Em 2018, a venda do portfólio das revistas da Impresa, onde se destaca a Visão, deveria ter resultado num encaixe de 10,2 milhões de euros. Mas nunca se soube quanto lhe entregou o empresário e ex-jornalista Luís Delgado, através de uma empresa unipessoal (a Trust in News) com um capital social de apenas 10 mil euros, porque sempre faltou transparência e sucederam-se acordos para protelar os pagamentos. Agora, a Impresa assumiu que já não vai recuperar 2,5 milhões de euros, o que agravou os prejuízos do ano passado da dona do Expresso. Em todo o caso, o grupo de media fundado por Pinto Balsemão não se safou mal deste negócio, pois aquando da venda a Luís Delgado ‘transferiu’ um passivo de 19,3 milhões de euros para a agora quase ‘moribunda’ Trust in News. Quem se apresta a tramar-se é o Estado: em 2022 as dívidas fiscais da Trust in News atingiam 11,4 milhões de euros. À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a Impresa – que tem um passivo de mais de 222 milhões de euros e pagou quase 10,7 milhões de euros só em juros no ano passado – nada comunica.
Começava o ano de 2018, e anunciava-se um dos grandes negócios de media em Portugal: o colosso Grupo Impresa, fundado por Pinto Balsemão, com um capital social de 84 milhões de euros vendia um conjunto de 12 títulos – onde pontificavam as revistas Visão, Exame e Caras e o Jornal de Letras – à Trust in News, uma empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado com um capital social de apenas 10 mil euros. Era o Golias a vender ao David, embora sem qualquer funda. Pelo contrário, seis anos depois, o negócio está num poço sem fundo e do montante do negócio então divulgado em comunicado à CMVM – 10,2 milhões de euros –, pouco se viu entrar nos cofres da Impresa.
Pelo contrário, se os investidores esperavam alguns dividendos, desenganaram-se. O último relatório e contas da Impresa, relativo a 2023, revelado em detalhe no final do mês passado, mostra que 2,5 milhões de euros se perderam já. Assumir isto nas contas teve um colossal impacte: em vez de apresentar um prejuízo ligeiro, da ordem dos 200 mil euros, os accionistas receberam uma desagradável prende de mais de 2,7 milhões de euros de prejuízo.
Com efeito, nas notas das demonstrações financeiras de 2023, a Impresa assume que”a rubrica de outras contas a receber diminuiu devido ao registo de uma perda por imparidade no montante de 2.520.000 Euros referente ao montante a receber referente à alienação do portfólio de revistas (Activa, Caras, Caras Decoração, Courrier Internacional, Exame, Exame Informática, Jornal de Letras, TeleNovelas, TV Mais, Visão, VisãoHistória e Visão Junior)”. Em concreto, a Impresa desiste de cobrar esse montante a Luís Delgado sem sequer recorrer às instâncias judiciais nem esperando que aquele empresário cumprisse o último acordo para pagar a dívida até 2036, Este pode também ser sinal de um prevível colapso da Trust in News que apresentava em 2022 um passivo de mais de 27 milhões de euros e uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros.
A forma como decorreu o negócio da venda das revista em 2018 tem contornos estranhos, ademais sabendo-se que a Impresa tem compromissos legais de transparência e de comunicação ao mercado de capitais. No relatório e contas de 2018 do Grupo Impresa surgia a informação de que o acordo com a Trust in News estipulava o pagamento dos 10,2 milhões de euros “em dois anos e meio”. Porém, no final de 2019, de acordo com o relatório e contas desse ano da Impresa, a dívida ainda estava nos 4,55 milhões, acrescentando-se que em 31 de Dezembro de 2018 o valor nominal da conta a receber da TIN [Trust in News] era de 6.300.000 Euros”. Mais se acrescentava que se renegociara o plano de reembolso, pelo que Luís Delgado teria de pagar 2,15 milhões de euros em 2020 e 2,4 milhões em 2021.
Não sendo claro se a renegociação implicou um abaixamento do valor do negócio, certo é que em quase dois anos – tendo em conta a realização do negócio em 2 de Janeiro de 2018 –, a Trust in News tinha pagado, no máximo, 5,65 milhões de euros à Impresa até finais de 2019. No acordo inicial – pagamento em dois anos e meio – teria de se pagar 8,16 milhões de euros até 2020 e o remanescente (2,04 milhões de euros) no primeiro semestre de 2021.
Mesmo assim, nesta fase, o pagamento da Trust in News não foi com verbas de Luís Delgado nem de qualquer investidor externo, porque a empresa é unipessoal (apenas detida por Luís Delgado), e tem um capital social diminuto (10.000 euros).
No balanço de 2018 da Trust in News nota-se, aliás, que foi “herdado” um passivo significativo (quase 19,3 milhões de euros) à “boleia” de um activo onde se destacava um valor atribuído às marcas (activos intangíveis) da ordem dos 10,8 milhões de euros. Entre este passivo da Trust in News destacavam-se, então, os 6,2 milhões de euros ainda por pagar à Impresa e mais 2,7 milhões de um empréstimo ao Novo Banco.
Em suma, mesmo intervencionado pelo Estado, o Novo Banco dispôs-se a emprestar a curto prazo pelo menos 2,7 milhões de euros a uma empresa com um capital social de 10 mil euros, a Trust in News, para saldar parte da compra das revistas à Impresa.
Em 2019, o Novo Banco ainda emprestaria mais dinheiro à Trust in News. No final desse ano, a empresa de Luís Delgado já devia 3,7 milhões de euros ao Novo Banco, ou seja, a dívida para esta instituição financeira aumentara cerca de um milhão de euros. No entanto, globalmente, os financiamentos bancários à Trust in News já ascendiam aos 4,5 milhões de euros.
Foi a partir de 2020 que a Trust in News praticamente deixou de pagar a compra das revistas à Impresa, altura em que também começou a não pagar ao Estado. No relatório e contas da Impresa de 2020 refere-se que o valor nominal da dívida era ainda de 4,43 milhões de euros. Ou seja, Luís Delgado apenas pagou 120 mil euros à empresa de Pinto Balsemão durante todo o ano de 2020, quando tinha prometido pagar-lhe, nesse período, 2,15 milhões de euros.
Resultado: nessa altura, a Impresa concordou em renegociar a dívida, remetendo o plano de reembolso para 2023, sendo que em 2021 Luís Delgado teria de pagar 300 mil euros, e depois 2,63 milhões em 2022 e 1,5 milhões em 2023.
Se a Impresa tinha esperanças ou não na palavra de Luís Delgado, não se sabe. Em Abril do ano passado, aquando de uma notícia sobre este negócio, fonte da Impresa disse ao PÁGINA UM que “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”. Mas os dados são indesmentíveis. Nas contas de 2021, a Impresa declarou que o valor nominal da dívida da Trust in News situava-se nos 4.321.513 euros. Ou seja, se o compromisso do ano anterior era o de Luís Delgado pagar 300 mil euros em 2021 (de um total de 4,43 milhões), na verdade saldou apenas 110 mil euros. Mais: a Impresa já admitia vir receber apenas cerca de 3,55 milhões de euros, por ser esse o valor inscrito na rubrica “outras contas a receber”.
No relatório de 2021 da Impresa salienta-se que houve nova revisão do “plano de pagamentos do montante em dívida, estendendo o mesmo até 2036, prevendo o pagamento de prestações mensais de 25.000 Euros, a ser realizado pela cessão de créditos futuros da TIN [Trust in News] relativo à exploração das suas propriedades digitais, que se encontra a ser gerido por um terceiro.” Um pagamento mensal de 25 mil euros daria um total de 300 mil euros em 2022, mas mais uma vez Luís Delgado falhou.
De acordo com o mais recente relatório e contas da Impresa, a dívida nominal da Trust in News situava-se, no final de 2022, em 4.094.295 euros. Agora, nas contas de 2023 é assumida uma ‘eliminação’ da dívida em 2,5 milhões de euros, por se assumir uma imparidade, mas no relatório e contas nada se refere quanto aos restantes 1,5 milhões de euros da dívida da Trust in News em 2022. A Impresa também não comunciou nada previamente à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre estes sucessivos negócios nem os contornos da assumpção da imparidade, tendo em conta os deveres de informação aos investidores em casos de alterações materialmente relevante. Recorde-se que a Impresa tem um passivo de 222,6 milhões de euros em 2023, dos quais mais de 128 milhões em empréstimo de curto e longo prazos. E 70% dos seus activos são referentes ao goodwill referentes aos títulos da imprensa e televisão.
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