Enquanto continua sem divulgar os critérios para a escolha das empresas, e atribuição dos distintos montantes, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) está a transformar-se numa autêntica Santa Casa da Publicidade. Hoje, foi revelado no Portal Base mais um contrato a ultrapassar a fasquia de um milhão de euros, a beneficiar a Medialivre, o grupo de media que detém o Correio da Manhã e a CMTV. Desde Março, a factura de publicidade da SCML já vai em 16,5 milhões de euros, mais de cinco vezes o montante total da publicidade institucional do Estado durante todo o ano passado. Mas como esta instituição não é já considerada um instituto público, apesar de tutelada pelo Governo, os valores que gasta, e como gasto, nem sequer são controlados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Nem sequer tem de fazer publicidade em órgãos de comunicação regional ou local; escolhe quem lhe apetecer.
Continua a ‘chuva’ de contratos milionários de publicidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), cuja Mesa liderada por Ana Jorge foi exonerada na semana passada pelo Governo. Hoje foi publicado mais um contrato avultado, que já anunciava por beneficiar a Medialivre, o grupo de media detentora, entre outros títulos do Correio da Manhã e da CMTV, preparando-se para lançar o novo canal Now. Apesar de assinado ainda em Abril, este contrato com o grupo media que tem Cristiano Ronaldo como principal accionista atingirá um pouco mais de 1,5 milhões de euros, dos quais 615 mil na imprensa escrita, quase 443 mil no online e cerca de 448 mil nos canais televisivos.
Além deste contrato, no presente mês de Maio foram ainda divulgados mais três contratos para emissão de publicidade à SCML e à promoção dos seus jogos: 726 mil euros à Intervoz, uma empresa do grupo Rádio Renascença; 430 mil euros à MEO – que, como empresa de comunicação social, detém o Sapo e é distribuidor de canais por cabo –; e 15 mil euros à plataforma OLX.
Por agora, são 35 as empresas de comunicação social e do sector publicitário, que beneficiaram de contratos que, na generalidade têm efeitos retroactivos, porque iniciaram o sey efeito em Janeiro e se prolongam até Dezembro. Apesar do PÁGINA UM ter pedido informação à SCML sobre este contratos e os critérios para escolha e distribuição das verbas, nunca se obteve resposta. No total, pelas contas do PÁGINA UM, a SCML vai assumir custos de publicidade de 16.532.920 euros, que não incluem a produção dos conteúdos.
Estes valores são extraordinariamente elevados face aos investimentos publicitários assumidos, regra geral, pelo Estado. De acordo com o levantamento feito pelo PÁGINA UM aos relatórios mensais da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) relativos à publicidade institucional do Estado foram gastos entre Janeiro e Dezembro de 2023 um total de 3.068.589 euros. Ou seja, os custos em publicidade da SCML é, por agora, mais de cinco vezes superior a todas as entidades governamentais e estatais ao longo do último ano.
No entanto, a SCML está num ‘mundo à parte’ e estes contratos nem sequer serão enviados à ERC, nem sequer têm de cumprir a obrigação de uma lei da publicidade institucional que determina que 50% do investimento do Estado se aplique em órgãos de comunicação social. Com efeito, apesar de ser tutelado pelo Governo, a SCML foi classificada como pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, o que a exclui desse ‘incómodo’. Somente num curto períoda da democracia, entre 1979 e 1983, a SCML foi considerada um instituto público.
De acordo com os contratos já conhecidos, através do Portal Base, a SIC – Sociedade Independente de Comunicação, do Grupo Impresa, e a TVI – Televisão Independente, apanharam as maiores fatias do bolo publicitário: 3 milhões e 2,5 milhões de euros, respectivamente. Estes contratos, revelados em primeira-mão peloo PÁGINA UM, foram assinados na tarde da exoneração da Mesa da SCML, através do seu vogal João Correia. Acima de um milhão de euros estão os contratos da Medialivre e da RTP, que amealhará 1,05 milhões.
Note-se que a forma pouco transparente com que têm sido distribuídos os montantes causa perplexidade. Os contratos têm vindo a ser assinados desde Março, a conta-gotas, abrangendo tanto empresas de gestão de outdoors, como agências de comunicação e de publicidade digital (entre as quais as empresas donas do Facebook e do YouTube) e empresas de media, mas nunca se revelaram os critérios para a distribuição das maquias. Na verdade, os contratos funcionam como um plafond a gastar, caso a caso, desde o início de Janeiro passado até ao final do próximo mês de Dezembro.
Para a generalidade destes contratos é invocada uma norma de excepção do Códigos dos Contratos Públicos – a contratação excluída -, aplicável “à formação de contratos cujo objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua formação”. Um argumento que terá ainda de passar pelo ‘crivo’ do Tribunal de Contas, pelo menos nos contratos de maiores montantes. Em alguns dos contratos, esta justificação serve para nem sequer ser apresentado contrato escrito.
Entre os contemplados estão também empresas estrangeiras: a Meta – dona do Facebook -, o Google – dono do Youtube – e a Walt Disney – dona de diversos canais por cabo. No caso da empresa de Mark Zuckerberg, a SCML vai pagar 600 mil euros por publicidade na rede social Facebook, não existindo qualquer contrato que estipule preços nem condições. Este será o primeiro contrato da Meta com entidades públicas portuguesas, de acordo com o Portal Base.
No caso do Google, o montante é um pouco mais baixo: 400 mil euros, embora também não se saiba se o investimento publicitário será exclusivamente no YouTube, uma vez que o contrato também não foi reduzido a escrito. No caso da sucursal portuguesa da Walt Disney, o montante em causa atinge os 350 mil euros, e até existe contrato escrito, apesar de nada dizer sobre quais os canais onde a publicidade será colocada. A empresa tem vários canais televisivos por cabo, entre os quais o Disney Channel, Disney Junior,Baby TV e National Geographic.
Quanto às empresas de media, são agora 20 as beneficiadas, sem sequer se conhecer nem compreender as razões das escolhas e sobretudo dos montantes. Atrás das empresas com canais televisivos, a maior beneficiada nos contratos da SCML é a sucursal portuguesa do grupo alemão Bauer Media, dona da Rádio Comercial, M80, Cidade FM, Smooth FM e Batida FM. Prometidas estão, desde já, 766 mil euros em publicidade da SCML. Segue-se a Intervoz, a empresa de publicidade do grupo Rádio Rensacença, que tem como sócios o Patriarcado de Lisboa e a Conferência Episcopal Portuguesa. Receberá, como já referido, 726 mil euros.
Contudo, se se somar os contratos da subsidiária que controla a TSF, a Global Media fica próxima dos valores da RTP. Directamente para o grupo liderado por Marco Galinha, que vive uma situação financeira catastrófica, a SCML vai entregar publicidade no valor de 560 mil, mas pode também incluir mais 260 mil euros a receber da sua subsidiária Rádio Notícias. Deste modo, a Global Media encaixará da instituição liderada pela antiga ministra socialista da Saúde um total de 820 mil euros.
A distribuição da maior fatia à Global Media não deixa de surpreender ainda mais tendo em conta também a circulação dos seus principais diários, mesmo incluindo a componente digital. Por exemplo, a Impresa ‘só’ vai receber 350 mil euros. Este montante incluirá, em princípio, apenas os títulos da imprensa escrita, uma vez que a SIC é gerida por uma empresa própria. Como a SCML não quis revelar se houve mais contratos ainda não publicados no Portal Base, ainda se ignora se o grupo de media fundado por Pinto Balsemão terá mais razões para agradecer a bondade da SCML.
Polémicos também são os contratos que beneficiam o empresário Luiz Montez. De modo algo surpreendente, sobretudo pelo fraco alcance da rádio em questão e por envolver indirectamente uma empresa com dívidas ao Estado, é o contrato para publicidade que a SCML celebrou com a empresa da Rádio Amália, que envolve o pagamento de 176.800 euros, que representa 40% dos rendimentos que obteve em 2022. Esta empresa – a Rádio Nova Loures – pertence a Luís Montez, através da Música no Coração que, como o PÁGINA UM já revelou, nem apresentou contas em 2022, estando no ano anterior com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros.
Luís Montez saiu-se duplamente beneficiado neste selecto grupo de adjudicatários para prestação de serviços de publicidade á SCML. Com efeito, a SIRS – a empresa que detém a Rádio Nova, onde ele possui 25% do capital, sendo que outro tanto é de Álvaro Covões e 50% pertence ao Público – vai receber até ao final do ano por serviços de publicidade um total de 62.400 euros.
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