Daqui da bancada de imprensa do Estádio do Jamor, venho, desde já, anunciar – que digo: proclamo –, por ex scientia et experientia incontrovertibilis, que a ‘sportinguite’ não é transmissível. Sem uso de fogueiras em ruas, sem salvas de artilharia, sem música estridente, porque as vibrações afastam o ar corrupto, sem caixas pendentes no nariz com soluções de vinagre, e sem máscaras de Froes, tenho passado incólume por turbas de ‘lagartos’, aos montes, de todas as idades e feitios, mais esguios e mais rechonchudos. Isto depois do sucedido na semana passada, onde, com intrépida valentia me arremessei pelo Estádio de Alvalade, invadindo um lugar da bancada central para retirar a alegria dos festejos de um sportinguista.
Mantendo-me, garanto-vos, benfiquista saudável, de língua rosácea, narinas desentupidas, garganta suave, bons fígados, melhores rins e sem bílis negra. E bom palato. Tanto assim que posso também confirmar que, enfim, a qualidade dos farnéis fornecidos pelos organizadores de jogos da lusitana Ludopédia têm um nível de progressão tão elevado como a Turquia no mercado de trabalho… isto, claro, se consideramos que a Turquia, afinal, é o 49º país (ou território) na produtividade do trabalho, e não o CR7 do mercado de trabalho, como pensa a esquerda partidária cá do burgo.
Um destes dias ainda me meto a fazer uma crítica gastronómica sobre lanches futebolísticos por esse mundo fora. Mas, pela amostra – apenas dois locais, convenhamos –, deve ser tudo corrido a sandes, uma peça de fruta, um sumo ou água, e um ou outro acepipe. Desde já, a quantidade fornecida pela Federação Portuguesa de Futebol é mais folgada. Pau (pão duro) com chouriço, que parece ter sido insuflado, mais uma baguete de presunto com queijo, em aparente similar condição, uma banana, um pacotinho de batatas fritas, e ainda uma barra contendo 27% de chocolate de leite recheado de caramelo e 32% de leite maltado, ignorando, por não constar na ‘ficha técnica’, que mixórdias estão nos restantes 41% deste Mars.
Avancemos, porque convém também assinalar que esta é a minha estreia absoluta em jogos no Jamor, também não há muitos – mas nunca antes me deu para vir, e desta deu-me, porque acedi ao desafio do Carlos Enes, e vai daí fiz-me de VIP, pedidos de acreditação, com direito a parque, e siga, que foi num pulinho que aqui chegámos, apesar de um acidente perto da saída – ou entrada – de Queijas.
Entrámos pela ala norte, só se viam verdes: árvores e lagartos, sendo que estes últimos até um porco estavam a assar. A festa, presumo, terá começado cedo, com comes e muitos bebes, música pimba, ou parecida. Nem dragões nem tripeiros nas imediações. Presumi, para em seguida confirmar no estádio, que aqui não há lugar a misturas; os portistas ficaram todos no topo sul, em menor número com portas de acesso e diversões noutra ala.
O estádio é catita – é mesmo catita, e agora percebo a razão de se mantê-lo, mais de 50 anos depois do fim do Estado Novo, como cenário da festa da Taça de Portugal. Rodeado de verde, encaixado numa encosta, somente com uma bancada central completa, num enquadramento paisagístico deslumbrante. Nem sequer compreendo assim a razão de se falar tanto no estádio do Braga concebido pelo Souto Moura.
Este vetusto estádio, que no próximo mês perfaz 80 anos, teve dois ‘pais’ dos melhores: o arquitecto Jacobetty Rosa e o arquitecto paisagista Francisco Caldeira Cabral. As cerimónias ante-jogo também têm o seu-não-sei-quê de Estado Novo com muita juventude, muito bem organizada com uma encenação a raiar a Mocidade Portuguesa. Também se apela, nos altifalantes, a que toda a gente de levante enquanto se entoa A Portuguesa. Mantenho-me traiçoeiramente sentado, antevendo o que se segue depois deste acto de patriotismo bacoco: música saindo dos altifalantes em altos berros … em língua estrangeira.
Confesso que aquilo que menos me interessa é o jogo. Não está cá o Benfica – nem o Leixões ou o Anadia, que são os meus clubes secundários, e portanto é-me indiferente o que saía daqui, embora sempre que o Porto perde, mesmo se a feijões, há sempre uma, pelo menos, alegria sádica só de imaginar a cabeça do Sérgio Conceição. Se não tivesse vindo cá, para uma inusitada crónica, ao lado do por certo descendente do cronista Gomes E(a)nes de Zurara, provavelmente nem sequer estaria a ver este jogo na televisão. Provavelmente, estaria a escrever uma investigação para publicar hoje no PÁGINA UM… e ver depois sair como manchete plagiada no Correio da Manhã daqui a 13 dias… Como sucedeu hoje…
Avancemos.
Em todo o caso, não me arrependo desta demanda. O jogo saiu animado, logo aos primeiros minutos houve ocasiões de ambas as partes, o ritmo amainou um pouco, houve depois, um golo para cada lado, e a seguir o momento ‘Big Brother’ em que foi expulso um central holandês chamado Saint Juste, que, segundo me diz o Carlos Enes, não foi justa.
A segunda parte foi praticamente de sentido único, com o Porto a atacar e o Sporting a fazer contas à vida, e a contar os minutos para aguentar a igualdade. Interiormente, já me queixo, porque o Carlos Enes está aqui ao meu lado de fraco ânimo, dizendo-se pouco inspirado. Pudera: já deve estar a sentir-se o Pep Guardiola que viu o seu City perder ontem por 2-1 com os toscos do United do ten Hag no duelo dos dois Manchester na Taça da Inglaterra.
Terminaram os 90 minutos. Mais 30 minutos. O Carlos Enes queixa-se do frio – eu nem tanto, porque ele me emprestou uma camisola, por sinal, verde. Já me diz que, se calhar, acaba a crónica no quentinho da casa. A minha sai assim…
(… e sai também um penalty para o Porto, uma saída em falso do miúdo Diogo Pinto, guarda-redes do Sporting, que estava a ser um ‘esteio’ na baliza, e acaba a dar um murro no Eavanilson; azares, o miúdo arriscava-se a ser o man of the match…)
E marca o Porto, e o Sérgio Conceição, talvez para não festejar em campo o golo do Taremi, faz-se expulsar pelo árbitro. Certamente mais uma injustiça… Deve já estar próximo das 30 cartões vermelhos em toda a carreira de treinador – de jogador não deve ter ficado longe. Faço pesquisa rápida: o homem tem menos cinco anos do que eu, por certo vai suplantar o Miguel Herrera, um treinador mexicano de 56 anos que, ‘diz-me’ o ChatGPT, detém o recorde de treinador de futebol mais expulso do Mundo, com 46 cartões vermelhos. Não consegui confirmar em local idóneo, mas é garantido que o ‘nosso’ Sérgio Conceição, fique ou não no Porto, vai ultrapassar o mexicano.
Caminha, entretanto, o prolongamento para o final. Canta-se “Campões! Campeões! Nós somos Campeões” na bancada do Sporting, como para suavizar esta derrota inglória. Os portistas devem estar nas suas sete quintas: afinal, sempre conseguem ganhar troféus sem o Pinto da Costa.
E pronto, factum est! Termina o jogo, faz já um ventinho desagradável, o mau perder do Carlos Enes já exige uma saída rápida antes da entrega da taça, deduzo que já não vai haver comezaina do ‘Grupo da Garagem’, e assim sendo levo para casa as duas chouriças para assar que trouxe no carro.
Em conclusão, ficamos assim como estávamos no que diz respeito a ‘dobradinhas’ de campeonato-taça: Benfica tem nove, o Sporting manteve as seis e o Porto anda com três.
Publique-se, portanto.
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