Deveria ter sido apenas mais um ‘banal’ contrato de consultadoria externa pelo Banco Português de Fomento, disfarçado no meio de muitos outros, mas o ajuste directo de 700 mil euros entregue no mês passado à Universidade Católica Portuguesa chamou a atenção ao PÁGINA UM: afinal, não é todos os dias que uma assessoria financeira é justificada como se estivesse em causa a segurança pública ou de bens, uma vez que, para evitar a abertura de um concurso público, foi alegada “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, para uma tarefa que durará três anos. Agora, o banco presidido por Ana Carvalho, uma antiga aluna da Católica, diz que afinal consultou “várias instituições académicas de renome”, mas isso implicaria a existência de um procedimento de consulta prévia, o que comprovadamente não sucedeu. Quanto à Universidade Católica, preferiu, através da sua porta-voz – que foi assessora de João Galamba até à sua demissão de ministro das Infraestruras em Novembro – criticar aspectos deontológicos do trabalho do PÁGINA UM.
Afinal, quais os serviços em concreto previstos no misterioso contrato de 700 mil euros adjudicado por ajuste directo ao Banco Português de Fomento (BPF) à Universidade Católica, noticiado anteontem pelo PÁGINA UM? E qual a razão para uma minúscula mas gastadora instituição financeira estatal – ao fim de dois anos de existência, nas contas consolidadas de 2022 apresentou um passivo de 284 milhões de euros com gastos de quase 10 milhões e um lucro de uns meros 3 milhões de euros – ter de fazer sucessivos contratos de consultadoria financeira e jurídica que não páram de se acumular?
Estas questões continuam sem uma resposta cabal, porque o BPF, apesar de aditar alguns esclarecimentos, continuou sem endereçar, apesar das insistências do PÁGINA UM, o caderno de encargos e um anexo ao contrato, inexistentes no Portal Base, que, em princípio definirá as tarefas a executar pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade do Porto. Saliente-se que a instituição bancária tem sede na Cidade Invicta e a sua presidente do Conselho de Administração, Ana Carvalho fez toda a sua formação universitária naquela instituição privada de ensino superior.
Com efeito, sem remeter quaisquer dos documentos em falta no Portal Base – e que virão agora a ser solicitados formalmente pelo PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos com eventual remessa para o Tribunal Administrativo em caso de nova recusa no prazo de 10 dias –, fonte oficial do BPF diz que este ajuste directo se enquadra nas suas funções “de gestor do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR)”, em que se mostrou necessário “reforçar o acompanhamento na gestão dos investimentos diretos efetuados” por este programa.
Deste modo, acrescenta a mesma fonte, “com a perspetiva de assegurar um escrutínio prudente e neutro, o BPF decidiu pela designação [indicação] de ‘Observadores’ independentes, profissionais de elevada especialização, que terão assento nos Conselhos de Administração (CA) das Participadas do FdCR”. Esses ‘Observadores’, de acordo com o BPF, “como um elemento independente” têm como função “uma apreciação crítica sobre os temas de negócio e de gestão discutidos e as decisões tomadas, alertando para riscos e preocupações que sejam relevantes”, para além de terem um “papel de colaboração na preparação das intervenções do BPF nas Assembleias Gerais das Participadas”.
Sobre a razão de não ter sido, em caso de comprovada ausência de meios humanos próprio, lançado um concurso público, a fonte da instituição bancária liderada por Ana Carvalho diz que foram consultadas “várias instituições académicas de renome”, que não identifica, acrescentando que “a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto [foi], até então, a única que atendeu plenamente aos requisitos especificados pelo BPF e no prazo proposto”.
Saliente-se que este argumento de consulta agora aditado pelo BPF é estranho e contraditório mesmo com o expresso no contrato conhecido, porque uma consulta como a referida, com “requisitos especificados”, consubstanciria uma consulta prévia, com procedimentos contratuais próiprios, o que formalmente não foi feita, Na realidade, o BPF fez um ajuste directo – ou seja, entregou um contrato de 700 mil euros de mão-beijada à Universidade Católica, escolhida a dedo – alegando uma norma de excepção que permite o ajuste directo, mas apenas “na medida do estritamente necessário”, se se verificarem “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Como pode estar aqui em causa falsas declarações, a forma que o PÁGINA UM tem de esclarecer esta situação é solicitar agora ao BPF, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não apenas os ofícios que foram supostamente remetidos para as “várias instituições académicas de renome” como também os documentos que fundamentam os “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” que impediram a realização de um concurso público aberto e transparente. Obviamente, o Tribunal de Contas também terá, se assim desejar, os meios próprios de fiscalização deste contrato público.
Também foram pedidos esclarecimentos à Universidade Católica sobre o ajuste directo de 700 mil euros, incluindo se houve alguma proposta prévia, para complementar os factos noticiados pelo PÁGINA UM com base nos registos inseridos no Portal Base pelo BPF e validados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Em resposta, a porta-voz para a imprensa da instituição universitário, Rita Penela – ex-jornalista do Observador e assessora até Novembro passado do antigo ministro João Galamba – disse que “na sequência das questões dirigidas ontem, dia 11 de março, às 22h41 à Universidade Católica Portuguesa, vimos lamentar que não tenha sido respeitado o tempo de resposta por vós concedido e que tenham avançado com a publicação do artigo” – que, repita-se, se baseia em factos inseridos numa base de dados pública.
A mesma fonte da Universidade Católica – que ministra uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural – acrescentou ainda que “tal conduta desrespeita o direito ao contraditório previsto no Código Deontológico do Jornalista”, apesar de nada constar no dito código sobre um alegado ‘direito de contraditório’ –, concluindo que “a Universidade Católica Portuguesa não se revê na abordagem referida e muito lamenta que a _’Página Um’_ [sic] desrespeite o Código pelo qual devia pautar-se”.
Instado, novamente, a comentar e conceder mais esclarecimento sobre o contrato de 700 mil euros – o maior contrato público por si obtido (de forma isolada), ainda mais este, por ajuste directo, sem os ‘incómodos’ da concorrência –, a Universidade Católica nada mais acrescentou.
Nota: A fonte oficial do BPF também remeteu outras informações sobre os montantes das consultadorias, mas essa informação será, em breve, integrada num trabalho do PÁGINA UM sobre o universo dos contratos públicos desta instituição financeira.
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