PÁGINA UM revela todos os números dos crimes conjugais por município

Violência doméstica: 72 crimes por dia no ano passado. Municípios do Alentejo e Açores com os piores rácios

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por Pedro Almeida Vieira // Maio 23, 2024


Categoria: Exame

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Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a violência doméstico em contexto de casal já assustam, ultrapssando os 26 mil crimes registados só no ano passado. Mas o PÁGINA UM foi mais longe na análise e calculou os rácios deste tipo de crimes em função dos registos das autoridades policiais em cada município e da respectiva população residente. E mostra que a violência conjugal, embora presente em quase todo o lado, apresenta prevalências pavorosas em zonas rurais e do interior, sobretudo em partes do Alentejo, dos Açores e do interior da região Norte. Em exclusivo, o PÁGINA UM revela todos os números entre 2021 e 2023, naquele que será o primeiro trabalho de um dossier de investigação dedicado à criminalidade em Portugal.


As autoridades policiais registaram, só no ano passado, uma média diária de mais de 72 crimes de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, ou seja, incluindo todos os casos de coabitação em comum entre casais. Em todo o ano de 2023 foram 26.041 crimes registados pelas autoridades policiais. Estes números absolutos, revelados na semana passada no site do Instituto Nacional de Estatística (INE), estão em linha com os valores apurados em 2022 (26.073 crimes similares), mas são substancialmente mais elevados do que em 2021 (22.524).

Nos últimos três anos, o INE apresenta estes registos em números absolutos por município, colocando assim os concelhos de maior dimensão no topo, mas uma análise do PÁGINA UM, com base nas estimativas oficiais da população, possibilita apurar os rácios de criminalidade que se revelam, em muitos casos, surpreendentes.

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Com efeito, em termos absolutos, os três concelhos mais populosos do país – Lisboa (cerca de 547 mil habitantes), Sintra (388 mil) e Vila Nova de Gaia (quase 307 mil) – são os que contabilizam mais crimes de violência doméstica. A capital portuguesa registou 1.777 destes crimes ao longo do ano passado, uma média de quase cinco casos por dia, enquanto em Sintra se contabilizaram 1.309 crimes, uma média de cerca de sete casos em cada dois dias. Estes dois municípios são os únicos que estiveram acima da fasquia do milhar de casos num só ano, evidenciando-se um crescimento entre 2021 e 2023 da ordem dos 26% em Lisboa e de quase 39% em Sintra.

Já a grande distância, no terceiro município mais populoso, Vila Nova de Gaia, as autoridades policiais contaram, no ano passado, 680 crimes de violência, uma média pouco inferior a dois casos por dia. Acima de um caso por dia durante o ano passado estão somente municípios com mais de 100 mil habitantes: além dos três já referidos, são os casos de Loures (676 crimes em 2023), Porto (620), Cascais (522), Almada (512), Amadora (504), Oeiras (489), Funchal (481), Seixal (422), Matosinhos (394) e Vila Franca de Xira (368).

Particularmente preocupante é a evolução em alguns destes municípios. Por exemplo, entre 2021 e 2023, no concelho do Funchal os crimes de violência doméstica cresceram 53%, em Loures 41%, no Seixal, em Oeiras e em Oeiras 38%.

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No lado oposto, de entre os concelhos com mais de 100 mil habitantes com menor registo de crimes de violência doméstica estão Barcelos (221 casos em 2023), Maia (224) e Viseu (226).

Porém, quando se analise o rácio da violência doméstica – ou seja, os crimes por ano em função da população residente –, o cenário modifica-se, revelando-se a verdadeira dimensão de um grave problema socio-económico. Com efeito, considerando o número de crimes por mil residentes, o município mais violento é Barrancos: embora tenha um registo de 10 casos em 2023, tal sucedeu numa comunidade com menos de 1.500 habitantes. Se o seu rácio (6,8 casos por mil) fosse o de Portugal, em vez dos 26 mil casos registados a nível nacional, haveria mais de 71 mil. Ou seja, o pequeno município alentejano – conhecido pelas festas com touro de morte –, não é, neste aspecto, um exemplo muito dignificante.

Barrancos não é, contudo, um caso isolado no Alentejo, que se revela, nesta análise, como a região com maior prevalência de violência doméstica, seguindo-se os Açores. Com efeito, no top 10 dos municípios com maior rácio de violência doméstica em Portugal, sete são do Alentejo – Barrancos, Ferreira do Alentejo, Avis, Viana do Alentejo, Alter do Chão, Arronches e Cuba – e três dos Açores – Velas, Lagoa e Ribeira Grande. Nestes municípios, as autoridades policiais registaram no ano passado entre 4,8 e 6,8 crimes por cada mil residentes. Em alguns destes municípios, o crescimento entre 2021 e 2023 foi bastante significativo. Em Velas passou de 1,4 por mil em 2021 para 5,7 em 2023; em Alter do Chão de 1,3 para 5,4 e em Arronches de 1,4 para 5,0.

Se considerarmos os 20 municípios com maior violência doméstica, com excepção do Funchal (que tem mais de 100 mil habitantes), todos têm características sobretudo rurais, ganhando também preponderância o Alentejo. Metade destes municípios são alentejanos. No continente, o município do litoral com pior rácio de violência doméstica é Albufeira, com 4,1 crimes por mil residentes, ocupando a 21ª posição.

Barrancos, pequeno município alentejano conhecido pelos touros de morte, apresentou os piores rácios de violência doméstica no ano passado.

No caso da Grande Lisboa, os concelhos da Moita e Barreiro – respectivamente com 3,7 e 3,6 crimes por mil habitantes – são os piores. Já Lisboa e Sintra – que, em termos absolutos lideram a violência doméstica – acabam por descer de posição consideravelmente numa perpectiva de taxa de criminalidade. O município de Sintra ocupa o 48º lugar para o ano passado em termos de rácio, com 3,4 crimes por mil residentes, enquanto Lisboa ocupa a 56ª posição, com 3,2 crimes por mil residentes, ainda acima da média nacional (2,5 por mil).

No Norte – que em termos globais apresenta taxa de violência doméstico inferior à média nacional (2,1 por mil) –, há poucos municípios com rácios superiores a Lisboa, sendo todos de Trás-os-Montes e Alto Douro: Vila Flor (4,3 crimes por mil residentes), São João da Pesqueira (3,8), Freixo de Espada-à-Cinta (3,8), Alfândega da Fé (3,5), Peso da Régua (3,4), Vila Nova de Foz Côa e Torre de Moncorvo (3,3). Os dois principais municípios nortenhos – Porto e Vila Nova de Gaia – apresentaram também rácios mais baixos do que Lisboa: 2,6 e 2,2 por mil residentes.

Em todo o caso, a região Centro é aquela com melhores rácios – ou seja, com menos crimes de violência doméstica por mil residentes. As autoridades policiais registaram, no ano passado, menos de 1,8 crimes desta natureza por mil residentes. Em todo o caso, existem excepções muito negativas, mais uma vez quase sempre concentrados no interior, onde se destacam os municípios de Belmonte, Arganil, Celorico da Beira, Vila Velha de Ródão, Vila Nova de Paiva, Oliveira do Bairro, Seia, Penamacor, Manteigas, Cantanhede, Marinha Grande, Mangualde, Batalha, Góis, Fundão, Sever do Vouga, Ílhavo, Mêda, Estarreja e Covilhã. Estes concelhos apresentaram rácios compreendidos entre 3,0 e 4,5 crimes de violência doméstica por mil residentes.

Corvo: a pequena ilha açoriana, com quatro centenas de pessoas, é o único concelho do país sem registo de crimes de violência doméstico entre 2021 e 2023.

No extremo oposto – neste caso, favorável –, deve salientar-se os sete concelhos onde, no ano passado, não houve registos policiais de violência doméstica. Curiosamente, três são dos Açores – Corvo, São Roque do Pico e Lajes das Flores – e dois são do Alentejo – Mértola e Ourique –, duas regiões onde campeiam rácios elevados de violência doméstica. Neste grupo de sete ‘pacíficos’ (e magníficos) municípios estão ainda dois do distrito de Bragança: Vimioso e Vinhais. Em todo o caso, somente Corvo manteve o pleno de ausência de crimes de violência doméstico no triénio 2021-2023, enquanto Lajes das Flores teve também um ‘nulo’ em 2021.

Se se considerar um período de três anos, o cenário não se modifica muito. Os cinco piores concelhos ao nível da violência doméstica são Barrancos (20,5 crimes por mil residentes no triénio), Ferreira do Alentejo (17,9), Avis (16,0), Ribeira Grande (15,1) e Celorico da Beira (14,6), enquanto os cinco mais ‘pacíficos’ são Corvo (sem crimes), Mértola (1,6 crimes por mil residentes no triénio), Vimioso (1,9), Vinhais (2,7) e São Vicente (2,9). Quanto a Lisboa ocupa a 61ª posição a nível nacional, com um rácio no triénio de 8,9 crimes por mil residentes, estando um pouco abaixo de Sintra (56ª posição, com 9,1 por mil no triénio). O concelho do Porto está mais abaixo, na 115ª posição, com 7,3 crimes registados por mil habitantes entre 2021 e 2023, situando-se Vila Nova de Gaia na posição 164, cimj um rácio de 6,6.

Por ser uma entidade publicamente reconhecida pOR serviços neste sector, o PÁGINA UM contactou a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) para obter comentários, explicando previamente a análise efectuada com os dados do INE. Mas esta instituição de solidariedade social – que, no ano passado, recebeu 3,8 milhões de euros em donativos e subsídios estatais, funcionando à base de uma dezena de acordos e protocolos com o Estado e quase outros tantos protocolos camarários – não mostrou qualquer disponibilidade.

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O gabinete de comunicação da APAV alegou ao PÁGINA UM não haver agenda nesta semana de qualquer responsável para comentar este assunto. A APAV conta com sete membros da direcção, presidida por João Lázaro, 109 trabalhadores e contabilizou custos com pessoal superiores a 2,4 milhões de euros no ano passado.

Aliás, esta associação tem registado um crescimento económico assinalável, duplicando o seu activo entre 2015 e 2023, passando de cerca de 2,8 milhões de euros para quase 5,7 milhões no ano passado, muito por fruto do aumento dos rendimentos, sobretudo subsídios públicos. No ano passado, os rendimentos da APAV aproximaram-se dos 4 milhões de euros, quando há cerca de uma década rondavam os 2 milhões de euros.


Pode consultar AQUI os valores de todos os concelhos, com o número total de crimes de violência doméstica e o respectivo rácio (crimes por mil residentes). Para o cálculo do rácio de cada um dos três anos (2021, 2022 e 2023) considerou-se as estimativas da população (do INE) para o respecfivo concelho relativas ao ano anterior.


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