'Dança de canais' fez disparar lucros da Amor Ponto

TV: Cristina Ferreira facturou, em média, 230 mil euros por mês desde 2019

por Pedro Almeida Vieira // Junho 14, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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A sentença que condenou a empresa de Cristina Ferreira a pagar 3,3 milhões de euros por quebra de contrato da SIC está agora no ‘segredo dos deuses’, mas há muito que se pode saber do ‘mundo das televisões’, através da análise das contas da Amor Ponto. Apesar de ir lhe ‘custar’ caro a saída tempestuosa do canal da Impresa, não se pode dizer que Cristina Ferreira se tenha saído mal na mediática troca de canais: antes de ir para a SIC, a Amor Ponto facturava pouco mais de 110 mil euros por mês; e a partir de 2019, com alto e baixos, a média mensal subiu para impressionantes 230 mil euros. Além do salário de gerente, nos últimos cinco anos, só através da Amor Ponto, o património pessoal de Cristina Ferreira aumentou mais de oito milhões de euros. Isto mesmo depois de um ‘percalço’ causado por uma inspecção tributária às contas do período de 2015 a 2018.


O secretismo da sentença que condenou a empresa da apresentadora Cristina Ferreira, agora na TVI, a pagar cerca de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra contratual, não permite esconder um mundo de salários milionários nas televisões portuguesas se se analisar, como fez o PÁGINA UM, as demonstrações financeiras da Amor Ponto.

Apesar de Cristina Ferreira ter conseguido que o Tribunal de Sintra não revelasse pormenores sobre os contratos que foi estabelecendo com a SIC e a TVI, o PÁGINA UM apurou que, apesar do turbilhão mediático, Cristina Ferreira não se saiu nada mal nas sucessivas trocas de canal, mesmo se agora tenha uma penalização pouco meiga. Em 2017, quando estava na TVI a apresentar o “Você na TV” com Manuel Luís Goucha, a sua empresa Amor Ponto – nome que somente passou a adoptar a partir de Abril de 2019 – facturou 1,39 milhões de euros, quase tudo em prestações de serviços. O valor foi um pouco superior aos 1,3 milhões de euros que facturaria em 2018. Contas feitas, e descontando IVA, a Amor Ponto facturou uma média de 112 mil euros por mês.

Porém, nesse ano de 2018, a receita de Cristina Ferreira já não veio somente da TVI, porque em Setembro anunciou, com pompa e circunstância, a sua ida para a SIC, apresentando-se ao lado de Francisco Balsemão em modo de gargalhada.

“É oficial: a SIC é o futuro. O meu. A minha casa. A sua casa. Onde o desafio é o maior alimento do sonho. Estou feliz. Muito. A dois dias de fazer 41, abro a porta do entusiasmo e da surpresa. Com a certeza deste ser o meu caminho. O melhor ainda está por ver. Juntos. ❤”. E o melhor veio para ambos os lados.

A ida de Cristina Ferreira para a SIC implicou um aumento da facturação da Amor Ponto em 2019, a par dos bons resultados da contratação pela estação da Impresa. O “Programa da Cristina”, com início em Janeiro de 2010, recolocou a liderança nas manhãs com 33,8% de share e 5.0% de audiência média, o que corresponde a 486 mil telespectadores. E quanto á empresa de Cristina Ferreira, a facturação subiu para os 2,3 milhões de euros, e pela primeira vez o lucro subiu a fasquia de um milhão de euros. Em termos médios, a facturação da empresa de Cristina Ferreira subiu para um pouco mais de 190 mil euros por mês. Saliente-se que estes valores, por serem facturados como prestação de serviços, são ainda acrescidos de IVA a 23%, que pode ser dedutível.

Tudo parecia correr sobre rodas, mas em meados de Julho de 2020, Cristina Ferreira decidiu, de forma abrupta, cortar a sua ligação à SIC para regressar à TVI, concretizada em Setembro desse mesmo ano. O contrato com a estação da família Balsemão deveria durar 30 de Novembro de 2022, o que levou a ser accionado um processo judicial que veio agora culminar com a indemnização de 3,3 milhões de euros a pagar pela Amor Ponto.

Em 2019, as gargalhadas entre Cristina Ferreira e Pinto Balsemão não perspectivavam um processo que condenou a apresentadora a pagar 3,3 milhões de euros de indemnização por quebra de contrato.

A apresentadora voltou para a TVI mas assumiu novos papéis, passando também a ser administradora e accionista da Media Capital. Em Setembro de 2020, a Media Capital anunciava em comunicado divulgado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que a empresa DoCasal Investimentos – que é outra empresa detida por Cristina Ferreira, e que tem a quota largamente maioritária da Amor Ponto – adquirira 2,5% do capital social da empresa dona da TVI.

Embora não se saiba as partes pagas por cada estação na facturação de 2020, deduz-se que este regresso à TVI não foi apenas por ‘amor’, porque a Amor Ponto registou nesse ano um volume de negócios recorde, superior a 3,2 milhões de euros, dos quais quase 3,1 milhões em prestação se serviços. No ano de 2021, a empresa de Cristina Ferreira até aumentou ligeiramente a facturação para 3,3 milhões de euros. Ou seja, comparando 2017, antes da sua passagem pela SIC, com 2021, assiste-se a um incremento de cerca de 137% da facturação. Ou seja, a Amor Ponto – custo activo fundamental é a própria Cristina – contabilizou receitas em 2021 de cerca de 277 mil euros por mês.

Os dois anos seguintes não têm sido tão proveitosos, mas mesmo assim ainda acima de 2017 e 2018. Há dois ano, a Amor Ponto registou vendas e  prestações de serviços no valor de 2,5 milhões de euros e no ano passado ficou pouco além dos 2,3 milhões de euros.

Em todo o caso, nos últimos cinco anos, além dos salários como gerente da sua própria empresa (que, por exemplo, no ano passado foi de 141 mil euros, ou seja, 10 mil euros líquidos, Cristina Ferreira apresentou lucros muito relevantes, superando os 7 milhões de euros nos últimos cinco anos. De entre este lucro, e já depois da colocação do processo judicial pela SIC, Cristina Ferreira decidiu todos os anos distribuir dividendos sem constituir provisões para garantir recursos para pagar à Impresa em caso de derrota, como sucedeu.

Na análise do PÁGINA UM a todas as demonstrações financeiras entre 2017 e 2023, verifica-se que a Amor Ponto distribuiu 1,5 milhões de euros em 2020 aos sócios (leia-se, Cristina Ferreira e uma pequena quota simbólica detida pelo pai), repetindo o montante no ano seguinte. Em 2022 com a redução dos lucros, a distribuição de dividendos baixou para os 700 mil euros, e a assembleia geral da sociedade decidiu, já este ano, dar aos sócios mais 400 mil. Ou seja, desde o processo instaurado pela SIC por quebra contratual, Cristina Ferreira ‘sacou’ 4,1 milhões de euros, mais do que suficiente para pagar à indemnização à Impresa.

Mas antes desse processo, ainda relativamente às contas de 2019, Cristina Ferreira decidira distribuir (para si) quase 4,5 milhões de euros em dividendos e reservas livres (de resultados transitados), o que significa que o património pessoal da apresentadora da TVI só através da Amor Ponto ‘engordou’ cerca de 8,6 milhões de euros.

Uma nota final para um pormenor. Nas demonstrações de 2020 surge a referência a terem sido efectuadas correcções resultantes da inspecção tributária aos exercícios de 2015 a 2018” da Amor Ponto, mas não se mostra possível aferir, pela falta de dados da demonstração de fluxos de caixa, o  montante em causa, mas aparenta ter envolvido algumas centenas de milhares de euros, atendendo que no passivo de 2019 constava uma dívida ao Estado e outros entes públicos de quase 575 mil euros, valor que baixaria substancialmente no balanço dos anos seguintes.


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