que junta três partidos – sendo que sempre que o PSD e o CDS se juntaram nas legislativas, nunca perderam eleições – também temos uma reacção na rua que nos permite medir o acolhimento junto das pessoas. E, de facto, esse acolhimento tem sido muito impressionante; quer dizer, basicamente não notamos rejeição, notamos muito apoio e entusiasmo, e tem sido assim invariavelmente de Norte a Sul. Por isso, eu estou muito confiante em relação ao resultado – que também resulta da necessidade de uma alternativa a estes oito anos. Ou seja, basicamente aquilo que vai estar em causa já não é tanto uma disputa entre partidos ou coligações, mas uma opção entre aqueles que não se resignam e que acham que é possível conseguir muito melhor, e os outros, que acham que está tudo bem. Pedro Nuno Santos vai a debates perguntar “afinal, o que é que não funciona?”. É um bocadinho isso que está em causa, e eu acredito que a grande maioria das pessoas vai querer mudar. E a alternativa ao PS é, realmente, a AD.
Aliás, o lema que tem usado para chamar os portugueses a votar nesta coligação é precisamente que esta é a coligação que pode mudar Portugal. Vê, de facto, a AD como a verdadeira alternativa?
Sim. Nós temos um facto que é inquestionável: durante oito anos, o Partido Socialista [PS] governou com várias maiorias, primeiro a geringonça, depois com outra maioria e com um apoio no Parlamento, embora não escrito, e por fim, com a maioria absoluta. Teve os meios e os instrumentos e teve péssimos resultados em todas as áreas sectoriais. Portanto, aqui chegados, a alternativa a este PS está necessariamente naquilo que são os partidos do arco da governabilidade – que têm credibilidade, são previsíveis e estáveis. São partidos que têm grande experiência; e que já estão no país inteiro, em coligação, a gerir com muita competência os destinos das pessoas. Recordo que são mais de 40 autarquias que o PSD e o CDS gerem em conjunto, e estão juntos também no governo regional dos Açores e da Madeira. E tudo isto, a meu ver, faz desta coligação – com respeito por todos os outros adversários – a mudança lógica, e essa alternativa útil que pode ser transformadora. Depois, temos os extremismos, que hoje são corporizados, quer à nossa esquerda, quer no espaço do populismo radical. Porque à esquerda, o próprio Pedro Nuno Santos, que traduz o pior do Governo do doutor António Costa – ele próprio remodelado -, verbaliza a opção de uma geringonça 2.0 que levará ao Governo o Bloco de Esquerda e o PCP; ou seja, aqueles dois partidos que durante a geringonça, apoiavam o PS no Parlamento com o Pedro Nuno Santos, estarão no Governo, numa versão muitíssimo mais radicalizada, levando os extremismos para dentro da governação. Por outro lado, há, uma outra expressão que é populista, radical, que manipula emoções e que não é de direita, e que promete tudo a todos.
Fala do Chega.
Sim, basicamente; mas enfim, o Chega de direita realmente não tem nada. E é profundamente radical. Mas um partido que propõe mais taxas, mais impostos, mais Estado e que quer a TAP nacionalizada a viver com os impostos contribuintes, que quer transformar o PRR em subsídios, que quer o Estado a ser fiador de empréstimos de privados, que quer as polícias a fazerem greve, ou que possam ter dentro dos quarteis secções partidárias… Obviamente que isto de direita, não tem nada – é um populismo muito radical, e com um programa que, curiosamente, em larga medida, está seguramente muito mais próximo Bloco de Esquerda e do PS do que da AD.
Esse radicalismo à esquerda que refere também se reflectiu em relatórios que indicam que Portugal foi um dos países que recuou no seu nível de democracia, e temos também alguns problemas na própria União Europeia [EU], com alguma legislação comunitária que até vem condicionar um pouco a liberdade de imprensa. Nesse sentido, a AD promete ser mais moderada, com um programa e propostas que respondem às necessidades dos portugueses?
Portugal recuou nos níveis de democracia e caiu nos rankings da pobreza. Note que, neste momento, Portugal tem perto de 4 milhões de pessoas que vivem no limiar da pobreza sem prestações sociais. Um em cada três jovens é forçado a sair do país, convivem com uma taxa de desemprego em Portugal superior a 20%, e com salários genericamente muito baixos. Mas, em cima disso, Portugal é um país que, em oito anos, foi ultrapassado por vários outros países de Leste, desde a Polónia à Hungria, e agora recentemente também pela Roménia – países que eram mais pobres na altura da adesão à UE, e que aderiram muito mais tarde, mas que tiveram outras opções do ponto de vista daquilo que são as apostas na sociedade e na economia, e que fizeram com que conseguissem muito melhores resultados. Portanto, diria que também essa expressão acaba por trazer um certo descrédito às instituições democráticas. E estes anos foram terríveis, com estas substituições sucessivas de governantes – todas elas à volta de incidentes que, do ponto de vista institucional, preocuparam também o Presidente da República muitas vezes – e, de resto, o Primeiro-Ministro acaba a demitir-se. Tudo isto são sinais de uma degradação muito acentuada, e crescente, que fez com que este Governo caísse por si, apesar dessa maioria absoluta. E isso também é muito impressionante.
Tem mencionado algumas propostas da AD, mas quer destacar algumas que podem de facto ter um efeito positivo para colmatar algumas das crises que nós vivemos, nomeadamente na habitação, nos baixos salários, nos impostos e no próprio Serviço Nacional de Saúde [SNS]?
Sim; sumariamente, e começando pela Saúde, porque é realmente fundamental retirar-se a ideologia do Serviço Nacional de Saúde. O Ministro Manuel Pizarro é o Ministro da Saúde, não é o Ministro do SNS. Mas aquilo que o Governo conseguiu nestes oito anos, por causa da ideologia, foi transformar hospitais bem geridos em hospitais cheios de problemas, desde Braga a Loures; por causa do preconceito ideológico de uma ministra que fazia questão de dizer que ouvia a Internacional quando se sentia tensa. E este Governo é um governo que extingue parcerias-público privadas de Braga e de Loures, e transformaram hospitais premiados e bem geridos em hospitais cheios de problemas. Hoje, sabemos que há 1.700.000 pessoas sem médico de família – muitas mais do que antes, quando, em 2016, o doutor António Costa dizia que todos os teriam. Temos urgências fechadas, muitas vezes há dificuldade em conseguir consultas e cirurgias de que dependem a vida dos doentes. Portanto, há muita coisa que tem de ser feita; inclusive ao nível da gestão e, por isso, muitas destas parcerias fazem realmente sentido. Porque se o Governo diz – e em alguns casos é verdade – que investiu muito mais no sector da saúde, mas os resultados são muito piores, isso significa que há uma perda da eficácia naquilo que é gestão a diferentes níveis. E os hospitais têm de ser eficazes na gestão, que vive de recursos que são escassos. Depois, temos de acabar com um preconceito à esquerda, porque o Ministro não é ministro do SNS; ganhando complementariedade entre os sectores público, social e privado. Porque onde o Estado não consiga, o sector social e o sector privado conseguem ajudar. E isto, claro, tendo o doente como escopo, que beneficiará dessa interacção. Há muita coisa a fazer, do ponto de vista da garantia de que se as pessoas não podem ter um tratamento a tempo e horas, o tratamento será feito noutro local que não no SNS, através de vouchers, mas dando resposta aos seus problemas. Também há questões que têm a ver com a dignificação salarial de profissionais de saúde – e refiro-me a médicos, enfermeiros e técnicos de saúde. Também há muitas coisas a fazer, por exemplo, na escola pública, que se degradou muito em oito anos: os professores perderam muita autoridade, os alunos caíram nos rankins – que mostram que, apesar da covid, Portugal teve um pior desempenho dos alunos comparando com outros alunos da União Europeia. E, também no que tem que ver com a Educação, nós propomo-nos a devolver, faseadamente, tempo que foi retido aos professores, e a garantir que não há – como hoje acontece – uma escola para ricos e outra para pobres, numa fractura que põe em causa o próprio elevador social, e onde os alunos de famílias mais desfavorecidas não conseguem aceder a boas ofertas de ensino privado. Também temos respostas para a habitação, por exemplo, entre outras coisas, garantindo que muito daquilo que é o património degradado do Estado pode ser entregue para o mercado através de parcerias com privados, que ajudarão à recuperação desse património e serão ressarcidos do seu investimento. Obviamente, terão lucros, porque nós valorizamos a iniciativa privada, mas o Estado ficará com esse património recuperado. Nós queremos que os jovens fiquem cá, não queremos que saiam, e por isso, logo no primeiro emprego, nós propomos o IRS jovem, que garante uma taxa de IRC de 15% para os jovens até aos 35 anos. E, por outro lado, também no que tem que ver com a juventude, queremos isentar, na compra da primeira habitação, os jovens em cinco anos de IMT e de imposto de selo. Temos também medidas que são fundamentais para alavancar tudo isto, para que seja possível devolver rendimentos às famílias e às empresas: a AD irá reduzir as taxas de IRS em todos os escalões e retomar uma reforma do IRC – que já tinha estado pactuada com o PS e depois foi rasgada pelo doutor António Costa – que permitirá uma redução faseada mas progressiva dessa taxa de IRC. E isto significa que, tendo mais rendimentos, as famílias poderão ter maiores possibilidades de investimento e de consumo, e as empresas terão maior liquidez para criar postos de trabalho, para se renovarem, para se modernizarem, e para aumentarem salários. Ou seja, é uma questão do modelo económico e do modelo social, que está aqui muito em causa nesta disputa entre o Partido Socialista e a Aliança Democrática.
Resumindo, o que propõe é, de facto, retirar aquela questão ideológica de muitas das medidas e políticas que têm existido em Portugal?
Sim; se há uma marca registada deste Partido Socialista, eu diria que assenta na “entrega” de ideologia para tentar resolver problemas, mas por essa via, apenas os agravou – foi assim na saúde, com o fim de parcerias-público privadas, foi assim na educação, com o fim dos contratos de associação, foi assim na habitação, com o programa Mais Habitação, que, como bem sabe, no limite, defendeu e prevê arrendamentos compulsivos; coisa que eu já tinha visto nos espaços socialistas, mas muito pouco nas democracias ocidentais civilizadas. Portanto, há realmente essa diferença e essa fronteira entre a AD – que privilegia o mercado com coesão social, a liberdade e a livre iniciativa, e que acredita no dinamismo da sociedade – e a esquerda, particularmente o PS, que acreditam numa estatização da sociedade e da economia, numa perspectiva que é paternalista, e que diz às pessoas o que podem e não podem fazer, ou onde podem e não podem investir. E, enfim, em relação a esta última estratégia, depois de oito anos… Na verdade, se pensarmos que o PS, nos últimos 27, governou 20, e teve sempre todos os meios; nós achamos que isto não resulta, mas é uma opção legítima para quem queira. Quem não se resigna, e acha que Portugal pode ser muito melhor, tem uma outra estratégia, que é a AD – uma possibilidade que eu acredito que sairá vencedora e, no final, mostrará a todos em Portugal um futuro muito melhor.
Para terminar: antevê que esta coligação pode continuar, nomeadamente para as europeias e para futuras eleições?
Sim. Esta é uma coligação que foi feita para as eleições legislativas, com incidência de Governo, bem como para as eleições europeias, e vai até às eleições autárquicas; muito embora nas eleições autárquicas, naturalmente, com respeito também por aquilo que são as prorrogativas próprias das estruturas locais. E, portanto, aí, sem que seja numa base impositiva, mas com total abertura para que a coligação funcione sempre que seja desejável.
Transcrição de Maria Afonso Peixoto.
Veja AQUI a página na Internet com informação do CDS-PP.
Veja AQUI o programa da coligação Aliança Democrática.