A música de intervenção deve fazer, em certos contextos, parte da cultura de insubmissão de um povo. E um povo deve estar sempre insubmisso, sobretudo em democracia, porque a insubmissão é sobretudo um sinal de que estamos despertos.
Através de letras duras, impactantes, talvez excessivas pela necessidade de uma eficácia imediata, não se pode esperar por eufemismos na música de intervenção. A Arte não tem limites nem é aceitável limitações. Não tem um sentido literal, mas tem um objectivo: evitar a estagnação ou recuos em direitos, liberdades e garantias.
Por esse motivo, Basta, do rapper Estraca, não é uma música meiga, nem quis ser, nem poderia ser no actual ‘estado de coisas’. Mais ainda neste ano de 2024, e neste mês. Mas mais do que um ‘ataque político’, literal ou metafórico, apresenta-se sobretudo como um ‘murro no estômago’ contra nós, como sociedade, que se foi deixando amansar pelo ‘politicamente correcto’, pela política do respeitinho, e que não pôs em ‘mira’ (ou em sentido) os políticos que, em 50 anos de democracia, mataram, ai sim, literalmente, os nossos sonhos.
Foi por termos aceitado que os “filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!” nos mandassem “lavar as mãos antes de ir para a mesa”, como se insurgia José Mário Branco, no seu FMI, em 1979, que estamos agora órfãos de um país que se sonhava decente. Hoje, parafraseando esse ‘hino de José Mário Branco, “não somos senão este tempo que decorre entre fugirmos de nos encontrar, e de nos encontrarmos fugindo”.
Necessário não seria, mas, neste tempos de perseguição àquilo que se pensa e diz – mesmo se sob a forma de Arte (de intervenção) -, convém reafirmar: esta ligação do PÁGINA UM ao rapper Estraca no lançamento de ‘Basta’, como já sucedera em ‘Vício’, deve-se a dois simples factos: à inalienável liberdade de expressão, e por, pessoalmente, considerá-lo como um dos poucos consistentes e assertivos músicos de intervenção em Portugal do século XXI. E bem que precisamos de mais. Pelo menos, “venham mais cinco“… e de uma assentada, como diria Zeca Afonso.
Pedro Almeida Vieira
Director do PÁGINA UM
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Letra
Vícios, by Estraca
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Está em morte lenta uma tuga que se aparenta ser
país tranquilo é para quem tem, não para quem tenta ter
e um zé povinho sempre a rasca que só lamenta
sem fazer a tal diferença na inocência de que o voto é poder
Urgência privado ou morres a espera
miséria que impera,
num país em que o povo tolera
as mentiras,
matéria de um socialismo sujo que opera
são décadas de decadência,
a falência de quem lidera
Sem saúde, habitação, república sem bananas
Galamba só 300 euros declarado as finanças
caramba
discreto,
melhor só mesmo o estado em cobranças
ou o esquecimento do Salgado a escrever sobre lembranças
Desperta!
Primeiro o povo, depois o partido:
promessas!
Campanhas pra te deixar entretido
são peças!
que só nos afastam do colectivo
Eu grito: basta;
junto as tropas, unidade, esse é o perigo
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
O povo paga os reparos dos carros caros
e fatos
livre de impostos, e até reforma, é tudo à pala dos parvos
tapar buracos a TAPs, entre contratos e tachos,
e tu calado no teu espaço,
na classe de endividados
E que é que eu faço?
Sai à rua, mas sem zecas e cravos.
Primeiro passo, tirar fora os 200 deputados
sentados sem fazer um caralho,
e mesmo assim são bem pagos
Povo no poder!
Tirar o poder a cobardes
e em vez de tinta era uma bala na cabeça,
resposta,
a revolta é muita num país que já não sabe em quem vota
e então aposta
novamente na confiança de um Costa
que fez de Portugal a nova Venezuela da Europa
Esta falência de um país: Segurança e Educação,
Saúde, Agricultura, Cultura e Habitação,
na exportação, os melhores, de jovens para emigração,
alteração de identidade de um país sem direcção.
Basta!
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
(A toda a Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, Chega, à família PS, PSD, a todos os deputados que não fazem um caralho: abandonem as instalações da Assembleia da República o mais rapidamente possível. A festa acabou. Viva Portugal!)
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