OPINIÃO

Carta de António Costa, director do ECO (e resposta)

por António Costa // Abril 8, 2024


Categoria: Opinião

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Caro Pedro

Sigo com particular interesse o trabalho que têm desenvolvido no PÁGINA UM, um projeto com um modelo de negócio muito diferente de outros, o que prova que há espaço para vários formatos de jornalismo e que respondem a formas muito diferentes de levar notícias aos leitores. 

Considero, aliás, particularmente importante o trabalho jornalístico que têm desenvolvido em relação a temas como a covid-19 e as restrições à liberdade que nos foram impostas, também quanto a mim excessivas face às necessidades e longe de garantirem os resultados propagandeados. Assim como o escrutínio às contas dos grupos de comunicação social. Se o nosso papel é escrutinar os poderes, temos também de prestar contas e aceitar o escrutínio sobre o nosso próprio trabalho, e nas várias dimensões: A editorial e também a económica e financeira. 

person holding smartphone

Li com atenção o texto que escreveu sobre a nomeação do novo secretário de Estado da Presidência, Rui Armindo Freitas, e as ilações que retira na sequência dos resultados económicos e financeiros da Swipe News. O texto não é bem uma notícia, tem factos, mas também opinião e processo de intenção que justificam esta minha mensagem — que está autorizado obviamente a usar, só lhe pedindo que, se o fizer, a publique na íntegra; e não, isto não é um direito de resposta ao abrigo da lei [da imprensa], é apenas um comentário construtivo e que tenta ajudar os leitores da PÁGINA UM com informação e enquadramento que estão ausentes da texto que fez. É também, ainda mais importante um direito de defesa do trabalho de uma redação e de todos os trabalhadores.

O Pedro cita factos indesmentíveis: Rui Armindo Freitas foi vogal e presidente do CA [conselho de administração] e é também um acionista absolutamente minoritário da Swipe News. Obviamente não respondo por um acionista que passou a governante, mas considerar “larga experiência” de media uma presença não executiva num conselho de um jornal que nasceu em 2016 não será exatamente o que poderíamos classificar de rigor jornalístico. Eu tenho 32 anos de profissão, o que será então esta experiência? Depois, os resultados da Swipe, editoriais e económico-financeiros, são devidos em particular aos promotores executivos, portanto, a mim próprio, e não aos administradores não-executivos e menos ainda a acionistas que se limitam a aprovar contas anuais e demais atos competência de assembleia geral. Devo acrescentar que os acionistas do ECO são conhecidos desde o primeiro dia, com total transparência. 

Começo, de qualquer forma, pelo fim: o Pedro faz um processo de intenções sobre prejuízos e a conversa sobre ajudas públicas. Deveria saber, e isso, neste contexto, justificava uma evidente referência, que o ECO recusou os apoios públicos que foram dados aos meios no quadro da pandemia. Fomos um dos dois meios que recusou a ajuda. Por convicção, independentemente do valor. Os órgãos de comunicação social devem escrutinar o poder político e não receber fundos decididos por governos. Cria no mínimo um risco de perceção de independência, mas cada um sabe de si. O ECO recusou, e voltará a recusar se a ajuda não for dada diretamente ao leitor. Mas o Pedro faz um processo de intenção que não é, permita-me também o escrutínio do que escreve, intelectualmente honesto nem justo: Faz uma relação entre membros do Governo e a sua passagem pela Swipe News com “o debate para eventualmente salvar com dinheiros públicos (leia-se dinheiro dos contribuintes) modelos de negócio de empresas de comunicação social com resultados económicos desastrosos”. Como escrevi, não subscrevemos esse modelo de negócio (se é que o podemos chamar assim). 

António Costa, director do ECO desde a sua fundação.

O ECO tem sete anos, um período de vida ainda curto para um meio de comunicação social. Não sei exatamente o que considera “resultados económicos desastrosos”, mas o nosso plano previa – e prevê – um equilíbrio operacional ao fim de sete anos. Na verdade, as contas de 2023, já fechadas mas a aguardar aprovação da AG [assembleia geral], ainda ditam um prejuízo operacional, mas muito menor do que em 2022, próximo do equilíbrio, como terá oportunidade de confirmar em breve. Não, não é, como tenta adivinhar (num texto que se apresenta como notícia), mais meio milhão de euros de prejuízo. 

Além disso, obviamente, o consumo de capital acionista – 4,6 milhões como é publico – não é o mesmo que prejuízos acumulados, como refere. Será seguramente um lapso, admito. Mas qualquer euro de prejuízo é sempre muito. Enquanto acreditar no caminho a seguir, e enquanto os leitores quiserem ler o ECO, continuaremos a fazê-lo, com todas as dificuldades que se apresentem. 

Uma coisa é certa: nestes primeiros sete anos, o negócio do ECO resultou de publicidade e financiamento acionista. Não temos dívidas ao Estado, não aceitamos fundos públicos, nem sequer fizemos lay-off no período da pandemia, como sucedeu noutros meios. E não, como escreve erradamente, o ECO não vive de financiamento bancário, simplesmente porque não o tem, apenas de acionistas. Volto a repetir: Não temos dívidas ao Estado nem à banca.

O ECO tem mais de 25 jornalistas, portanto um criador de emprego num setor reconhecidamente difícil do ponto de vista do negócio, mas que depende em primeiro lugar da qualidade do jornalismo que se faz. E continua a crescer em receita e audiência. A operação económica e financeira é difícil? Claro que é. O ECO está a fazer um caminho para a sustentabilidade económica e financeira. O recente aumento de capital foi mais um passo, e outros se seguirão. Para garantir um objetivo estratégico, a situação líquida positiva. E as condições para continuar a investir em pessoas, e para pagar melhores salários.

Ainda há dias um meio de comunicação social anunciava o seu fim por razões “exclusivamente financeiras”. Obviamente uma falácia, porque se não há receitas para pagar a estrutura – sejam elas comerciais, de subscritores ou de acionistas, ou tudo somado – é porque o meio não está a corresponder às necessidades de informação dos leitores a que se dirigirá. Mas também tenho curiosidade em saber quais são as receitas da PÁGINA UM e os seus custos (confesso que não fui ao portal da ERC para ver as contas) e quantos jornalistas tem a trabalhar em exclusivo. Paga-se? Tem prejuízos? Qual é o salário médio bruto no PÁGINA UM? 

two black headphones on brown wooden table

Última nota para a referência às várias marcas do ECO – devidamente registadas na ERC – como meios de brand content. Talvez não seja leitor regular das notícias publicadas por meios como a Advocatus, o Capital Verde ou o ECO Seguros. O ECO identifica de forma clara o que é branded. Estes meios são especializados nestas áreas, têm editores e procuram responder às necessidades de informação dos leitores que têm interesse nas respetivas notícias. 

Prezo mesmo o trabalho da PÁGINA UM, sou leitor assíduo. Não preciso de concordar com tudo o que fazem para considerar que prestam um serviço aos leitores. Mas tenho de discordar de um tom – muitas vezes, demasiadas vezes – moralista, a pregar uma verdade. Já temos disso em demasia no espaço público. Cumprindo-se as regras éticas e deontológicas, não há melhores e piores, nem os bons nem os maus. Descredibiliza o papel da PÁGINA UM quando não resiste a comentários e especulações no meio de notícias – pelo menos são apresentadas como tal –, algumas delas contra outros jornalistas e redatores que não têm quaisquer responsabilidades editoriais de decisão. Isso é um leitor a falar.

A independência é um critério essencial do jornalismo, mas não é um fim em si mesmo se o trabalho jornalístico não for rigoroso e se não separar de forma clara a notícia da opinião. Tão importante como a independência é a verdade. Podemos, na verdade, ser dependentes dos nossos próprios preconceitos e preferências, pondo em causa a verdade.

Bom trabalho a toda a equipa do PÁGINA UM, continuarei a ser leitor assíduo e exigente.

António Costa

Diretor do ECO


Resposta de Pedro Almeida Vieira

Alguns dos pontos da carta do director do ECO, que agradeço pessoalmente, até pela postura dialogante necessária entre camaradas de profissão com pontos de vista distintos, merecem breves esclarecimentos. A crítica ao meu estilo de escrita jornalística – que não é único, e que tem ganho adeptos sobretudo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) – tem um claro intuito depreciativo, no sentido de falta de rigor. Estranho muito (ou talvez não) que tal suceda, porque o estilo que uso – e onde explicitamente se mostra o que são factos e o que é opinião (tanto assim que os visados facilmente distinguem) é muito similar ao que usava, por exemplo, na revista Grande Reportagem há já mais de 20 anos. Ficam agora chocados por o manter nesta década num jornal independente? Convenhamos: aquilo que no PÁGINA UM talvez incomode certos arautos é exactamente o rigor: raramente escrevo sem dados, sem números, sem documentos. Ora, detendo os factos, analiso e interpreto-os, contextualizo, e se considerar relevante oiço opiniões ou peço comentários.

No jornalismo começam a surgir ‘correntes’ (defendidas pela ERC, CCPJ e CD-SJ) de que, para tudo, se exige contraditório (mesmo quando existem documentos) e que só uma condenação em tribunal concede o direito de se fazer denúncias jornalísticas, não bastando apenas documentos nem fontes seguras. Quer-se fazer do jornalismo um mero ‘relator’ de opinião, um simples ‘pé de microfone’. Quer-se um jornalismo amorfo, irrelevante, inútil. Sou contra essa visão. Se o jornalismo não servir para denunciar casos anómalos, para interpretar documentos, para expor estratégias ou estratagemas que se podem tornar ‘daninhas’, então serve apenas como meio de comunicação social. Isso é muito pouco. O jornalismo é muito mais do que isso.

man sitting on chair holding newspaper on fire

Portanto, a notícia sobre o desempenho empresarial do novel governante Rui Freitas na sua passagem pela Swipe News – que deverá ser relevante, até porque mereceu a sua ida para a administração da Media Capital, que teve um volume de negócios de 149 milhões de euros em 2022 – tem evidente interesse noticioso. E ademais usando os indicadores financeiros desta empresa disponíveis, incluindo as demonstrações financeiras de 2022. Sobre este aspecto, os ‘erros’ apontados por António Costa não fazem sentido, a menos que as contas da Swipe não revelem a realidade. Por um lado, na notícia falei sempre em capitais próprios (ou seja, naqueles que estão sob a alçada dos accionistas, e que não são meramente as acções subscritas) e quanto aos prejuízos acumulados constituem o somatório dos resultados transitados desde 2016.

Por outro lado, sobre a alegada ausência de dívidas bancárias, reiterada por António Costa, convém referir que na demonstração dos fluxos de caixa da Swipe News em 2022 surge o recebimento de 529.265,36 euros através de “financiamentos obtidos” e no balanço contabiliza-se um passivo de cerca de 1,58 milhões de euros na rubrica de “financiamentos obtidos”, que não empréstimos sequer dos accionistas. Pode haver, obviamente, outras modalidades de financiamento (que não passem por instituições bancárias), mas numa simplificação (e à falta de dados) estamos perante o equivalente a empréstimos bancários com pagamento de juros. Aliás, a Swipe News assume mesmo a existência de empréstimos bancários na sua demonstração de resultados de 2022, uma vez que suportou o pagamento de juros no valor de 29.167,51 euros, o que se coaduna, face às taxas de juro praticadas naquele ano, com empréstimos em curso na casa de um milhão de euros. 

Além dessa análise financeira, enquadrei-a justificadamente no contexto político de profunda crise financeira da imprensa tradicional em Portugal. Praticamente todas as grandes e médias empresas de media estão com prejuízos inacreditáveis, e há duas soluções políticas: ou salvar tudo, ou deixar o mercado funcionar, aceitando que haja despedimentos, mas tornando os títulos que sobrevivem com maior capacidade de fazer bom jornalismo com um mercado publicitário sem se imiscuir na parte editorial. Neste contexto, é mais do que aceitável a especulação – que diabo!, nas secções de política fartam-se de fazer isso, e sem sequer uma fonte –, atendendo ao facto de a crise na Global Media (e em tantos outros grupos de media) terem levado diversos partidos a considerarem viável e aceitável uma intervenção do Estado para ‘salvar’ o jornalismo. Aceito que o António Costa tenha um conceito demasiado restrito do termo ‘especulação’; eu prefiro no jornalismo usar a acepção mais filosófica de especulação: indagação intelectual, feita de forma autónoma ou independente de fundamentos empíricos, mas com premissas em dados. Essa é também a função de um jornalista: dar ‘pistas’ para uma reflexão. Desde que se seja honesto na apresentação dos dados é mais do que legítimo.

Um outro ponto relevante na missiva de António Costa refere-se à questão dos branded contents. Como se sabe, sou visceralmente contra a promiscuidade entre jornalismo e conteúdos pagos ou eventos que empresas privadas e públicas pagam aos media e que têm a presença de ‘jornalistas da casa’. O ECO – mais as suas diversas marcas – é um dos órgãos de comunicação social que mais usa esse modelo de negócios, e pode António Costa garantir haver uma clara distinção. Eu acho que não há, porque alguém escreve aqueles textos e eu não vejo na ficha técnica do ECO uma lista de pessoas (não-jornalistas) responsáveis pela escrita dos tais branded contents. E mesmo nas diversas marcas do ECO, como, por exemplo, na Capital Verde, nem sequer tem a lista de jornalistas ou a identificação de quem escreve os textos de marketing. Aliás, o caso do ECO deve mesmo merecer uma profunda reflexão. Não me parece que seja bom para o jornalismo – e para o próprio António Costa, como jornalista – haver uma ‘secção’ no seu jornal, a Advocatus, e da qual ele é formalmente responsável editorial, mas que, na verdade, é detida por uma empresa, a Newsengage, da qual o dono (com 99%) é João Paixão Martins, actual dono da LPM (fundada pelo seu pai, Luís Paixão Martins), uma das mais influentes agências de comunicação do país. Haver agências de comunicação a deterem órgãos de imprensa parece-me um absurdo.

No dia em que os órgãos de comunicação social com branded contents passarem a exibir, na ficha técnica, a lista de redactores (sem carteira profissional de jornalista, mas devidamente identificados) que escrevem os conteúdos patrocinados, e os directores e ‘jornalistas da casa’ deixarem de participar em eventos de marketing das suas empresas, então aí muitas questões serão clarificadas e a confiança aumentará.

São estas as questões fundamentais a debater numa profissão onde a credibilidade vale muito, onde mais se aplica a máxima “a mulher de César tem de ser e parecer séria”.

gray concrete road between brown grass field at daytime

Por fim, o PÁGINA UM não tem um modelo de negócio tradicional; aliás, desafia os princípios económicos, porque é de open access – ou seja não está restrito apenas aos assinantes – e não tem publicidade nem parcerias comerciais. Vive apenas de donativos dos leitores. O objectivo fundamental do PÁGINA UM, além de dar notícias (e sobretudo daquelas que os outros não dão), é demonstrar valor intrínseco do Jornalismo. Ora, como é óbvio, em Portugal esta modalidade não dará (ainda) para criar uma redacção digna com meios semelhantes aos outros. E por uma simples razão, o PÁGINA UM não se endivida, e por isso o seu passivo é virtualmente zero (no final de Dezembro fica apenas para pagar o remanescente de impostos à Autoridade Tributária e Aduaneira, que são saldados nos primeiros dias de Janeiro). Em dois anos, o PÁGINA UM teve receitas de um pouco menos de 100 mil euros; e poderíamos ter contratado cinco ou seis jornalistas, teríamos feito muito mais, mas provavelmente teríamos agora um prejuízo de 200 mil ou 300 mil euros. Estaríamos como o ECO e muitos outros. Ora, somos de opinião de que esse não é o caminho para o PÁGINA UM. Cresceremos se os nossos leitores assim o desejarem. São eles, na verdade, os nossos accionistas: valorizando o nosso trabalho com os seus donativos.

Quanto à transparência do PÁGINA UM, está tudo no Portal da Transparência dos Media, e pode ser consultado também o IES – Informação Empresarial Simplificada referente ao ano de 2022. Nas próximas semanas serão disponibilizadas as contas de 2023, que foram positivas. Aliás, como poderíamos falar de empresas de media com prejuízos se nós também apresentássemos prejuízos?

P.S. Esta resposta está longe de encerrar o debate. Pelo contrário. Penso que somente agora começa.

Pedro Almeida Vieira

Director do PÁGINA UM


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