Tinta de Bisturi

Os do “fascismo nunca mais” e a liberdade

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Por um processo doente e travesso fui descobrindo como um discurso com memória de postal se sobrepõe à realidade. A memória de postal é a imagem de coisas que vimos, mas não visitámos. É a memória fotográfica da infância que assumimos na adultez como vivenciada, mas é um embuste da memória. A larga maioria do vivido até aos seis anos é esquecido. A ideia de que se recorda de mamar é uma irrealidade.

Neste processo de recordação, as pessoas tendem a não perdoar. As pessoas que valorizam o trauma e dão primazia à dor (involuntariamente ou não) sofrem obviamente mais que as do copo meio cheio. Esta capacidade inata para o optimismo ou a visão benigna foi levada à hipérbole no filme de “A Vida é Bela” sobre o judeu Guido Orefice.

Roberto Benigni, realizador de ‘A Vida é Bela’, numa das cenas do filme no qual é também protagonista.
(Foto: D.R.)

Já os do copo meio vazio observam sempre a borra do café, excluem todos os brindes para lá do estritamente pedido, desgostam de mudanças, insistem teimosos na sua observação icónica. Para eles os outros têm culpa. A culpa nunca é deles.

Os do “fascismo nunca mais” pertencem a este plano inclinado onde o mundo se divide em bons e maus e os primeiros nunca cometeram crimes.

 Já agora, os bons são sempre, e somente, eles. A visão retorcida de um mundo onde Estaline não cometeu erros, onde as barbaridades pintadas de ideologia socialista se justificam por um bem maior. Para eles a culpa não tem fim. Os do holocausto foram os alemães, e, portanto, desconfiam de todos eles. A visão retalhada da história onde o genocídio de 1994, em cem dias, de oitocentos mil tutsis no Ruanda, pela mão dos comandados por Agathe Habyarimana foi encoberto pelo partido socialista francês, não conta! O genocídio de mais de cento e cinquenta mil alemães em Dresden, depois da rendição em 1945, não conta. Foi uma ordem trabalhista. O Holodomor entre 1931 e 1933 que matou milhões de ucranianos, às ordens de Estaline, não existiu. A morte dos opositores de Fidel Castro não existiu. O mundo da esquerda foi-se pintando desta maré de lavar os erros dos bons e colocar à tona os dos maus.

E o que é a expiação de culpa? Depois dela continua a mágoa e o crime? Os crimes de direita, admitindo como só existindo esses, não prescrevem? Os assassinatos do Primo de Rivera são eternos e os da Dolores Ibarurí (a Pasionara) prescrevem?  A ela se atribui a frase: “Más vale matar a cien inocentes que dejar escapar a un solo culpable”. Uma doçura!

Monumento em Memória das Vítimas do Comunismo, em Praga, República Checa. (Foto: D.R.)

É por esta forma viciada de observar o mundo que os do fascismo nunca mais defendem agora a coartação da liberdade na internet, a redução da informação às verdades que eles escolhem, os discursos inflamados contra todos os que não são os bons. A unidade dos partidos de esquerda em Portugal é um sintoma desta perniciosa realidade. Todos utilizam estribilhos ofensivos e arrogantes contra os partidos de direita. Os maus (sempre a direita) querem as trevas, o obscurantismo, o fim do SNS, o fim da educação para todos. Na realidade, nada disto é verdadeiro e nada disto tem respaldo programático ou da prática recente.

Recentemente um velho conhecido escrevia-me – “não quero que os meus amigos leiam o que tu escreves” – e assim me retirou dos seus espaços sociais. O democrata, que teve liberdade de usar o meu espaço sempre que quis, e dizer o que lhe apeteceu, censurou-me! Diz-se de esquerda, como habitual. É um dos do “fascismo nunca mais” desde que mande eu! Direi como Dolóres Ibarrúri – No pasarán!

Diogo Cabrita é médico


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