PÁGINA UM teve acesso às (assustadoras) contas preliminares de 2023 da dona do DN e JN

Global Media está à beira do colapso

por Pedro Almeida Vieira // Abril 12, 2024


Categoria: Imprensa

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O PÁGINA UM teve acesso às contas preliminares do ano passado da Global Media, apresentadas ao accionistas em Fevereiro passado, e o cenário é mais do que negro: prejuízos de 7,2 milhões de euros, quebra de receitas de quase 10% e uma contínua ‘vampirização’ dos activos que continuam a minguar sem parança, estando suportados numa perigosa engenharia financeira, que agora usa o goodwill como principal valor. O grupo de media, que se prepara para ‘transferir’, sem se saber em que condições, o Jornal de Notícias e a TSF para uma empresa recém-criada por empresários do Norte, já nem crédito na banca tem e sobrevive com ‘calotes’ aos fornecedores, dívidas ao Estado e empréstimos das suas subsidiárias e dos accionistas. A culpa está longe de ser do World Opportunity Fund, embora a instabilidade nos três meses que durou o ‘mandato’ de José Paulo Fafe como CEO do grupo de media não ajudou nada.


A Global Media está à beira do colapso. As contas preliminares de 2023 deste grupo de media, que foram apresentadas aos accionistas activos do grupo (Marcos Galinha, Kevin Ho e José Pedro Soeiro) na Assembleia Geral em 19 de Fevereiro, a que o PÁGINA UM teve acesso, mostram um cenário económico aterrador e revelam também algumas práticas de ‘engenharia financeira’ em anos anteriores. E permitem também concluir que o agravamento da situação financeira, já bastante visível nos meses anteriores ao breve controlo da Global Media pelo World Opportunity Fund (que se iniciou em Setembro de 2023), ainda se intensificou com a suspensão da conta caucionada pelo Banco Atlântico que causou um colapso de tesouraria, atrasando o pagamento de salários e subsídio de Natal aos trabalhadores. Só este estranho ‘episódio’ – ademais sabendo-se que o presidente da Assembleia Geral da Global Media e do Banco Atlântico é a mesma pessoa – provocou um impacto negativo de 588 mil euros.   

Mas não foi essa, obviamente, a causa do descalabro de um grupo de media que soma agora, desde 2017, prejuízos acumulados de 50 milhões de euros. O ano passado contribui com mais 7,2 milhões de euros, o pior ano desde a era Galinha.

Marco Galinha, chairman da Global Media, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa.

Os rendimentos, sobretudo vendas e serviços prestados, deste grupo de media – que tem o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo e a TSF como principais órgãos de comunicação social – decaíram 9% face a 2022, tendo-se situado nos 28,5 milhões de euros. Porém, comparando com 2019 – ano anterior à entrada do empresário Marco Galinha, que se mantém como chairman do grupo –, os rendimentos de 2022 registam uma queda de quase 24%.

Em contraste, ou em consequência, o processo de ‘vampirização’ da Global Media continua, com os activos a minguarem. Confrontando também com 2019 – antes de Marco Galinha ter comprado por 4 milhões de euros as participações então detidas pelo BCP e Novo Banco –, a Global Media viu perder 23,5 milhões de euros em activos, com a agravante de grande parte desse montante (quase 30,5 milhões de euros) ser de valor real duvidoso por ser ‘goodwill’.

Só no ano passado, face a 2023, os activos diminuíram 7,3 milhões de euros, dos quais 6,7 milhões desde a entrada do World Opportunity Fund no controlo do grupo de media. Mas em abono da verdade esse descalabro não se pode atribuir ao polémico e curto ‘mandato’ de José Paulo Fafe. Cerca de 1,7 milhões de perda de activos resultou da assumpção das perdas de negócios ruinosos ainda do tempo de Joaquim Oliveira. A Global Media, no relatório preliminar, diz que “a diminuição verificada de 1,966 M€ [milhões de euros] deve-se ao write off [redução do valor reconhecido] das participações acessórias na GM Macau (1,245 M€) e Tagus Media (721 K€), acrescentando que “foram também reconhecidas perdas de imparidade referentes aos valores a receber destas entidades no valor total de 734 K€”. Ou seja, tudo somado, este negócio na área do jogo online causou um impacto total negativo de 2,7 milhões de euros. Acrescem também perdas assumidas na participação na Açormedia – que publica o Açoriano Ocidental – de 747 mil euros.

José Paulo Fafe foi CEO da Global Media entre Setembro do ano passado e finais de Janeiro deste ano.

Por outro lado, a Global Media vendeu também a sede do antigo jornal Ocasião por 900 mil euros, que até originou uma mais valia contabilística de 430 mil euros, mas, sabe o PÁGINA UM, este terá sido um negócio onde foi Marco Galinha a entrar com o investimento, pelo que servirá, em princípio, para amortizar os empréstimo que o dono do Grupo Bel tem concedido ao grupo de media.

Um outro impacto desfavorável no balanço de 2023 tem a ver com um ‘truque contabilístico’ usado no ano anterior. A gestão de Marco Galinha decidiu colocar cerca de 2 milhões de euros no balanço de 2022 como “activos por impostos diferidos”, que basicamente são as quantias de impostos sobre o rendimento recuperáveis em períodos futuros, designadamente reporte de perdas fiscais não utilizadas. Porém, contabilisticamente, essa valorização apenas se pode assumir se os prejuízos de um determinado ano forem conjunturais, o que está longe de ser o caso da Global Media.

Assim, no relatório preliminar diz-se que “foram desreconhecidos os activos por impostos diferidos relacionados com o reporte de prejuízos por não se encontrarem reunidas as condições previstas no normativo contabilístico para o seu reconhecimento, nomeadamente a ausência de um plano de negócios que preveja a existência de lucros tributáveis futuros que possam ser compensados com esses prejuízos”. Ou seja, a própria Global Media admite que os prejuízos são para continuar.

Práticas de ‘engenharia financeira’ escondem situação de colapso da Global Media, que pode ainda acelerar se ‘venda’ do Jornal de Notícias e de outros títulos mantiverem o actual passivo.

Porém, até é pelo lado do passivo que se mostra que a Global Media está presa por arames, e também uma parte do dinheiro dos accionistas. De acordo com a lista discriminada dos detentores do passivo, o Estado surge em destaque com um crédito de 8,3 milhões de euros. A Global Media está abrangida por um regime excepcional de regularização tributária (RERT), mas ignora-se ainda os critérios da sua aplicação, sendo certo que a dívida ao Estado diminuiu quase 2 milhões de euros no ano passado quando em 2022 tinha aumentado cerca de 7 milhões.

Não é apenas o Estado que tem a perder com o descalabro da Global Media. Além do investimento no capital próprio, os accionistas fizeram empréstimos que já totalizam 11,6 milhões de euros, sendo que 1,5 milhões vieram de Kevin Ho, um pouco mais de 1,6 milhões de José Pedro Soeiro e 8,5 milhões da Páginas Civilizadas, onde se insere o investimento do World Opportunity Fund. O fundo das Bahamas terá feito um empréstimo à Global Media a partir de Setembro do ano passado de cerca de 2,3 milhões de euros, e esta será uma das questões que está a dificultar a sua saída do negócios dos media em Portugal, após a suspensão dos direitos decretada no mês passado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Além dos empréstimos dos accionistas, uma empresa subsidiária, a Naveprinter, viu-se na contingência de emprestar dinheiro à ‘mãe’. A dívida da Global Media á Naveprinter totalizava no final do ano passado quase 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis. A Naveprinter – que em 2022 e 2023 acumulou prejuízos de 1,2 milhões de euros – tem mais de metade do seu activo ‘empatado’ com o empréstimo à Global Media. Ou seja, se a ‘mãe’ cair, logo a seguir cai a ‘filha’.

Naveprinter: gráfica da Global Media tem metade do seu activo como empréstimo à ‘mãe’.

Também outra pequena empresa do grupo de media, a Notícias Direct, teve também de emprestar dinheiro, cerca de um milhão de euros, sendo bem demonstrativo das dificuldades que a Global Media tem em aceder ao crédito bancário, que neste momento é de apenas 312 mil euros, ou seja, 0,7% de todo o passivo.

Quanto a dívidas ao fornecedores, o montante ultrapassava no final de Dezembro os 7,2 milhões de euros, a que acresciam mais 6,5 milhões de euros na rubrica ‘outras contas a pagar’. Uma outra rubrica relevante no passivo referem-se a contratos de locação cuja dívida ultrapassa os 1,9 milhões de euros.

Neste contexto, maiores sombras se colocam na própria existência da Global Media caso se avance, sem contemplar a assumpção do passivo, com a venda dos títulos ainda lucrativos do grupo, tal como o Jornal de Notícias, porque tal vai representar uma saída de receitas significativas.

O PÁGINA UM tentou obter um comentário da actual administração da Global Media, sem sucesso.


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