Não sei quantas vezes já confessei – começo a concluir ser um lamento – que sou ideologicamente de esquerda, por acreditar na bondade do Estado Social e no papel de um Estado solidário com os desfavorecidos e promotor da igualdade de oportunidades numa lógica distributiva e equitativa. O mercado tem falhas, e aceito a existência de uma entidade ‘suprema’ que nos preste esse serviço a troco de impostos ou da produção de bens.
Mas também já me vejo, vezes de mais, em demasia, frustrado com uma certa Esquerda que, tendo tido oportunidade de aplicar esses princípios do Estado Social, criou uma rede clientelar, promíscua e corrupta (moral e material), e acha agora, com um despudorado desplante, que os cidadãos são obrigados, agradecidos por cinco décadas de ’25 de Abril’, a continuar a gritar loas à Democracia que se deixou apodrecer, e ameaça que nos tornaremos todos fascistas, xenófobos, estúpidos e burros se olharmos para os apelos e acenos de partidos populistas.
Saibamos que o crescimento dos partidos populistas – mais do que um sinal de uma direita verdadeiramente xenófoba (que a há, e deve ser atacada por via legal) – pode advir de uma falsa, ou fátua, luz de esperança que surge perante mentes influenciáveis. Porventura, e permitam o dichote, políticos como Ventura e partidos como o Chega serão uma desilusão, mas hoje tornam-se, em muitos aspectos da vida em sociedade, a nossa única esperança (em castelhano, esperança diz-se ilusión), porque antes deles, tivemos todos os partidos ‘tradicionais’ que nos foram iludindo, e nos acabaram por meter num país de desilusões, e de desiludidos deprimidos.
No âmbito da pandemia, como cidadão e jornalista, através do PÁGINA UM, tenho procurado, não sozinho mas com pouquíssimo meios – porque a independência em Portugal não granjeia mecenas com milhões para apostar numa imprensa verdadeiramente livre –, confrontar os poderes instalados, o status quo, e abrir brechas em instituições públicas e privadas, denunciando irregularidades, ilegalidades e promiscuidades. Não com escritos populistas, nem com manipulações nem com as famigeradas fake news. Mas com artigos baseados em dados científicos, e sobretudo em pedidos incessantes que, em diversos casos, foi até onde se pode quando a Administração Pública é obscura e defende interesses não-públicos: os tribunais administrativos.
Valeu-me isso, além de uma corja de haters – que agora até já gastam minutos a usar o ChatGPT para compor supostos enredos de minhas caricaturas –, já três processos em tribunal a aguardar julgamento, dois processos disciplinares na amoral Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e umas quatro abjectas deliberações censórias da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Ossos do ofício. Até porque apesar de isto se fazer, ao velho e conhecido método SLAPP, tudo está bem para a a imprensa mainstream, que nada diz – até acho que acha bem, porque não morre de amores pelo PÁGINA UM, por mor das denúncias das suas promiscuidades e comprometimentos bem aceites pela ERC e pela CCPJ, apesar das aparências.
Este Editorial vem, assim, a propósito de uma minha derradeira esperança (ou ilusão) que deposito – e custa-me imenso admitir – no anúncio de André Ventura e do Chega em lançar, na próxima legislatura, um inquérito parlamentar à gestão da pandemia, tanto do ponto de vista da Saúde Pública como da Economia (um pleonasmo, porque não há Saúde sem meios financeiros). É bom recordar que o Chega já tentara a formação dessa comissão parlamentar no final do ano passado, mas ‘chumbada’ pela generalidade dos partidos (excepção à Iniciativa Liberal, porque, segundo a então maioritária bancada socialista “a sua aprovação apenas contribuirá para minar a credibilidade das instituições parlamentares”, defendendo que o Governo gastou “o dinheiro que foi preciso para salvar vidas”. Também convém recordar – e também não esquecer a ideia obtusa e racista de Ventura em criar uma ‘cerca sanitária’ às comunidades ciganas em Maio de 2020, no início da pandemia – que o Chega assumiu a intenção de criar uma comissão de inquérito, agora reforçada, em Janeiro passado, em plena campanha eleitoral.
Sinceramente, sobre a verdade na pandemia, não me interessam ideologias – pelo contrário, causam viés –, mas sim as intenções. Quero recordar que a pandemia da covid-19 foi a maior crise sanitária – e não apenas por causa do vírus – e a maior crise social das últimas décadas, que desencadeou uma galopante inflação (se bem que ‘detonando’ a partir sobretudo de 2022). E não pode ser esquecida para que volte tudo a repetir-se, e em pior grau se avançarem as regras do novo Tratado Pandémico, que pretende transferir soberanias para uma obscura Organização Mundial de Saúde (sequestrada por interesses farmacêuticos e fundações ‘cheias de boas intenções’) num sistema similar ao modelo chinês, onde o bem do formigueiro, ditado por uma elite, se sobrepõe sem pestanejar ao direito da formiga.
Mais do que uma gestão de uma crise sanitária, a pandemia abriu um mundo de oportunidades de dinheiro fácil e sem controlo. A alegada urgência e a especulação alimentada por ‘peritos’ comprometidos permitiu negociatas e promiscuidades – de que, aliás, o PÁGINA UM tem tratado -, um sem-número de atropelos constitucionais às liberdades e garantias, e pior do que tudo isto, criou-se um manto de silêncio, promovido por uma vergonhosa imprensa – prostituída (é esse o termo) aos dinheiros das farmacêuticas (as provas são tantas, porque se faz sem pudor) -, por uma Administração Pública de gestores sem ética (que escondem e manipulam informação, de forma hipócrita) e por uma Justiça com problemas de independência. Depois de se andar a contar ao minuto as mortes supostamente causadas pelo SARS-CoV-2 – nem sequer causando espanto que em Janeiro de 2021 se tivesse atribuído cerca de 40% das mortes totais à covid-19, um evidente exagero face ao histórico da doença –, a ausência de respostas sobre um excesso de mortalidade pós-covid, e a ausência de perguntas da imprensa, é uma vergonha para uma Democracia. Faz lembrar as cheias de 1967 durante o Estado Novo, quando nem se soube ao certo o número de vítimas.
Confesso, e isto depois de dois anos de trabalho com sete intimações nos tribunais administrativos: sinto-me, como cidadão e jornalista sedento de informação e de verdade, cansado de remar, não contra a maré, mas contra uma parede quase inquebrantável – e, por isso, o inquérito parlamentar anunciado pelo Chega parece-me um bálsamo, uma esperança – a minha ilusión.
Faço esta declaração com um grande pesar (até ideológico), porque, ao longo dos últimos dois anos, eu e o PÁGINA UM – contra ataques soezes e a passividade absoluta e comprometida da generalidade da imprensa mainstream – procurámos exercer, dentro dos direitos e instrumentos de cidadania que uma Democracia nos fornece, uma das funções elementares do Jornalismo: obter informação em bruto sobre a pandemia para a analisar e fazer notícias. Não é para isto que serve a Imprensa?
Batemos às portas de instituições, sempre fechadas, e mesmo da Justiça – e, até agora, em sete processos de intimação associados directa ou indirectamente com a pandemia, mesmo com supostas vitórias em tribunal, tudo englobado temos apenas uma ‘mão-cheia de (quase) nada’.
Uma ‘mão-cheia de (quase) nada’ no meio de processos supostamente urgentes, mas que se prolongam por dois anos nos tribunais administrativos, fruto de subterfúgios e mentiras da Administração e perante, em alguns casos, juízes que aparentam estar tecnicamente impreparados sobre o que são bases de dados e sobre a própria aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que hoje constituiu o mais apetecível álibi da Administração Pública para se esconder informações sensíveis.
Vejam, em baixo, uma pequena resenha daquilo que o PÁGINA UM tem feito – e o muito pouco que tem conseguido, mesmo se gastámos – com o advogado Rui Amores, que tem intervindo em dezenas de requerimentos – e do que tem conseguido. Por isso, o inquérito parlamentar do Chega é, na verdade, de uma importância vital, até para obrigar os restantes partidos a esclarecerem-nos se a verdade, e a sua busca, é coisa de somenos importância numa Democracia plena.
1 – Em 20 de Abril de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação para acesso ao Portal RAM, uma base de dados sobre reacções adversas de medicamentos gerida pelo Infarmed para aceder à informação sobre as vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. Num rocambolesco processo no Tribunal Administrativo, onde a juíza chegou a recusar aceitar documentos que provavam as mentiras do Infarmed e a anonimização dos dados, o recuso à sentença (saída no dia 8 de Março de 2023), anda a marinar no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) há mais de um ano. De acordo com o registo da distribuição dos processos, apenas em 26 de Fevereiro passado, o recurso foi distribuído à desembargadora Joana Matos Lopes Costa e Nora. Os processos de intimação são considerados urgentes, mas este caso percorre tribunais administrativos há 23 meses.
2 – Em 27 de Maio de 2022, o PÁGINA UM interpôs uma intimação contra a Direcção-Geral da Saúde para acesso a duas bases de dados – o Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO) e o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) –, e a diversa informação epidemiológica associada à pandemia, entre as quais incidência e mortalidade nos lares de idosos, taxas de letalidades em função das variantes, infecções nosocomiais em unidades hospitalares, pareceres e actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Num processo rocambolesco, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa indeferiu a generalidade dos pedidos, considerando em alguns casos que a informação tinha sido dada (quando claramente não foi), noutros que a informação detinha demasiados dados nominativos (sem explicar o que é demasiado, quando os dados até são anonimizados), noutros assumiu que os processos estavam ainda em curso. O único pedido deferido foi o acesso às actas da CTVC, mas a DGS assumiu que estas, afinal, não existiam, o que constitui uma ilegalidade de funcionamento. O PÁGINA UM apresentou um recurso da sentença saída em 30 de Setembro de 2022, mas este apenas foi distribuído no TCAS à desembargadora Marta Cação Rodrigues Cavaleira este ano, no passado dia 17 de Janeiro. Se descontarmos o tempo do primeiro pedido do PÁGINA UM, ainda antes do seu nascimento formal em Dezembro de 2021 e mesmo o período de emissão de pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, decorreram quase 22 meses a decidir um processo considerado urgente.
3 – Em 4 de Junho de 2022, o PÁGINA UM solicitou ao Ministério da Saúde acesso a documentos relacionados com a pandemia trocados entre esta entidade e diversas entidades nacionais e internacionais, listadas no requerimento, nomeadamente a Direcção-geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, a Presidência da República, empresas farmacêuticas, a Comissão Europeia e a Agência Europeia do Medicamento. Em suma, pretendia-se analisar os arquivos da pandemia. A intimação foi indeferida, considerando que o pedido era manifestamente excessivo, abusivo e inexequível.
4 – O processo de intimação sobre a Administração Central do Sistema de Saúde é o caso mais absurdo. Começou após esta entidade ter retirado do Portal da Transparência do SNS a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar em Agosto de 2022, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamentos e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia. O PÁGINA UM requereu não apenas a reposição dessa base de dados como também o acesso a uma base de dados fundamental para a aferir os internamentos hospitalares: a base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) – e teve de recorrer a uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em 19 de Agosto de 2022. Em 24 de Novembro desse ano, uma sentença deste tribunal deu razão ao PÁGINA UM. A ACSS recorreu e perdeu no TCAS em acórdão de 4 de Janeiro de 2023. A ACSS voltou a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, que manteve a decisão favorável ao PÁGINA UM em acórdão de 1 de Junho de 2023. Mesmo assim a ACSS foi procrastinando o acesso alegando a necessidade de anonimizar uma base de dados que não contém, per si, dados nominativos por estarem anonimizados. E tem procurado todos os subterfúgios em sede de execução de sentença (intentada pelo PÁGINA UM em 20 de Julho do ano passado) para evitar o cumprimento de uma sentença e dois acórdãos, suscitando uma infindável argumentário para levar a crer ao tribunal administrativo que pode manipular e mutilar uma base de dados de sorte a torná-la inútil. O mais recente episódio desta ‘novela’ surgiu em finais de Fevereiro deste ano, quando o novo juiz do processo, em substituição da anterior – que subiu para o TCAS – solicitou que o PÁGINA UM o informasse, apesar de estar tudo no processo, se a ACSS tinha cumprido a sentença e os dois acórdãos. Este caso é exemplar da atitude da Administração Pública: uma sentença e dois acórdãos depois, e transcorridos 19 meses, não se cumpre o determinado pelos tribunais, esperando-se uma desistência (por cansaço) ou a decisão de um juiz mais ‘simpático’.
5 – Em 1 de Setembro de 2022, após a recusa do presidente do Instituto Superior Técnico (IST) em ceder os relatórios de previsão sobre a evolução epidemiológica, claramente alarmistas e de cientificidade muito duvidosa, o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Por sentença de 27 de Janeiro de 2023, a juíza deu razão ao PÁGINA UM, mas em vez de se debruçar sobre todos os relatórios, conforme solicitado, apenas se pronunciou sobre o último relatório do IST, o que suscitou recurso de ambas as partes. O processo apenas subiu para o TCAS em Maio de 2023, mas depois esteve a marinar mais uns meses: apenas foi distribuído ao desembargador Marcelo da Silva Mendonça no passado dia 26 de Fevereiro. Apesar de ser um processo considerado urgente, esta intimação corre nos tribunais administrativos há já mais de 18 meses.
6 – No último dia do ano de 2022, o PÁGINA UM apresentou uma intimação contra o Ministério da Saúde para acesso à totalidade dos contratos entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Quatro desses contratos encontravam-se inseridos no Portal Base, mas foram retirados depois da intimação do PÁGINA UM por ordens do Ministério da Saúde. No decurso do processo, o Ministério da Saúde, após ter, de forma patente, mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa, acabou por suscitar a eventual incompetência do direito nacional em dirimir esta questão, alegando que os contratos de compra pela DGS se encontram inseridos nos acordos secretos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas. A decisão em primeira instância pela juíza do processo ainda não foi tomada mais de 12 meses depois do início, mesmo se as intimações desta natureza são consideradas urgentes.
7 – Em 18 de Dezembro de 2023, o PÁGINA UM intentou uma intimação contra a Ordem dos Médicos para, entre outros documentos, o acesso a dois pareceres do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos de Agosto e Outubro de 2021 relacionados com a vacinação contra a covid-19 em menores de idades, que tinham sido ocultados pelo anterior bastonário Miguel Guimarães, eleito agora deputado pelo PSD. Uma sentença de 21 de Fevereiro deste ano determinou que a Ordem dos Médicos teria de facultar o acesso aos pareceres, mas até agora o actual bastonário, Carlos Cortes, não cumpriu a sentença.
Vejamos se, com o inquérito parlamentar do Chega – e espero que com o apoio da generalidade dos deputados dos diversos quadrantes políticos e ideológicos –, estes impasses informativos se dissolvem, porque será essencial para o apuramento de uma verdade necessária para a Democracia. O silêncio e o encobrimento nunca enobrecem uma Democracia. E se o Chega está mesmo com boas intenções – a intenção de saber a verdade – e não quer ser um mero partido populista (que implode num próximo processo eleitoral), tem aqui um belo teste para a sua renovada bancada. Estejamos atentos, e esperançosos de que não sairemos desiludidos. E atento ao resto das suas políticas, na mesma linha de ‘fiscalização’ que merecem os demais.
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