Termina esta semana a enorme, penosa e pouco esclarecedora campanha eleitoral para as legislativas deste domingo.
No momento em que escrevo, um pivô de um telejornal apresenta a última sondagem da Universidade Católica.
A Aliança Democrática [AD] vence(rá) e a direita consegue a maioria dos deputados (com o Chega). É um cenário dantesco, confesso; mas razoavelmente normal para a alternância histórica dos partidos do centrão.
Não me lembro de grandes discussões em torno da Educação, ou de o que fazer com a Ucrânia ou com Gaza. Também não me recordo de ouvir explicações da AD sobre a aliança com a Iniciativa Liberal [IL], que obrigará Montenegro a quebrar várias promessas eleitorais.
Ficámos pelas promessas de tudo a todos – uns mais ridículos, e outros, poucos, mais objectivos.
Enquanto acompanhava a campanha, em particular as arruadas, perguntava-me quem é que quer ser político em Portugal? A sério: quem?
O desconforto no contacto com a população, para a maioria deles, é notório. Fora dos gabinetes e dos tapetes vermelhos da Assembleia da República, os candidatos parecem peixes fora de água, ouvindo insultos e sujeitando-se a momentos de vergonha alheia que me fazem pensar que não têm mesmo outra saída profissional que não seja aquela.
Este período dos beijos a velhinhas nos mercados, passeios na linha férrea de interior escondido ou copos de três nas planícies alentejanas cheira a plástico por todo o lado. Tudo aquilo é feito com um esgar de dor e um sorriso amarelo que esconde o “quando é que isto acaba?”.
A arruada é aquele momento em que o político profissional, algo que não deveria existir, faz o que mais se aproximará, na sua vida, com uma entrevista de emprego. Depois, se passar, pode estar mais quatro anos descansado e escondido atrás de um portão qualquer.
Não há grande contacto entre as populações e o poder político. Pensem nisso. Quantas vezes na vossa vida chegaram ao contacto com um autarca, um deputado, um ministro? Há um sem número de degraus burocráticos que permitem, à classe política, “servir o povo” sem ter de o ver. Nem todos os partidos e/ou políticos são assim, mas, convenhamos, serão a maioria.
Em Portugal gostamos muito das hierarquias e dos lugares no Olimpo, para onde mandamos uma boa parte dos incompetentes deste país. Não quero ser injusto, generalizando, mas acho mesmo que temos, actualmente, uma classe política medíocre e mais preocupada em “orientar a vida” do que servir a coisa pública.
Um dos problemas, julgo, é a baixa remuneração dos políticos. Pode ser uma afirmação chocante, tendo em conta os baixos salários em Portugal, mas acho mesmo que o salário (oficial) de um político é muito pouco atrativo. Isso afasta os mais competentes, que ficam no sector privado e seguem as suas carreiras longe do lamaçal em que se transformaram estas décadas de “centrão”.
Quem é que quer estar a ser analisado, criticado, vigiado e julgado na praça pública todos os dias? Culpado ou inocente, pouco importa; a imagem é arruinada em minutos nas televisões sensacionalistas, seja lá qual for o veredicto final dos tribunais. Isto, claro, quando há sequer veredicto.
Pensem nos casos dos últimos anos e na forma como os ciclos se repetem. Soćrates, Galamba, Portas, Relvas, Albuquerque, Costa, Isaltino, os envolvidos do PS e PSD no tutti-frutti e por aí fora. Por todos, vimos directos, dias infindáveis de debates, suspeições, análises, escutas e imagens públicas devassadas antes das condenações. Alguns acusados, outros por acusar. Uns com penas, outros abafados. Uns com travessias no deserto e regressos triunfantes, e outros, ainda à espera do desfecho final.
Mas reparem: independentemente da verdade que só à investigacão pública e aos tribunais deveria dizer respeito, todos formamos a opinião sobre a honestidade dos políticos visados. Lembrem-se do Galamba, anos e anos a ser escutado, com televisões à porta de casa enquanto levava o filho para a escola, sem que até hoje se perceba se o homem é inocente ou culpado. Longe de mim ter simpatia pela personagem em questão, mas onde quero chegar é: alguém se quer sujeitar a isto?
Quem poderá querer viver neste permanente sensacionalismo e desgaste da imagem pública, seja inocente ou culpado, a troco de um salário que qualquer imigrante com formação universitária consegue, tranquilamente, mal apanha o avião de ida?
Será pelo prestígio de ser ministro de um país pobre e sem qualquer relevância internacional? Será por amor à causa pública? Será pela ambição de poder num sítio onde quem manda verdadeiramente são meia dúzia de milionários?
Não creio. Amor à causa pública afasta, por norma, as pessoas da corrupção e de actos ilícitos de favorecimento próprio. Poder? Talvez, para quem nunca saiu do próprio bairro e não perceba onde nos situamos no século XXI.
Eu acho mesmo que é por falta de opções. Para um inútil sem grande currículo, ser político profissional é o melhor que pode almejar. E quanto mais inútil for, mais precisa de concorrer ano após ano – ao parlamento, às autarquias, ao que for. Tem de garantir um emprego. Ao contrário do que acontece nos países civilizados, ser político em Portugal é uma profissão para a vida. Mesmo com escutas, vigias, prisões em directo nas mangas dos aviões, horas e horas de devassa da vida nas televisões.
Ainda assim, entre culpados e inocentes, há quem queira fazer disto vida a troco de um salário pouco mais do que risível. Especialmente se contabilizarmos o custo do circo e dos momentos de vergonha alheia.
A quem serve esta profissão? Essencialmente, a quem não consegue mais nenhuma. E é por isso que nos boletins de voto, o que realmente abunda, é mediocridade e ausência de vida real.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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