EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

Camaradas jornalistas, vamos acabar com esta palhaçada?

man in red and black robe

por Pedro Almeida Vieira // Maio 25, 2024


Categoria: Opinião

Temas: Editorial

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Sei o que é uma notícia. E sobretudo uma ‘cacha’, em gíria jornalística. E uma ‘cacha’ é uma ‘cacha’ independentemente do ‘nível’ do jornal ou do jornalista que a produz, sendo certo que é mais difícil sacar uma se se for bom jornalista de um jornal de pequena dimensão, e é mais fácil sacar uma para um jornal de grande dimensão, mesmo que se seja um jornalista medíocre. Mas um bom jornalista consegue sempre sacar ‘cachas’, sendo essa a essência do bom jornalismo, que costumava ser elogiada e reconhecida inter pares.

Manda assim a ética – cada vez mais escassa nos meios de comunicação social – que os camaradas (jargão jornalístico que nada tem de ideológico) ao se aperceberem de uma ‘cacha’ da concorrência, mesmo se de um pequeno jornal digital independente, a possam difundir – ou, pelo menos, não a devem ignorar para ‘memória futura’ para eventuais enquadramentos.

a silhouette of a lion sitting on a rock

Sei bem a irritação que eu, e particularmente o PÁGINA UM, tem causado no sector dos media nos últimos dois anos e meio. Temos revelado muitas promiscuidades, desvelado os negócios escabrosos e a aflita situação financeira dos principais grupos. Somos, bem sei, uma espécie de ‘lembrete’ de consciência daquilo que deve ser o jornalismo. E isso mostra-se, tem-se mostrado fatal, na hora de repercutir algumas evidentes ‘cachas’ do PÁGINA UM.

Não tenho, assumidamente, uma qualquer mania das grandezas, mas só nos últimos dois meses conto, sem qualquer dúvida, uma dezena de notícias exclusivas do PÁGINA UM que seriam ‘cachas’ se fossem feitas por qualquer jornalista num qualquer órgão de comunicação social.

Uma dessas ‘cachas’ do PÁGINA UM foi publicada no passado dia 13, revelando que, através da sua empresa Leitek, um antigo capitão de fragata, condenado em 2008 por corrupção passiva, recebeu uma autorização do Ministério da Defesa em Setembro passado para exercer actividades de comércio e tecnologias militares, apesar de uma lei de 2009 proibir expressamente, por razões de idoneidade, a obtenção de uma licença a quem tenha sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, por diversos crimes graves.

Notícia do PÁGINA UM de 13 de Maio sobre uma licença concedida a uma empresa cujo único sócio fora condenado por corrupção passiva.

Este caso, nada tinha a ver com uma notícia do Correio da Manhã de 5 de Março, que revelara que uma empresa da Zona Franca da Madeira recebera similar licença. No entanto, nesse caso, estava apenas em causa a ‘singularidade’ de uma licença após as eleições legislativas a uma empresa que tinha, no seu objecto social, a venda de imóveis. Contudo, nesse aspecto, a menos que houvesse cadastro do francês detentor da Softbox, nada existe de grande admiração, porquanto o gerente francês possui a patente de uma mira de arma, convenientemente registada desde 2020.

O caso da Leitek era, assim, um caso completamente à parte. Muito grave. Muitíssimo grave, tanto mais as ligações do seu único sócio, um ex-militar condenado por corrupção, com a China. Tudo estava na notícia.

Porém, a notícia do PÁGINA UM foi ignorada pela generalidade da comunicação social. E dos diversos partidos políticos. Silêncio absoluto.

Algo que, assim permitiu, ao Ministério da Defesa fazer uma ‘brincadeira’ aproveitando a inefável agência noticiosa Lusa, que difundiu anunciando uma auditoria após uma “averiguação preliminar” ter detectado numa alegada “amostragem restrita de processos considerados” o licenciamento “de uma empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão por crime” considerado incompatível com uma lei de 2009.

Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional: alegou uma “averiguação preliminar” que, com base numa suposta “amostragem restrita de processos considerados” detectou um caso, sem o identificar, que encaixa na perfeição na Leitek, uma empresa denunciada pelo PÁGINA UM há 12 dias.

Por indesculpável ignorância ou má-fé, tanto a Lusa (a primeira a divulgar a auditoria) como a generalidade da imprensa não se incomodaram sequer a questionar o Ministério da Defesa Nacional sobre qual o caso concreto detectado, tanto mais que os despachos são públicos. Mas nem valeria a pena: a “averiguação preliminar” que levou a uma “averiguação preliminar” que, por sua vez, apura o caso da “empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão” encaixa-se, na perfeição, na ‘cacha’ do PÁGINA UM de 13 de Maio passado.

Na generalidade dos casos, a imprensa mainstream ignorou olimpicamente a ‘cacha’ do PÁGINA UM, e fez pior. Como sucede com as notícias do Público, do Jornal de Notícias, da SIC Notícias, do Diário de Notícias, do Observador ou da própria CMTV, ainda sugerem que esta “averiguação preliminar” está relacionada com a notícia do Correio da Manhã (que nada diz sobre um sócio condenado por corrupção) relacionada com a Softbox.

Um caso destes é pouco dignificante para os envolvidos. Para o Ministério da Defesa, que não quis assumir a ligação da auditoria à notícia do PÁGINA UM, e para os órgãos de comunicação social que ‘ostracizam’ o PÁGINA UM, transmitindo informação manipulada, errónea e deturpada para o seu público.

Concedo que este ‘modus operandi’ pode continuar a colher bons resultados a prazo. Por mais uma semana, um mês, um ano, ou até para sempre.

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Na verdade, a falta de ética profissional pode ser bem-sucedida, porque, na vida real, o mal pode vencer o bem. Mas também na vida real, às vezes os maus procedimentos da imprensa são castigados pelos leitores – e a crise do jornalismo nos grandes grupos de media mostra uma tendência de perda de credibilidade.

Por isso, camaradas jornalistas: vamos acabar com esta palhaçada? Vamos passar, pelo menos, a assumir que, quando o PÁGINA UM fizer uma ‘cacha’, esta é uma notícia que, se tiver consequências políticas, não é ignorada?


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