'Fim de festa': Autorizações e reprogramações envolvem 1,7 mil milhões de euros

Governo Costa condiciona Governo Montenegro com 20 resoluções de ‘última hora’

por Pedro Almeida Vieira // Março 29, 2024


Categoria: Exame

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Luís Montenegro ganhou as eleições legislativas e já formou Governo. Mas, antes disso, António Costa teve uma derradeira palavra a dizer e resolveu ‘queimar os últimos cartuchos’ sob a forma de 20 Resoluções de Conselho de Ministros (RCM) nos dias 21 e 24, que ontem foram publicados em Diário da República. Não foi coisa pouca: envolvem um volume de despesas públicas da ordem dos 1,7 mil milhões de euros. Segundo um levantamento do PÁGINA UM, de entre as duas dezenas de RCM – que se tornaram uma forma corriqueira de governar por parte de António Costa –, 12 constituem autorizações para realização de despesa em institutos, empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas. Como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples RCM – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai, assim, manter-se em muitos sectores nos próximos anos.


Foi uma semana bastante produtiva a última em acção do Governo socialista cessante. Em quatro dias somente António Costa compôs, entre outros diplomas, um total de 21 Resoluções de Conselho de Ministros, praticamente todos com forte impacte financeiro e, em muitos casos, até condicionando da acção do novo Governo de Luís Montenegro, porque têm incidência em programas plurianuais. A sofreguidão do Governo Costa foi tal que alguns dos diplomas saíram de um Conselho de Ministros extraordinário em regime electrónico no passado domingo.

Tamanho afã governamental, levaram mesmo os serviços da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que produzem o Diário da República, a trabalho redobrado. Uma parte das Resoluções de Conselho de Ministros tiveram de passar para dois suplementos da 1ª série da ‘edição’ de ontem. O ‘tomo’ principal ficou cm 93 páginas, enquanto um dos suplementos ocupou 27 páginas e o outro mais 51, embora neste caso quase todo ocupado por uma portaria que estabeleceu as normas do regime de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual.

António Costa e Luís Montenegro.
(Foto: D.R./ Foto oficial de António Costa)

De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, de entre as 20 Resolução com impacte financeiro e até orçamental, 12 constituem autorizações de realização de despesa por parte de institutos e empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos também com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas.

Embora com alguma (pequena) margem de erro, porque algumas reprogramações podem não ter um impacte financeiro por se tratar de reajustamentos plurianuais, as derradeiras medidas do Governo Costa ‘mexem’ num impressionante montante: mais de 1,7 mil milhões de euros. E como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples Resoluções de Conselho de Ministros – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai manter-se em muitos sectores nos próximos anos.

Dois dos sectores onde tal será mais evidente são os investimentos na ferrovia e na habitação. O novo ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, estará ‘agarrado’ a três decisões do Governo de António Costa sobre a afectação de verbas específicas do Fundo Ambiental e do Orçamento do Estado para o Plano de Investimento em Material Circulante por parte da CP.

(Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)

Um dos diplomas concede, desde já, autorização à empresa pública para proceder á repartição de encargos plurianuais, até 2032, num montante total de cerca de 746 milhões de euros. Por exemplo, para o Orçamento do Estado do próximo ano, o Governo de Luís Montenegro será já obrigado a incluir uma verba específica de 50 milhões de euros para dar cumprimento a esta Resolução.

Também é o Governo de António Costa que, em ‘fim de festa’ determinou a repartição em concreto das verbas que o Fundo Ambiental, que será tutelado pela nova ministra Maria da Graça Carvalho, deverá entregar à CP. A título de exemplo, este ano serão 78,5 milhões de euros e no próximo mais 82,6 milhões.

Ainda no sector dos transportes, mas neste caso em benefício do Metropolitano de Lisboa, foi também António Costa – que, desde Novembro acumulava a tutela das Infraestruturas – que decidiu já as compensações financeiras anuais a atribuir até 2030 pelo Estado no âmbito das obrigações de serviço público. Por ordem do Governo socialista, o Governo da Aliança Democrática terá de entregar este ano ao Metropolitano de Lisboa um total de 4.259.786 euros, e se continuar a durar em 2025 serão mais cerca de 18,3 milhões de euros. Nos próximos sete anos, a Resolução de Conselho de Ministros de 21 de Março, apenas assinada por Mariana Vieira da Silva, fixou pagamentos à empresa pública de 73,7 milhões de euros.

(Foto: PÁGINA UM)

No caso do sector da habitação, Miguel Pinto Luz vai, em termos práticos, ser obrigado a cumprir a estratégia do Governo socialista. A Resolução de Conselho de Ministros autorizou o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a realizar a despesa e a assumir os encargos plurianuais de mais 390,5 milhões de euros no âmbito da contratualização do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, e que visa, em princípio, a construção das 26 mil habitações. Para 2025 e 2026, Luís Montenegro terá de garantir 190,25 milhões de euros em cada um destes anos para este programa habitacional, assim o determinou António Costa nos seus últimos dias como primeiro-ministro.

Acresce ainda, no sector da habitação, mas neste caso para residências de estudantes universitários, duas autorizações de despesa concedidas à Construções Públicas (ex-Parque Escolar).  A primeira para se gastar quase 17 milhões de euros num edifício na lisboeta Avenida 5 de Outubtro. A segunda para se gastar um pouco menos de 6,6 milhões de euros na reabilitação de um edifício em Seia. Os prédios pertencias ao Subfundo ImoResidências, da Estamo, dissolvido recentemente.

O sector da Saúde também teve decisões de última hora por parte do Governo Costa. Além da confirmação de mais compras de vacinas contra a covid-19 até 2026, no valor de 210 milhões de euros – que terão, em grande parte, o lixo como destino, por ser já escassa a procura face aos compromissos assumidos pela Comissão Europeia –, houve muitas decisões para obras em hospitais.

A última reunião de Conselho de Ministros ordinária do anterior Governo contou a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)

No caso da reprogramação dos encargos plurianuais do Programa de Investimentos na Área da Saúde, foram incluídas autorizações de despesas para o alargamento e remodelação das instalações da urgência polivalente da Unidade Local de Saúde de Viseu Dão-Lafões (8,06 milhões de euros), aquisição de acelerador linear para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,9 milhões de euros), a requalificação das instalações do Hospital de Conde de São Bento, em Santo Tirso (6,45 milhões de euros), o projeto de eficiência energética no Centro Hospitalar do Baixo Vouga (2,41 milhões de euros), a construção de uma central térmica no Hospital de Santa Maria (8,95 milhões de euros), a reabilitação dos sistemas energéticos do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,26 milhões de euros) e a requalificação do edifício de cirurgia do Instituto Português de Oncologia de Coimbra (38,3 milhões de euros).

Ainda no sector hospitalar, o Governo Costa aprovou a realização, ainda para este ano, de gastos por parte da Administração Central do Sistema de Saúde no valor de cerca de 16,1 milhões de euros, no quadro de um acordo de prestação de cuidados de saúde com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em duas unidades de saúde: o centro de reabilitação de Alcoitão e o Hospital Ortopédico de Sant’Ana.

Por fim, ainda houve mais três Resoluções relacionadas com a logística e aquisição de fármacos, um dos quais a próxima ministra da Saúde, Ana Paula Martins, até ‘agradecerá’ por não ser ela a tomar. Trata-se de uma aquisição de compra, ao longo deste ano, de cerca de 1,6 milhões de euros do polémico antiviral remdevisir, para tratamento da covid-19, que é comercializado sob a marca Veklury, pela Gilead. Ana Paula Martins foi um quadro de topo desta farmacêutica entre Fevereiro de 2022 e Janeiro de 2023. Nesta Resolução integra-se também a compra de outros “medicamentos contra a covid-19” não especificados, mas feito no âmbito de acordos celebrados, e mantidos em segredo, que atingiram os 22,7 milhões de euros desde 2022.

Ana Paula Martins (Foto: Captura a partir de vídeo da AR-TV)

No sector da segurança, o Governo de António Costa já ‘avançou’ com o trabalho da nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco já não se terá de preocupar demasiado com a aquisição de serviços de suporte à Rede Nacional de Segurança Interna. Ou, pelo menos, ficará a saber que o Governo socialista determinou já vai tudo vai ficar em cerca de 63 milhões de euros, sendo que este ano se gastará apenas 5,2 milhões de euros, mas depois 12,8 milhões de euros em cada ano do quadriénio 2025-2028, terminando em 2029 com um gasto final de 6,4 milhões de euros.

Além de autorizações para gastos em campanhas de sensibilização na área dos resíduos – onde o Governo Costa determinou ‘autorizar’ que o Governo Montenegro venha a gastar cerca de 10,7 milhões de euros, através do Fundo Ambiental e da Agência Portuguesa do Ambiente – e de autorizações para a aquisição de computadores por escolas e de aquisição de serviços de gestão do centro de contacto do Instituto de Segurança Social, houve também lugar, nesta recta final do Governo socialista, em garantir despesa para obras em duas universidades.

Para uma residência de estudantes, a Universidade de Lisboa obteve autorização para avançar com uma empreitada de 6 milhões de euros, cujas obras deverão estar concluídas no próximo ano.

Já a Universidade de Coimbra recebeu duas benesses na recta final do Governo socialista: a primeira para avançar com a empreitada de edificação da nova biblioteca da Faculdade de Direito, no valor de 28,1 milhões de euros; e a segunda para reprogramar a despesa de outra empreitada, dessa vez de quase 22,3 milhões de euros, no decurso da construção do Centro de Excelência em Investigação do Envelhecimento.


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