Contrato de mão-beijada em 2021 sucedeu a concurso público com todos os concorrentes excluídos

Açores: SATA gasta 1,8 milhões de euros em ajuste directo de segurança ‘escondido’ durante três anos

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por Pedro Almeida Vieira // Março 20, 2024


Categoria: Res Publica, Exame

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[Nota 17:08 de 21/03/2024: por lapso, no cálculo do valor global do contrato, considerou-se o IVA de 23%; na verdade, nos Açores o IVA dos serviços é de 16%, pelo que, sendo o contrato sem IVA de 1.470.714 euros, o valor global foi de 1.7096.028,24 euros, ou seja, cerca de 1,7 milhões de euros, e não cerca de 1,8 milhões de euros (que seria com IVA a 23%. O mesmo sucede com o valor do contrato de 2017. Alteraram-se os valores no corpo do texto, que não têm relevância significativa, mas manteve-se o título por uma questão de ‘integridade’ da notícia]


A subsidiária do Grupo STA que gere as pistas do arquipélago dos Açores escondeu, durante mais de três anos, a divulgação de um ajuste directo de 1,7 milhões de euros para serviços de segurança dos aeródromos das ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo. Os serviços englobavam segurança privada no âmbito aeroportuário, para os postos de controlo, de acessos de pessoas, de viaturas, de bagagens, de carga e correio e de artigos transportados, com vista à proteção de pessoas e bens, assim como à prevenção da prática de atos ilícitos contra a aviação civil.

De acordo com o Portal Base, a SATA – Gestão de Aeroportos somente ontem, dia 19 de Março, inseriu o registo do contrato com a empresa açoriana Provise que foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2021 – ou seja, há mais de 37 meses. Como o ajuste directo tinha a duração de 36 meses, significa que a empresa pública somente divulgou o contrato um mês depois daquele ter terminado. O Código dos Contratos Público estipula que as entidades públicas adjudicantes têm a obrigação de inserir a informação dos contratos por ajuste directo no prazo máximo de 20 dias úteis.

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Além deste atraso, e porque a administração do Grupo SATA não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, ignora-se as razões para ter sido a Provise a escolhida para os serviços de segurança, uma vez que tal ocorreu após todas as candidaturas apresentadas num concurso público lançado no início de 2020 terem sido excluídas, conforme consta na fundamentação do ajuste directo de 2021.

Saliente-se que a Provise – que também terá sido excluída do concurso público em 2020 – foi a empresa contratada por concurso público em 2017 – divulgado, neste caso, e curiosamente, apenas três dias depois da assinatura do contrato – por um prazo também de três anos, mas por um valor substancialmente mais baixo: cerca de 1,01 milhões de euros, com IVA incluído. Ou seja, o ajuste directo teve um custo de 68% superior ao do contrato de 2017, que terminou no início de 2020.

A SATA – Gestão de Aeródromos, é uma das três subsidiárias do Grupo SATA, sendo, tal como a holding, fortemente deficitária. Em 2022 registou um prejuízo de 511 mil euros, por uma razão de ‘mercearia’: os serviços prestados nos aeroportos e aeródromos açorianos renderam uma receita de um pouco menos de 3,5 milhões de euros, mas para tal gastou-se quase 1,2 milhões de euros e mais 3,2 milhões de euros em fornecimentos e serviços externos. No ano anterior, o prejuízo foi de apenas 10.494 euros, mas por via de um subsídio à exploração de 547.117 euros do Governo Regional, que não se repetiu em 2022.

A situação do Grupo SATA, porém, é muito pior em termos de resultados consolidados. Em 2021 e 2022 registaram um prejuízo acumulado de quase 95 milhões de euros, mas mesmo assim ‘maquilhados’ com subsídios à exploração próximos de 89,6 milhões de euros, uma parte por via do contrato de serviço público (para compensar a Tarifa Açores, que beneficia os passageiros com residência fiscal nos Açores), que só em 2022 atingiu os 28 milhões de euros, e outra grande parte por via do contrato de concessão com o Governo Regional dos Açores. Em suma, sem ajudas estatais, a transportadora aérea dos Açores apresentaria um prejuízo, em apenas dois anos, de quase 185 milhões de euros. Nesse ‘oceano’ de prejuízos, um estranho ajuste directo de 1,8 milhões esquecido durante três anos é, na verdade, uma ‘gota de água’.

O contrato celebrado pela SATA e a Provise integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 19 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

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Ontem, dia 19 de Março, no Portal Base foram divulgados 1015 contratos públicos, com preços entre os 3,40 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, ao abrigo de acordo-quadro – e os 139.000.000,00 euros – para fornecimento, instalação, montagem e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino de telecomunicações, pela Infraestruturas de Portugal, através de consulta prévia.

Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 12 por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e três por ajuste-directo.

Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 25 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: SATA – Gestão de Aeródromos (com  a Provise, S.A., no valor de 1.470.714,00 euros); 11 do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (dois com a Novo Nordisk, um no valor de 606.765,60 euros, e outro no valor de 405.135,96 euros, dois com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, um no valor de 526.224,00 euros, e outro no valor de 323.266,14 euros, seis com a Regina – Lavandarias Industrial, um no valor de 436.506,75 euros, outro no valor de 247.924,50 euros, outro no valor de 232.417,77 euros, outro no valor de 166.956,50 euros, outro no valor de 135.539,50 euros, e outro no valor de 132.077,40 euros, e outro com a Sá Limpa – Facility Services, no valor de 197.656,26 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Vantive, Lda., no valor de 492.731,25 euros); Município de Elvas (com a Fidelidade – Companhia de Seguros, no valor de 418.137,68 euros); Município de Vila Nova de Gaia (com a Toyota Caetano Portugal, no valor de 399.920,00 euros); Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (com a Gilead Sciences, no valor de 360.000,00 euros); Câmara Municipal de Serpa (com a Monumenta – Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, no valor de 299.413,00 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Getinge Group Portugal, no valor de 215.500,00 euros); dois do Município de Cascais (um com a OG Solutions, Consultoria de Gestão, no valor de 198.750,00 euros, e outro com a Deloitte Tax – Economistas Especialistas em Fiscalidade, no valor de 123.000,00 euros); Unidade Local de Saúde de São José (com a Regina – Lavandarias Industrial, no valor de 171.480,00 euros); dois do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (um com a Daiichi Sankyo Portugal, no valor de 134.400,00 euros, e outro com a Biogen Portugal, no valor de 126.023,66 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a Fresenius Kabi Pharma Portugal, no valor de 103.080,00 euros); e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (com a Transalpino – Viagens e Turismo, no valor de 100.000,00 euros).


TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 19 de Março

1Empreitada de construção, instalação e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino

Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

Adjudicatário: Alcatel Submarine Networks

Preço contratual: 139.000.000,00 euros

Tipo de procedimento: Consulta prévia


2Empreitada de dragagens de manutenção nos canais, bacias e docas de recreio do Porto de Lisboa

Adjudicante: APL – Administração do Porto de Lisboa

Adjudicatário: Dravo, S.A.

Preço contratual: 7.816.600,00 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


3Empreitada de reabilitação de 33 habitações

Adjudicante: Município de Coimbra

Adjudicatário: M. Kairos – Engenharia e Construção

Preço contratual: 4.890.000,00 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


4Aquisição de medicamentos

Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Santa Maria

Adjudicatário: Astrazeneca – Produtos Farmacêuticos

Preço contratual: 4.079.942,17 euros

Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


5Construção de edifício destinado a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, Centro de Dia e Serviços de Apoio Domiciliário

Adjudicante: São Pedro – Centro Social da Sobreira

Adjudicatário: Tree Civil, Lda.

Preço contratual: 1.996.101,19 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 19 de Março

1 Aquisição de serviços de segurança da aviação civil nos aeródromos das Ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo

Adjudicante: SATA – Gestão de Aeródromos

Adjudicatário: Provise, S.A.

Preço contratual: 1.470.714,00 euros


2Aquisição de medicamentos e outros produtos farmacêuticos

Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

Adjudicatário: Novo Nordisk – Comércio de Produtos Farmacêuticos

Preço contratual: 606.765,60 euros


3Prestação de serviços de fornecimento de alimentação

Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

Adjudicatário: Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados

Preço contratual: 526.224,00 euros


4Prestação de serviços de programa de diálise peritoneal

Adjudicante: Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira

Adjudicatário: Vantive, Lda.

Preço contratual: 492.731,25 euros


5Prestação de serviços de lavagem e tratamento de roupa hospitalar e fardamentos

Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

Adjudicatário: Regina – Lavandarias Industrial

Preço contratual: 436.506,75 euros


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