Reunião para debater mercado energético só teve peritos pró-nuclear

Lobby do nuclear em ‘namoro’ com ministra do Ambiente

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por Pedro Almeida Vieira // Junho 13, 2024


Categoria: Exame

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Nos anos 70 do século passado, por um triz, e devido à contestação popular e de cientistas, Portugal não implantou uma central nuclear em Ferrel, junto a Peniche. No início do presente século, diversos empresários intentaram novo projecto, que abortou. Agora, com o aquecimento global como pano de fundo, e acenando com a necessidade de descarbonização energética, os lobbies do nuclear reganharam força. E já procuram seduzir a nova ministra do Ambiente que, na semana passada, recebeu em privado quatro adeptos da energia nuclear, entre os quais o ex-ministro Mira Amaral e um antigo secretário de Estado que assessorou Graça Carvalho quando tutelava a Ciência. Num momento em que se encontra em revisão o Plano Nacional Energia e Clima, este ‘namoro’ não é um acaso.


O lobby da energia nuclear está a ganhar força no seio do Ministério do Ambiente com a mudança de Governo e a chegada de Maria da Graça Carvalho. A antiga ministra da Ciência dos Governos de Durão Barroso e de Santana Lopes reuniu na passada quinta-feira, oficialmente para discutir o mercado energético, com quatro conhecidos adeptos da construção de centrais nucleares em Portugal: Pedro Sampaio Nunes, Luís Mira Amaral, Clemente Pedro Nunes e Bruno Soares Gonçalves. As fotos deste encontro privado foram colocadas nas redes sociais pelo próprio Ministério, referindo que “o tema central” foi o mercado energético.

Sampaio Nunes, que chegou a ser secretário de Estado Carvalho no curto Governo de Santana Lopes (Julho de 2004 a Março de 2005), tem sido um dos principia dinamizadores da construção de uma central nuclear, tendo estado associado à empresa Enupor – Energia Nuclear de Portugal, liderada por Patrick (Patrício) Monteiro de Barros, que apresentara em Junho de 2005 um projecto de construção de uma central nuclear de 1.600 MW, muito criticada na altura. O projecto nunca passou das intenções e a Enupor acabou dissolvida em Setembro de 2022. Sampaio Nunes é, aliás, um dos expoentes do empreendedorismo a pensar alto e que acaba por nem levantar voo: em 2007, através da Greencyber, pretendia construir uma refinaria de biocombustível em Sines, num investimento de 80 milhões de euros, para produzir 250 mil toneladas por ano. Recebeu mesmo a classificação PIN (projecto de interesse nacional). Nada avançou e a Greencyber foi declarada insolvente em Janeiro de 2019.

Uma das fotos divulgadas pelo Ministério do Ambiente e Energia (DR)

Quanto a Luís Mira Amaral é um histórico ministro do período do cavaquismo, primeiro como ministro do Trabalho e Segurança Social (1985-1987) e depois como omnipotente ministro da Indústria e Energia (1987-1995). Se é certo que não conseguiu impor, como governante, a sua preferência como governante – sobretudo por o desastre de Chernobyl de 1986 ainda estar muito presente e existir no PSD uma forte oposição a este tipo de energia –, Mira Amaral tem vindo, há mais de duas décadas, a movimentar um lobby a favor da implementação de energia nuclear em Portugal, apesar de denunciar que aquilo que existe é um “lobby das renováveis intermitentes”, como a energia eólica e solar.  

O terceiro dos especialistas, Clemente Pedro Nunes, que reuniu com a ministra Graça Carvalho, é um professor jubilado do Instituto Superior Técnico, que chegou a ser director-geral do Ensino Superior entre 1989 e 1997. Também com larga experiência em gestão de empresas do sector químico, Clemente Nunes tem sido particularmente crítico às excessivas bonificações para o sector das renováveis durante o Governo Sócrates – e que são, em grande parte as responsáveis pelo custo elevado da electricidade para os consumidores –, mas simultaneamente é um grande adepto do nuclear.

Por fim, Bruno Soares Gonçalves, docente do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico e presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), tem sido um dos mais activos defensores da energia nuclear, tendo lançado há menos de dois anos livros sobre esta temática de leitura gratuita. O primeiro intitula-se “Fusão nuclear na era das alterações climáticas” e o segundo, em tom mais ‘evangélico’ intitula-se “Nuclear: repostas revestidas de factos científicos contra a intolerância nuclear e radiofobia”. Neste último, diz ter sido “escrito sob a forma duma posologia que deverá ser aplicada mediante a identificação dos sintomas de radiofobia ou intolerância nuclear presentes nos posts das redes sociais ou artigos”.

Da esquerda para a direita: Bruno Soares Gonçalves, Pedro Sampaio Nunes, Clemente Pedro Nunes e Luís Mira Amaral, durante a reunião com a ministra do Ambiente e Energia no passado dia 6 de Junho. (DR)

Além disso, Bruno Gonçalves tem sido particularmente activo na escrita de artigos de opinião em apoio á energia nuclear, como sucede na secção Azul do Público, dedicada sobretudo às alterações climáticas e ambiente. Saliente-se que o Azul é uma secção patrocinada financeiramente por diversas instituições, entre as quais a Biopolis, um consórcio de investigação entre a Universidade do Porto e a Universidade francesa de Montpellier, que tem ensino ligado às questões da energia nuclear.

Note-se também que três destes especialistas que reuniram no Ministério do Ambiente – Clemente Pedro Nunes, Mira Amaral e Pedro Sampaio – são co-autores de um livro lançado em 2009 intitulado “Energia nuclear: uma opção para Portugal”, onde defendiam que “as preocupações ambientais com a emissão de dióxido de carbono (evidente na queima de combustíveis como o petróleo e o carvão), os riscos de dependência geoestratégica de produtores de petróleo e gás natural em regiões instáveis ou que não controlamos, como é o caso da Rússia, Médio Oriente e Magrebe, e ainda as preocupações com o esgotamento dos combustíveis fósseis, face a uma procura crescente de novos países tornam a energia nuclear uma boa opção para Portugal”.

A posição sobre a produção de energia nuclear em território português no anterior Governo era de oposição clara. Duarte Cordeiro disse, por diversas vezes não ver vantagem no nuclear que a opção passava por alcançar 80% de eletricidade renovável até 2026 através da combinação de energia hídrica, solar e eólica, incluindo eólicas offshore.

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Antes de assumir a pasta de ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho não era tão taxativa em recusar a energia nuclear. Em Dezembro do ano passado, ainda como eurodeputada do PSD, disse, em discurso no Parlamento Europeu, que “pessoalmente, não vejo o nuclear como opção para o meu país”, mas acrescentou que “se existir tecnologia com o potencial de produzir energia limpa, de forma segura e acessível para os consumidores, esta tecnologia deve ser considerada na equação”, fazendo explicitamente referência aos “pequenos reactores modulares”, uma nova tecnologia ainda em fase de protótipo, que ‘promete’ disseminar a energia nuclear para fins específicos, com uma potência instalada entre 10 e 300 MW.

O interesse na aposta da energia nuclear – que tem associado os riscos ambientais de acidente, a perenidade dos resíduos readioctivos e os perigos do aproveitamento do plutónio para armamento – tem vindo a ganhar força à boleia das políticas associadas ao combate às alterações climáticas, sendo que a Comissão Europeia lançou em Fevereiro passado a Aliança Industrial Europeia sobre Pequenos Reactores Modulares (SMR) para facilitar e acelerar o desenvolvimento, classificando esta tecnologia como de emissões (de dióxido de carbono) zero.

No programa do Governo não existe, de forma clara, nenhuma referência ao nuclear, estando, contudo, explicita a revisão dos instrumentos de planeamento energético, em especial do Plano Nacional Energia e Clima (PNEC 2030) e da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC). Existe um esboço já concluído em Junho de 2023, onde nem sequer é colocada a hipótese de inclusão do nuclear, mas esse documento está a ser naturalmente remodelado pelo actual Governo Montenegro, sendo a abertura para reunir em privado com quatro lobistas do nuclear um sinal relevante.

yellow and black bio hazard signage
Chernoby foi há quase três décadas, mas os receios de acidentes, além dos elevados custos, mantêm-se como um dos obstáculos à aposta no nuclear, apesar do crescente lobby que apresenta este tipo de energia como ‘amiga do ambiente’ num cenário de alterações climáticas.

Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, diz estranhar uma reunião ministerial com quatro personalidades ligadas à promoção do investimento em energia nuclear em Portugal, mas acredita que os compromissos do Governo Costa nesta matéria se mantenham. “O primeiro esboço da revisão do PNEC, deixada pelo Governo anterior, deve ser mantida sobre a não inclusão do nuclear; não vejo outra alternativa”, diz.

O PÁGINA UM pediu ao Ministério do Ambiente a confirmação, ou recusa, da realização de estudos ou análises que apontem para a inclusão do nuclear na estratégia energética de Portugal, mas não obteve (ainda) qualquer reacção.


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