Foi uma ‘invenção’ do Governo socialista. Em vez de se aproveitar o know-know e as sinergias da Caixa Geral de Depósitos (CGD), criou-se em 2020 o Banco Português de Fomento (BPF), um micro-banco que, na verdade, sendo um ‘pigmeu financeiro’, gasta que se farta. Se a CGD despende 690 euros em serviços administrativos e com pessoal para obter 1.000 euros de lucro, já o BPF precisa de gastar 5.367 euros para alcançar o mesmo objectivo. Mas se o BPF – que teve apenas lucros de 3 milhões de euros em 2022 com 16,1 milhões de euros em gastos de funcionamento – aparenta ser um péssimo negócio para os contribuintes, há quem não terá, por certo, a mesma opinião. São os casos de grandes consultoras financeiras, empresas tecnológicas, seguradoras, empresas de leasing automóvel e sociedades de advogados, onde se inclui a de Luís Montenegro e a de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República. A avença do escritório do futuro primeiro-ministro terminou em Dezembro passado.
Ao fim de menos de três anos de funcionamento, o Banco Português de Fomento – uma instituição bancária autónoma criada pelo Estado quando já detinha um banco estável, a Caixa Geral de Depósitos – mostra ter sido uma opção vantajosa para muitos, mas não para os contribuintes.
Criado em finais de 2020 como um banco promocional de desenvolvimento – isto é, para facilitar a concessão de crédito proveniente sobretudo do Programa de Recuperação e Resiliência –, o BPF foi constituída pela fusão de diversas pequenas entidades financeiras públicas que não estavam sob alçada da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nomeadamente da PME Investimento (uma sociedade pública de investimentos), a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM). A estratégia política do Governo agora cessante foi, na verdade, criar um novo banco de investimento, mas à margem de toda a estrutura já consolidada da CGD.
Na verdade, olhando para as demonstrações contabilísticas das duas instituições bancárias públicas, o BFE é um autêntico pigmeu perante a CGD, o que leva a questionar a razão para não se ter criado um departamento autónomo na instituição liderada por Paulo Macedo aproveitando know-how e sinergias. Mas o BFE é um pigmeu mas com uma grande gula.
Em 2022, o BPF apresentava apenas 848 milhões de euros em activos, que representam apenas menos de 9% dos activos da CGD no ano passado, de acordo com os resultados hoje apresentados. No entanto, enquanto os activos da CGD contribuíram para um lucro (recorde) de quase 1,3 mil milhões de euros, a que acresce de 529 milhões de euros impostos ao Estado, o BPF conseguiu em 2022 – ainda não apresentou resultados do ano passado – apenas um lucro de 3 milhões de euros. Apesar disso, para ter lucros de 3 milhões de euros, o BPF teve de gastar quase 10 milhões de euros com pessoal e 6,2 milhões de euros em gastos administrativos, que inclui serviços externos. Assim, se por cada 1.000 euros de lucro a CGD registou gastos administrativos e com pessoal de 690 euros, já o ‘esfomeado’ BPF teve de ‘comer’ 5.367 euros em gastos administrativos e com pessoal por cada 1.000 euros de lucro. Saliente-se que os gastos com pessoal subiram cerca de 18% entre 2021 e 2022. Ainda não foram apresentados os resultados de 2023.
Esta absurda estrutura de custos do BPF tem uma explicação: criar um banco, independentemente da sua dimensão, implica um ‘custo fixo’ em termos de encargos com serviços financeiros (incluindo compliance e contabilidade), com assessoria jurídica e com tecnologias de informação, tanto de hardware como de software. E as duas administrações que já passaram por esta instituição bancária agora presidida por Ana Carvalho – e que acabou de celebrar um contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica para serviços ainda não completamente conhecidos – têm sido pródigas em gastos, e generosas na sua distribuição.
Ontem, a pretexto do contrato com a Universidade Católica, fonte do BPF referiu ao PÁGINA UM que, como o plano de actividades e orçamento de 2023 foi aprovado apenas em finais de Julho, apenas nos últimos meses do ano passado se concretizou “uma parte expressiva do início dos processos de contratações públicas”, salientando que foram desencadeados “456 procedimentos de contratação pública, com um investimento total de 4,21 milhões de euros”, dos quais 405 procedimentos, envolvendo 311.988 euros por ajuste directo simplificado e mais 34 por ajuste directo no valor de 1,1 milhões de euros. Em paralelo, o BPF efetuou quatro concursos públicos internacionais e nove nacionais, totalizando, respetivamente, 1,58 milhões e 962 mil euros.
Mas a estes somam-me muitos mais nos anos recentes. Incluindo período anterior à criação do BFP em 2020 por fusão de outras entidades – o banco ‘herdou’ o número de pessoa colectiva da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua –, já foram registados 268 contratos no Portal Base, dos quais 238 já como instituição bancárias.
Num agrupamento por tipologia feita pelo PÁGINA UM, de um total de 21,15 milhões de euros, os maiores gastos foram para equipamentos e serviços associados a tecnologia de informação, com cerca de 6,8 milhões de euros (32% do total), destacando-se os ganhos da Glintt (1,4 milhões de euros), a Hydra IT (quase 1,2 milhões de euros), a IDW (650 mil euros), a TCSI (418 mil euros) e a Divultec (358 mil euros).
A segunda maior tipologia de gastos foi para contratação de externa de serviços de assessoria financeira. Neste grupo destacam-se os contratos das consultoras Oliver Wyman (com 2,84 milhões de euros), Deloitte Risk Advisory (2,05 milhões de euros), KPMG (659 mil euros), Deloitte Consultores (334 mil euros) e ainda da Universidade Católica Portuguesa (720 mil euros, que inclui um pequeno ajuste directo de 20 mil euros em 2018).
No terceiro grupo de serviços mais gastadores estão as assessorias jurídicas, pagas sempre a peso de ouro e escolhidas invariavelmente a dedo. A vários dedos. E os beneficiários são sonantes, para repartir um ‘bolo’ que já vai em cerca de 4,2 milhões de euros, a começar pelo futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Em Janeiro de 2022, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro beneficiou de uma avença mensal que terminou em Dezembro do ano passado, amealhando 100 mil euros, a que acresceu o IVA. Também Pedro Rebelo de Sousa, o irmão do Presidente da República, já viu a cor do dinheiro saído do BPF. Por duas vezes, a Sociedade Rebelo de Sousa & Associados recebeu ajustes directos desta instituição bancária: primeiro em 2020, no valor de 79.560 euros, e no ano passado entraram mais 32.650 euros.
Mas Luís Montenegro e Pedro Rebelo de Sousa nem foram os advogados que mais receberam do BPF. Na lista de prestadores de serviços jurídicos, com contratos de mão-beijada, sem se saber ao certo aquilo que fizeram, estão conceituados escritórios de advogados como a Sérvulo & Associados (571 mil euros), a Cabeçais de Carvalho & Associados (270 mil euros), a Vieira de Almeida & Associados (254 mil euros), a Abreu & Associados (241 mil euros), a Santos Carvalho & Associados (179 mil euros), a Oliveira, Reis & Associados (168 mil euros) e a Andrade de Matos & Associados (120 mil euros).
Também com gastos relevantes estão os diversos seguros contratados, que já totalizam quase 1,4 milhões de euros, bem como as prestações de serviços de contabilidade, que se aproximam dos 824 mil euros. Para serviços de leasing de automóveis e transporte, a factura assumida pelo BPF ascende já aos 550 mil euros. E o marketing, sempre necessário, atinge, por agora, os 265 mil euros.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.