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O candidato Miguel Guimarães e os beijinhos à jornalista do PÁGINA UM

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Campanhas eleitorais trazem sempre muito convívio com o povo, arruadas, comícios. E beijinhos. Muitos beijinhos. Muitos abraços. Tudo sem álcool-gel, sem distanciamento de dois metros, sem máscaras cirúrgicas ou de pano, daquelas com bonecos. Já ‘não há’ covid-19. Já não há testes (não dariam jeito nenhum). Já não há quarentenas. Agora, é beijinhos atrás de beijinhos. (Viva a Ómicron!)

Pois esta jornalista, não comparecendo em comícios, fugindo de arruadas e de qualquer tipo de ajuntamento de caça ao voto, não conseguiu escapar de uns beijinhos de um candidato.

Miguel Guimarães, na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia.

O próprio candidato também não se deve ter apercebido, até agora, a quem deu dois beijinhos de cumprimento em plena campanha eleitoral. Se soubesse quem eu era, ter-me-ia cumprimentado com tanto entusiasmo? Com aquele entusiasmo de candidato em campanha? Desconfio que… não.

Isto porque o candidato em questão é, nada mais nada menos, do que Miguel Guimarães. Esse mesmo. O antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual cabeça de lista no círculo do Porto na coligação Aliança Democrática (AD), que junta o PSD, o CDS-PP e o PPM.

Para quem não sabe, ou se tiver esquecido, pode ficar a saber mais sobre a ‘relação’ entre Miguel Guimarães e o PÁGINA UM nesta notícia AQUI ou esta AQUI e ou ainda AQUI (e há tantas outras). O PÁGINA UM intentou três processos de intimação contra a Ordem dos Médicos por informações escondidas por Miguel Guimarães, e por três vezes o Tribunal Administrativo de Lisboa deu-nos razão. Em troca, Miguel Guimarães – em conjunto com a Ordem dos Médicos, o pneumologista Filipe Froes e o pediatra Luís Varandas – processou o director do PÁGINA UM. Aliás, o processo acabará mesmo em tribunal, porque agora, mesmo que Miguel Guimarães queira desistir da queixa, Pedro Almeida Vieira já manifestou formalmente a sua oposição.

Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e candidato pela coligação AD. (Foto: AD)

Mas, pergunta, e bem, o leitor: em que circunstâncias é que a jornalista foi ‘apanhada’ no meio de um evento de caça ao voto de Miguel Guimarães?

Passo a explicar. Tudo aconteceu no dia em que o PÁGINA UM foi fotografar Joaquim Rocha Afonso, presidente do partido Nós, Cidadãos. A sessão fotográfica foi combinada para o mesmo local onde tinha entrevistado aquele mesmo líder partidário, no dia anterior: o Clube Militar Naval, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa.

O edifício apalaçado é belíssimo e os interiores prestam-se a sessões fotográficas. As diferentes salas, a decoração, os ambientes, a escadaria, os vitrais…

Ora, acontece, que nesse dia, estava agendado um jantar-debate com a presença de Miguel Guimarães. Eu sabia que estava marcado um jantar-debate, mas desconhecia que o candidato da AD seria um dos presentes.

Assim, estava eu no hall no rés-do-chão, a aguardar pelo presidente do Nós, Cidadãos, quando passa por mim Miguel Guimarães, em passo apressado, a caminho de subir a escadaria para o primeiro andar.

Com aquele gesto automático de político em plena campanha, que lhe terão ensinado, Miguel Guimarães olha para mim com um largo e simpático sorriso – como se tivesse gostado muito de me ver – e toca a cumprimentar-me com dois rápidos beijinhos no rosto, bem à português (obviamente, o português ‘normal’, não o português com tiques de aristocrata ou da linha de Cascais).

Nem tive tempo de reagir. Inicialmente, pensei que se dirigia a mim porque nos conhecíamos (como jornalista, conhecemos muita gente, mas a minha memória já teve melhores dias e não guarda todas as caras e nomes).

Depois, quando vi o enorme sorriso, desconfiei (imaginem a cena em câmara lenta, mas a acontecer, na realidade, em milésimos de segundo). Pensei: “está a sorrir em demasia, não deve saber que sou a jornalista Elisabete Tavares, do PÁGINA UM”.

Sede do Clube Militar Naval. (Foto: D.R.)

Quando, por fim, me cumprimenta com dois beijinhos, entusiasticamente, tive a certeza: “não sabe quem sou e pensa que sou uma participante do jantar-debate”.

Foi tudo tão rápido que apenas me saiu um automático: “Como está?”. Fiquei a sentir-me mesmo parva por não ter travado o candidato da AD para me apresentar convenientemente. Ao mesmo tempo, chega o Joaquim Rocha Afonso e Miguel Guimarães já ia escadaria acima, apressado. É que ainda havia muitos abraços, cumprimentos e beijinhos a dar. E vírus a espalhar.


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