Vamos esquecer a história das vindimas que só terminam com o lavar dos cestos, mote da minha última estapafúrdia crónica – ou penúltima, se esta for considerada a derradeira (desta época, convém acrescer) – , que na semana passada em Famalicão o “perdigão perdeu a pena”, e vamos a factos: o Sporting foi um justo campeão, e isso já é passado, pelo que, em sinal de reconhecimento, ou mesmo de homenagem, trouxe hoje comigo um empedernido sportinguista, o jornalista Carlos Enes, para colaborar nesta crónica, não sabemos ainda bem como. Decidimos, agora, que será em crónica autónoma. Uma vez para nunca mais… esta época, claro.
Está ele, confessou-me, feliz da vida, ainda mais porque o Sporting acaba de vencer esta tarde a Oliveirense na final da Liga dos Campeões de Hóquei em Patins – que tem tanto prestígio internacional como o Mundial do Berlinde –, mas, mesmo sendo um dos excelentes jornalistas de investigação cá do burgo, está convencido que a Estatística é uma ciência esotérica, pelo que não imagina sequer que, ao ganhar este ano o campeonato, o Sporting hipotecou a chance de ser campeão no próximo ano. Passo a explicar…
(interrompo apenas para assinalar que o jogo começou; com meia casa; algum entusiasmo; sem ninguém brindar, ainda, o Schmidt com nefastos destinos; o João Maria em campo a garantir bolas passadas para trás em número suficiente para não ser possível uma goleada; e dois jogadores no banco que eu nem sabia que existiam: Gianluca Prestianni e Diogo Spencer)
… portanto, ia dizer, se considerarmos a contemporaneidade – isto é, basicamente, aquilo que não é História para mim, ou seja, o Mundo a partir de Novembro de 1969, e até deveria ser Dezembro de 1969, porquanto deu-me em nascer antes do tempo –, a probabilidade de o Sporting ser campeão na época de 2024/2005, portanto, de ser de novo campeão é… ZERO. Um redondo zero por cento.
Vejamos então. A última – e tenho a sensação que será mesmo a última até ao bíblico ‘fim dos tempos’…
(interrupção, por mor de uma ‘interrupção’ à margem das regras de um cruzamento, que dá origem a penalty… Vá lá, Di Maria: não falhes mais um… Golooooooooo!!!! Sem espinhas)
Continuemos… Como dizia…
(bolas, assim não dá: estava a aqui a consultar o histórico dos campeonatos desde os tempos da Outra Senhora, passam uns minutos, entoam as bancadas ao minuto 27 um cântico em honra do Rafa, e mais um penalty… a favor do Benfica. Este vai para o turco Kökçü que… goloooooooo!!!! É hoje que vai ser o 15 a zero, para fechar)
Vamos lá aproveitar alguns segundos – ou, vá lá, minutos – antes de o Benfica espetar o terceiro para continuar a narrativa sobre as chances nulas de o Sporting ser bicampeão, para concretizar a minha tese (de esperança para as águias na próxima época), sem antes notar que, aqui ao meu lado, o Carlos Enes disfarça o seu êxtase pela honra de estar aqui na Varanda da Luz… O deslumbre é tão grande que, olhando-o de soslaio, e para o seu computador, apenas ele me escrevinhou meia dúzia de linhas, e nem sei bem o que dali sairá.
(e grande fuzil do Rafa a carimbar o terceiro… acho que se reservaram para o último jogo)
Camandro!, assim não consigo avançar… Vamos lá. Reza a História da Ludopédio Lusitano que, em 90 campeonatos (vamos começar na época de 1934/1935), o Sporting foi tricampeão nas épocas de 1946/1947 a 1948/1949, foi tetra nas épocas de 1950/1951 a 1953 a 1954. Significa isto várias coisas, segundo diversas perspectivas. Do ponto de vista ideológico, o Sporting nunca foi bicampeão em tempos de democracia, porquanto nos pouquíssimos anos em que o campeonato que, vá lá saber-se como (e em dois casos com um treinador que ‘aprendeu’ na Luz), lhe saiu na rifa desde a Revolução dos Cravos – sete, para ser preciso –, depois do sol na eira, seguiu-se a chuva no nabal.
Sigamos. Do ponto de vista ‘cronológico’, convenhamos que, valendo as estatísticas o que valem, ter de recuar ao tempo dos ‘Cinco Violinos’ para encontrar uma série de mais de uma vitória em dois anos é ‘coisa’ ainda mais longínqua do que a famigerada Maldição de Béla Guttnann, que como é sabido constitui a única e infelizmente inquebrantável razão pela qual o Benfica nunca mais se fez campeão europeu.
Tenhamos, portanto, benfiquistas, um sinal de desportiva empatia com os sportinguistas, que agora festejam, embora, estatisticamente falando, devam estar desesperançados de se tornarem bicampeões na próxima época. Aqui ao meu lado, o Carlos Enes, nascido nos idos de 73, não apenas jamais viu o Sporting bicampeão como só festejou quatro campeonatos desde que é maior e vacinado, andando a pedinchar por um título entre 2003 e 2020. Já eu, benfiquista de gema, festejei 11 campeonatos desde que sou maior, e ‘colecciono’ um tetra. Isto sem falar nos 10 campeonatos que ganhei enquanto menor de idade, incluindo dois tricampeonatos.
(intervalo, vamos descansar, que para a segunda parte cheira-me haver mais uns quantos golos, para alívio do Schmidt que devo querer passar o jogo sem ninguém se aperceber que está no banco…)
Enfim, mas estando resolvida esta questão – o que permite quantificar a esfuziante alegria dos lagartos, pouco atreitos a campeonatos em tempos democráticos –, convenhamos que há mais diferenças entre benfiquistas e sportinguistas, personificados em mim e aqui no meu ‘camarada de carteira’.
Assim, convidou-me ele – ou desafiou-me – para assistir ao jogo do Sporting de ontem, como contrapartida ao meu convite para vir comigo à Varanda da Luz. Mas em vez de ser num estádio, levou-me para a sua casa. Está bem que o ecrã da televisão dele não é mau de todo, mas, enfim, nisto que se vê porque há uns tipos são benfiquistas e outros que acabam sportinguistas…
(goloooooooo…. mais um do Rafa… está a despedir-se em grande)
Ainda por cima, vindo o Carlos Enes ao estádio do Glorioso, ainda recebeu, como eu, o extraordinário repasto constituído por uma baguete de queijo flamengo + carne fumada + espinafres, uma barrita de chocolate, uma maçã e uma garrafinha de água de PH básico. Tudo de borla! Já eu, enfim…
(golooooooooo…. entrou o Tengstedt, de má memória dos sportinguistas, e marcou… já vamos em cinco, não é?)
Dizia eu que, enfim, em troca de honrosa estada na Varanda da Luz a assistir a excelente espectáculo desportivo e degustando opíparo farnel, o Carlos Enes somente me disponibilizou ontem – e, confesso, novamente hoje, pelo almoço – um singelo leitão assado, uma despretensiosa cachupa, um primitivo frango de churrasco, umas banalíssimas gambas, tudo antecedido por coxinha de alheira, queijos diversos, batatas doces e normais e outros modestos acepipes, tudo regado por tinto do Alentejo, que houve quem viesse de propósito de Alpalhão para, em Lisboa, assistir ali para os lados da Graça, a um jogo na televisão transmitido a partir do Estoril. Enfim, também aqui se destaca a diferença entre o Benfica e o Sporting…
(ali em baixo, o jogo caminha para o fim, nada muito relevante, excepto as substituições onde se incluíram as saídas de Di Maria e do Rafa para as palmas)
E, pronto, haveria ainda mais umas quantas coisas a dizer, e a contar, sobre o Benfica – e sobre o Sporting –, mas fica, certamente, para a crónica ‘subsidiária’ do Carlos Enes, que agora me parece estar afanosamente a escrevinhar. Por mim, encerro a época; talvez para o ano tenhamos mais uma edição do Varanda da Luz, neste ou noutros moldes, que parece que ainda não irritei demasiadas pessoas, que nunca conseguem convencer-se que um jogo de futebol é apenas isso: onze gajos (neste caso são gajos) as pontapés e cabeçadas na bola, e caneladas às vezes, com o fito de a meterem nas balizas adversárias, ao qual se seguem sempre momentos onde apenas apetece brincar um pouco com os derrotados. E depois segue-se para a vida a sério… Até para a próxima época!
(e acaba o jogo e as crónicas desta primeira época Da Varanda da Luz)
Ah, um post scriptum: reparem que na Varanda da Luz nunca se relatou uma derrota do Benfica, e somente dois empates… Que se registe e se venha a conceder, no futuro, mais do que uma baguete de queijo flamengo + carne fumada + espinafres, que hoje até se leva para casa, porque vim cheio do almoço em casa do Carlos Enes…
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