Pandemia: Facebook, Amazon e Google vergaram sob pressão da Casa Branca

Governo Biden coagiu Big Techs a censurarem até livros e sátira, diz relatório

por Elisabete Tavares // Maio 3, 2024


Categoria: Exame

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Mostrando um cenário ‘orwelliano’, o Comité Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos revelou dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que provam que a Casa Branca pressionou com coacção as grandes tecnológicas para censurarem livros, informação verdadeira e até sátira no auge da pandemia da covid-19. Num relatório de 881 páginas, tornado público esta semana, entre os documentos divulgados estão mensagens entre responsáveis do Governo Biden e executivos de grandes tecnológicas. Segundo o relatório, houve pressão para censurar conteúdos que não violavam as regras das plataformas online. Em consequência, a Casa Branca impediu que houvesse debate sobre temas de relevo, impondo políticas desastrosas adoptadas na pandemia, diz o relatório que acusa a Administração Biden de violação da Primeira Emenda “em conluio com terceiros”, ao condicionar a liberdade de expressão. A investigação daquele Comité vai prosseguir, até porque ainda faltam documentos pedidos e ainda não entregues pelo Governo Federal norte-americano.


A Casa Branca coagiu grandes tecnológicas, incluindo a Meta – dona do Facebook – , a Alphabet – dona do Google e YouTube – e a Amazon para censurarem informação verdadeira, livros, vídeos e até sátira, em 2021, durante a pandemia de covid-19.

As provas de censura constam de um extenso e detalhado relatório de 881 páginas, publicado na passada quarta-feira nos Estados Unido pelo Comité Judiciário da Câmara de Representantes, em conjunto com o Subcomité sobre a instrumentalização do Governo Federal. Tanto o comité como o subcomité tem maioria republicana. O título do relatório não poderia ser mais expressivo: “The censorship-industrial complex: how top Biden White House officials coerced Big Tech to censor Americans, true information, and critics of the Biden Administration”, ou seja, em tradução livre para português, “Complexo industrial de censura: como os funcionários de topo da Casa Branca coagiram as grandes tecnológicas a censurarem os norte-americanos, a informação verdadeira e os críticos da Administração Biden”.

O relatório vem confirmar, para já, que a pressão da Casa Branca visou a censura de informação e conteúdos que nem sequer violavam os termos de utilização das plataformas tecnológicas, e acabou por ter um efeito duradouro, uma vez que “no final de 2021 o Facebook, o YouTube e a Amazon tinham alterado as suas políticas de moderação (de conteúdos) de forma a responder directamente a críticas feitas pela Administração Biden”.

Segundo o relatório, “a campanha de censura da Casa Branca de Biden teve como alvo a informação verdadeira, sátira, e outros conteúdos que não violaram as políticas das plataformas”. “Ao contrário das seus alegações de querer combater a suposta desinformação, a Administração Biden pressionou as empresas a censurar informações verdadeiras, sátiras, memes, opiniões e experiências pessoais dos americanos”, acusa o relatório do Comité.

Saliente-se que este Comité da Câmara de Representantes dos Estados Unidos tem vastos poderes, sendo responsável pela supervisão da administração da Justiça nos tribunais federais, mas também no acompanhamento de temas como liberdades e direitos civis. A maioria dos actuais membros do Comité (24 contra 18) são do Partido Republicano, adversário do Partido Democrata e da presidência de Biden. Na sequência de intimações, o Comité obteve dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que se serviram de base para este relatório detalhado.

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O Facebook começou a censurar informação sobre a possível origem do SARS-CoV-2 ser uma fuga de um laboratório em Wuhan, onde era conduzida investigação com coronavírus. Uma entidade financiada pelos Estados Unidos, a polémica EcoHealth Alliance, tem estado no centro das atenções desde 2020, por estar ligada a investigação naquele laboratório na China.
(Foto: Solen Feyissa/ D.R.)

No documento agora divulgado fica claro que, “embora a campanha de pressão da Casa Branca de Biden tenha sido amplamente bem-sucedida, os seus efeitos foram devastadores”, pois “ao suprimir a liberdade de expressão e distorcer intencionalmente o debate público, ideias e políticas, deixaram de ser razoavelmente testadas e debatidas pelos seus méritos”. O relatório adianta ainda que, “em vez disso, os decisores políticos implementaram uma série de medidas de saúde pública que se revelaram desastrosas para o país”.

O relatório é, aliás, taxativo em expor medidas erradas: “De encerramentos prolongados desnecessários de escolas a mandatos inconstitucionais de vacinação que obrigaram os trabalhadores a tomar uma recém-desenvolvida vacina ou corriam o risco de perder os seus empregos, a Administração Biden e outros funcionários impuseram desnecessariamente danos e sofrimento aos americanos em todo o país”.

Para o seu trabalho, o Comité da Câmara dos Representantes viu-se obrigado a emitir dezenas de intimações às Big Tech, ao Governo, às agências e a diversas entidades de relevo para obter dezenas de milhares de documentos para assim apurar “os detalhes da campanha de pressão da Casa Branca de Biden”. Contudo, o relatório considera que “os documentos mais importantes para entender os esforços de censura da Casa Branca de Biden são e-mails internos das empresas que receberam ameaças e coacção”. E estas visavam a censura em concreto de “informações verdadeiras, sátiras e outros conteúdos que não violavam as políticas das plataformas” tecnológicas. Além disso, salienta-se que a Casa Branca também “promoveu a censura de livros”, nomeadamente os vendidos pela Amazon.

O relatório de 881 páginas revela o conteúdo de e-mails e documentos oficiais que provam a coacção e exigências feitas pela Casa Branca em 2021.

Mas, segundo o relatório, o governo norte-americano “também travou a sua campanha de pressão contra as livrarias online”. Ou seja, como mostram “documentos obtidos pelo Comité, a Casa Branca de Biden tentou censurar o discurso de uma das formas mais antigas de comunicação: os livros”.

Com efeito, em Março de 2021, funcionários da Casa Branca chegaram a criticar a Amazon, a maior livraria online mundial, por vender livros que questionavam a segurança ou eficácia das vacinas, incluindo das vacinas covid-19 recentemente desenvolvidas. “Pressionada pela Casa Branca, a Amazon reagiu rapidamente, implementando uma nova política, no prazo de uma semana, para adicionar restrições” a livros sobre vacinas.

Como exemplo, é relatado no relatório que, em Março de 2021, um funcionário da Amazon enviou um e-mail a outras pessoas dentro da empresa sobre o motivo da nova mudança na política de moderação de conteúdos da livraria Amazon: “[O] impulso para este pedido é a crítica da Administração Biden sobre a sensibilidade de livros aos quais estamos a dar uma posição de destaque”.

Um e-mail enviado por um assessor da Casa Branca à Amazon a pedir a censura de livros sobre vacinas. (Foto: Captura a partir do Relatório do Comité)

Numa secção do relatório com o título ‘Amazon Files’, é relatado que, em Março de 2021, a Casa Branca enviou um e-mail ao vice-presidente de Políticas Públicas da Amazon, pedindo para haver uma discussão sobre os “altos níveis de propaganda e desinformação” na empresa de venda de produtos online. O Governo de Biden alegava então que vários membros da Casa Branca tinham feito pesquisas na Amazon com a palavra-chave “vacinas” e enviou capturas de ecrã por e-mail da página de resultados de pesquisa para a Amazon, observando que se se adicionasse um aviso do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) seria insuficiente para censurar adequadamente os livros.

Imediatamente, a Amazon começou a acelerar internamente a análise de implementar uma nova política que desfavoreceria os livros considerados anti-vacina ou críticos de vacinas. No dia 9 de Março, apenas uma semana após o contacto inicial por parte de Andy Slavitt, um alto funcionário da Casa Branca, e após um encontro entre responsáveis da Amazon e da Administração Biden, a empresa implementou uma nova política e adicionou o rótulo “Não promover” aos livros considerados ‘anti-vacina’.

Em conversas com a Casa Branca, a livraria da Amazon criou uma secção para livros sobre vacinas a “não promover” e organizou uma lista de 43 livros para ficarem ‘marcados’. (Foto: D.R.)

Por sua vez, na secção ‘Facebook Files’, é demonstrado que, em Fevereiro de 2021, a maior rede social do Mundo aumentou a censura de conteúdos considerados ‘anti-vacina’, bem como as alegações sobre fuga laboratorial como estando na origem da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, devido a “conversas tensas com a nova Administração [Biden]” e como parte de um esforço para responder a exigências da Casa Branca para “fazer mais” no combate a alegada desinformação.

Contudo, adianta o relatório do comité da Câmara dos Representantes, o Facebook percebeu, um meses mais tarde, que a Casa Branca “preocupava-se mais em censurar conteúdos anti-vacina” e assim foi levantada a censura sobre conteúdos relativos à fuga laboratorial como origem da covid-19. Surge mesmo referido que, em Julho de 2021, um executivo do Facebook, Nick Clegg, perguntou num e-mail a um funcionário do Facebook a razão de se censurar a teoria da criação do vírus SARS-CoV-2 em laboratório, que obteve a seguinte resposta: “Porque estávamos sob pressão do Governo [Biden] e de outros para fazer mais. . . . Não deveríamos ter feito isso”.

E-mail de Mark Zuckerberg em resposta a um outro e-mail, em que o Facebook assumia que, afinal, já não iria classificar como falsa a tese de que o SARS-CoV-2 pode ter tido origem numa fuga de laboratório. Zuckerberg escreveu: “Parece ser um bom lembrete de que, quando comprometemos os nossos padrões devido à pressão de uma administração em qualquer direção, muitas vezes arrependemo-nos mais tarde”. Mas o Facebook continuou a ceder a novas exigências de censura de informação por parte da Casa Branca.

Num outro exemplo, em Agosto de 2021, um e-mail interno do Facebook explicava por que a empresa estava a desenvolver e, em última análise, a implementar novas políticas de moderação de conteúdos:
“A liderança [do Facebook] pediu a Misinfo Policy (…) para debater algumas outros alavancas políticas que podemos puxar para sermos mais agressivos contra a desinformação. Isto decorre das críticas contínuas à nossa abordagem por parte da Administração [Biden]”.

Também a Alphabet, dona do Google e do Youtube, não escapou à campanha de censura do Governo norte-americano. Em Setembro de 2021, após receber críticas por não eliminar conteúdo não violador dos termos de uso, o YouTube compartilhou com a Casa Branca uma nova “proposta de política” para censurar mais conteúdos que criticassem a segurança e eficácia das vacinas, e pedia “qualquer feedback” que a Administração Biden pudesse fornecer antes de a política ser finalizada. A Casa Branca respondeu: “À primeira vista, parece um grande passo”.

O relatório frisa que os comportamentos em termos de colaboração das três Big Techs “são impressionantes”. Em cada caso, as empresas identificaram os pedidos de censura da Casa Branca de Biden como “pressão” ou recearam que pudessem entrar numa “espiral e ficar fora de controlo”. Apesar de o Comité ter detectado diferenças temporais de actuação e também na forma como cada empresa sucumbiu à pressão da Casa Branca, basicamente, em Setembro de 2021, tanto o Facebook como o YouTube e a Amazon tinham adoptado novas políticas de moderação de conteúdo que “removeram ou reduziram pontos de vista e conteúdo visto como como desfavorável por Biden”.

A Casa Branca pediu ao Facebook para eliminar um meme com uma imagem de Leonardo DiCaprio onde se lê a frase “Daqui a 10 anos vai estar a ver TV e vai ouvir: Você ou um familiar tomaram a vacina contra a covid? Pode ter direito a uma compensação”.

As investigações deste Comité sobre o crime de violação da Primeira Emenda por parte do Governo norte-americano vão continuar e no relatório sublinha-se que “a Primeira Emenda proíbe o Governo de condicionar a liberdade de expressão” e que “qualquer lei ou política governamental que reduza essa liberdade nas [redes sociais] plataformas viola a Primeira Emenda”.

Este relatório, apesar da sua relevância, tem sido largamente ignorado pelos mass media norte-americanos e também pelos media portugueses, os quais alinharam, em geral, nas mesmas práticas de censura durante a pandemia.


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