VISTO DE FORA

Entre Gaza e Montenegro

person holding camera lens

por Tiago Franco // Abril 18, 2024


Categoria: Opinião

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Lá fora.

Não sou grande coisa nas teorias da conspiração, mas estou com alguma dificuldade em chamar ataque ao que o Irão fez em Israel. Enviar drones com aviso de dois dias e hora marcada para um sítio onde mora o melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo é algo esquisito. Visto daqui, pareceu mais o envio de uma encomenda com número de localização. A DHL faz isso todos os dias com mais sucesso porque, por norma, as encomendas chegam mesmo ao destino.

No caso do ataque a Israel, tivemos o privilégio de o ver em direto. Horas e mais horas com os jornalistas sem saber bem o que dizer, enquanto enchiam alguns chouriços. Nós em casa de pipocas na mão enquanto no estúdio alguém dizia: “dentro de uma horas espera-se que cheguem”. Os drones, entenda-se. 

Grey Jet Plane

A aviação civil desviava-se da zona e em aplicações como o “Flightradar” íamos seguindo a movimentação ao segundo. O mundo esperava a entrega dos mísseis e por todos os noticiários ouvíamos que “o ataque estava iminente”.

Serei o único a achar que a coisa foi mal e porcamente ensaiada, num acto de real politik de vão de escada?

Ora, recapitulemos. 

Israel, que não tem entretenimento suficiente com o genocídio que vai perpetuando em Gaza, mandou uns rapazes da Mossad matar uns generais na embaixada do Irão em Damasco (Síria). Deixaram cartão de visita para o mundo ter a certeza que era um acto israelita. Típico de Israel, isto de atacar em segredo e depois gritar “fui eu”.

Vendo isto, o regime iraniano que não quer entrar no conflito no Médio Oriente (apenas patrociná-lo), ficou naquela de posição de “ouve lá, temos que fingir que lhes queremos dar uma chapada para não parecermos uns bananas”. Dão umas conferências de imprensa e anunciam a hora e minuto do ataque de retaliação.

a red and white flag

Em Israel desligam a Cúpula de Ferro (Iron Dome) para poupar energia e apanharam os drones com uma rede para borboletas. O “ataque” iraniano resultou numa pessoa ferida com uns estilhaços e outras 7 que tropeçaram uns nos outros a correr para os abrigos.

No fim, os iranianos pediram aos americanos que não se metessem e prometiam que não faziam mais nada e, os israelitas, fingiram que estavam muito chateados e foram logo a correr para o conselho de segurança da ONU, pedir sanções e fazer o papel de vítima.

Em poucas horas o genocídio de Gaza desapareceu das notícias e Israel voltou a merecer a solidariedade internacional por estar “sob ataque”. Os 34000 palestinianos que Israel matou desde 7 de Outubro e os 76000 que feriu, ficaram nos estilhaços que feriram uma pessoa com drones iranianos. As 26000 crianças mortas ou feridas em Gaza, estão agora escudadas pelas palavras de Ursula Von Der Leyen que, de imediato, se colocou ao lado de Israel depois do “bárbaro” ataque iraniano que feriu uma pessoa e danificou um armário de três espelhos numa base aérea qualquer.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. (Foto:D.R./CE)

A hipocrisia de quem nos dirige e a forma como nos tentam fazer passar por estúpidos, atinge em 2024 níveis de uma obscenidade como eu nunca pensei ver. É que nem para os jogos de bastidores se esforçam por criar algo que o grande público consiga engolir sem se enjoar.

Da próxima vez que virem um aumento nos combustíveis, já sabem. Foi o Irão. Dá-se um grito no médio oriente e sobe o preço da gasolina, larga-se uma bomba no Donbass e temos mais três meses com taxas de juro sufocantes. O tal Ocidente civilizado tem todas as desculpas que precisa para nos fazer pagar cada conflito, organizado pelas elites governantes, sem que possamos sequer dizer que não. 

Cá dentro.

Luís Montenegro a discursar no Parlamento. (Foto: D.R./Foto oficial)

Este primeiro mês de governo AD não foi bem aquilo que se esperava, não é?  O tal choque fiscal prometido por Montenegro é, afinal, um empadão requentado que o PS tinha deixado no forno. Pelas contas que vi, esta fabulosa baixa de impostos vai deixar cada português com mais 3 euros na carteira e beneficiar, essencialmente, os salários mais altos. Há ainda os cortes no IRC que vão permitir à banca e aos grandes grupos da distribuição que aumentem, ainda mais, o jackpot de lucros que se arrasta desde o crescimento da inflação e das taxas de juro.

Não é que existissem grandes dúvidas sobre os interesses que a AD vinha defender para o governo, Montenegro foi claro durante a campanha sobre eles. Mas espero que os eleitores tenham percebido agora melhor quais eram. Entre a habitual cacofonia do “dar tudo a todos” que se ouve em campanha, por vezes é difícil captar a mensagem. Esta era bastante simples e bastava ter visto a actuação do PSD, preocupado em defender os interesses da Vinci, depois de ser conhecido o último relatório da comissão técnica para o novo aeroporto de Lisboa. 

O PSD está no governo para defender o interesse das classes altas e dos grupos económicos. Que surpresa! Que espanto! Que novidade! E com o CDS de Nuno Melo de arrasto, com algum jeito ainda vamos andar a falar da ilegalização do aborto ou das famílias “tradicionais” de 1950.

Foi isto que elegemos, espero que seja claro ao fim do primeiro mês do executivo em funções. 

Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional. (Foto: D.R./Foto oficial/CDS-PP)

A somar a esta constelação, ainda vemos que o Chega, o tal partido que vinha limpar Portugal, tem deputados com cadastro, a serem investigados ou com histórias de vida que contradizem aquilo que o partido transformou em programa. O caso do deputado que foi imigrante ilegal e sobre quem o Ventura já mentiu (em relação a ter fugido da guerra nas colónias quando o homem tinha emigrado em 1976), é a cereja no topo do bolo.

Tal como os membros do governo que estão debaixo de suspeita ou mesmo a serem investigados. Casos e casinhos, tal e qual como nos tempos do PS, para que ninguém fique aflito com saudades.

Pode parecer algo simplista da minha parte mas visto daqui do meio do Atlântico, parece que nada de essencial mudou. Variámos o lado do Centrão e mantivemos as políticas, piorando provavelmente o apoio ao SNS e à escola pública. Ah…e voltámos à selva do alojamento local e das rendas sem fim. Portanto, em 30 dias conseguiram destruir uma das poucas coisas em que o PS tinha acertado.

thumbs down, disapprove, gesture

Ao ver este governo lembro-me de um técnico de segurança aeronáutica que me explicava como o preço de um bilhete refletia as políticas de uma companhia. “Meu amigo, se você paga 30 euros na Ryanair e 300 euros na Lufthansa, é porque os segundos fazem gastos que os primeiros não fazem. Em pessoal, infraestruturas ou peças, algo é poupado, logo, a qualidade não pode ser a mesma. Em resumo, você paga o que recebe.”

E foi isto que nos aconteceu, mas ao contrário. Pagamos efectivamente para andar na Lufthansa mas, entre PS e PSD, não saímos daquele irritante amarelo da Ryanair. 

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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