Apresentadora não constituiu provisões e 'sacou' 2,2 milhões de euros em lucros nos últimos dois anos

Cristina Ferreira está a descapitalizar a Amor Ponto, condenada a pagar 3,3 milhões de euros à SIC

por Pedro Almeida Vieira // Junho 11, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

minuto/s restantes

Uma análise contabilística do PÁGINA UM às contas da Amor Ponto, a empresa da apresentadora Cristina Ferreira condenada a pagar 3,3 milhões à SIC por quebra de contrato em 2020, revelam que foram desviados nos últimos dois anos, sob a forma de dividendos, cerca de 2,2 milhões de euros. A operação é controversa, e mesmo de legalidade duvidosa, porque essa saída de dinheiro da esfera da empresa só se realizou porque Cristina Ferreira não constituiu uma provisão para garantir o pagamento no caso de perder a acção contra a SIC. Apesar de ainda ter aparentemente activos, à pele, para pagar a indemnização, entre edifícios, investimentos e ‘dinheiro fresco’ (1,1 milhões de euros no final de 2023), a Amor Ponto aparenta caminhar para o ‘ponto final’. Por isso, se a SIC não se preocupar em parar o processo de descapitalização em curso daquela empresa, arrisca a ficar com uma mão-cheia de nada, porque não pode tocar no património pessoal de Cristina Ferreira.


No conflito entre a SIC e Cristina Ferreira, a sua Amor Ponto é que vai pagar, e não terá escapatória, mas a apresentadora da TVI tem estado a descapitalizar a empresa, porque como não constituiu uma provisão, continua a dar lucros. Segundo a análise do PÁGINA UM, entre 2021 e 2023, Cristina Ferreira terá já desviado da empresa, que compartilha com o seu pai, um total de 2,2 milhões de euros.

Apesar disso, a Amor Ponto, agora condenada pelo Tribunal de Sintra a pagar mais de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra de contrato, possui ainda, de acordo com as demonstrações financeiras relativas ao ano passado, consultadas pelo PÁGINA UM, activos de cerca de 5,6 milhões de euros – mais do que suficientes para ‘saldar’ a indemnização à SIC –, mas o passivo, onde constam dívidas bancárias (282 mil euros) e diversas contas a pagar (superiores a dois milhões de euros) colocarão a empresa em situação aflitiva, uma vez que foi retirados 2,2 milhões de euros em dividendos.

Cristina Ferreira / DR

Ao contrário daquilo se seria de supor, a Amor Ponto nem sequer previu, do ponto de vista contabilístico, vir a perder a acção contra a SIC, pois não constituiu provisões em qualquer um dos três últimos exercícios analisados pelo PÁGINA UM. Essa opção não terá sido um acaso ou uma ingenuidade – e o contabilista oficial poderá também vir a ser responsabilizado –, pois se tivesse sido feita, a Amor Ponto dificilmente apresentaria os lucros que contabilizou em 2021, 2022 e 2023, respectivamente de 1,9 milhões de 991 mil e de 980 mil euros.

Significaria assim que se fossem seguidas as regras da prudência contabilística, com uma provisão, a Amor Ponto dificilmente apresentaria lucros que lhe permitisse distribuir dividendos aos sócios, que são a própria Cristina Ferreira (que detém directamente apenas 2,9%), o seu pai, António Jorge Ferreira (1,1%) e a empresa Docasal (96%, detida maioritariamente por Cristina Ferreira, com o seu pai com uma pequena quota). Apesar de não terem sido preenchidos elementos da alteração do capital social e das demonstrações de fluxo de caixa, uma análise contabilística feita pelo PÁGINA UM concluiu que a empresa de Cristina Ferreira ‘sacou’ 2,2 milhões de euros da Amor Ponto ao longo do ano passado sob a forma de dividendos. Isto deduz-se a partir da diferença entre o somatório do capital próprio em 2020 com os lucros do triénio 2021-2023 (5,3 milhões de euros) e o efectivo capital próprio no final de 2023 (3,1 milhões de euros).

Apesar desta elevada ‘descapitalização’, de acordo com as contas de 2023, já publicadas, a Amor Ponto ainda tem ‘dinheiro fresco’ no banco (mais de 1,1 milhões de euros) e também activos facilmente convertíveis, nomeadamente quase 2,4 milhões de euros em activos fixos tangíveis e cerca de 1,2 milhões de euros em activos financeiros. De entre os activos tangíveis, quase tudo (2,28 milhões de euros) referem-se a edifícios e outras construções. A SIC pode vir a solicitar, em caso de recurso, que seja vedada à Amor Próprio outra qualquer distribuição de dividendos, sob pena de Cristina Ferreira poder ser condenada por falência fraudulenta.

Tribunal considerou que contrato de Cristina Ferreira com a SIC era um contrato mercantil com a Amor Ponto, que nunca constitui provisões, permitindo a sua descapitalização, através de distribuição de dividendos.

Se Cristina Ferreira, como detentora maioritária da Amor Ponto, decidir pagar de imediato a indemnização de 3,5 milhões de euros à SIC, esta sua empresa – que tem seis trabalhadores – terá bastantes dificuldades em cumprir depois as suas obrigações, mesmo dando um lucro anual próximo de um milhão de euros com vendas a rondarem os 2,5 milhões de euros em cada um dos últimos dois anos. Com efeito, apesar de ter um nível de endividamento baixo – e até inexplicável face ao dinheiro à ordem que possuía no final do ano passado –, a Amor Ponto tem compromissos de curto prazo (a pagar em menos de um ano) de mais de 2,2 milhões de euros.

Quanto à opção de recorrer desta decisão, os efeitos podem ser piores, uma vez aquilo que está em causa, conforme o Tribunal de Sintra determinou, é um mercantil entre a SIC e a Amor Ponto, que não foi cumprido. Se Cristina Ferreira insistir em recorrer e perder daqui a três ou quatro anos, a dívida pode subir facilmente para mais de cinco milhões de euros – e aí dificilmente a SIC aceitará que a Amor Ponto não constitua uma provisão, única garantia de haver capital suficiente para pagar se houver nova derrota.

Recorde-se que este conflito surgiu com a saída repentina de Cristina Ferreira da SIC em Julho de 2020, quando se anunciou o seu regresso à TVI como directora e pequena accionista da Media Capital.

Para garantir a indemnização, SIC tem de garantir que a Amor Ponto não fica descapitalizada.

De acordo com uma nota de imprensa hoje divulgada, depois de quase quatro anos de conflito, o Tribunal de Sintra condenou a Amor Ponto a “proceder ao pagamento à autora SIC – Sociedade Independente de Comunicação S.A. da quantia de 3.315.998,67 euros, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a citação até efetivo e integral pagamento”. No total, o valor será de 3.536.666,67 euros, mas o tribunal reconheceu um crédito de 220.668 da Amor Ponto à SIC, devido a “valores titulados por facturas emitidas e vencidas, respeitante a pagamentos de comissões de publicidade e de passatempos”.

O PÁGINA UM tentou contactar a apresentadora Cristina Ferreira, mas não foi ainda possível obter qualquer comentário, que, a ocorrer, será inserido. Em todo o caso, para outros órgãos de comunicação social, Cristina Ferreira ainda não teve qualquer reacções sobre a condenação no Tribunal de Sintra.


N.D. O PÁGINA UM disponibiliza as demonstrações financeiras da Amor Ponto de 2021, 2022 e 2023, usadas para a elaboração da análise contabilística que esteve na base desta notícia.


PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.