A Câmara Municipal de Coimbra pagou quase 1,8 milhões de euros à JMC-Serviços de Limpeza depois de ter entregado, sem concurso, cinco contratos sucessivos a esta empresa, nos últimos 10 meses. O último ajuste directo foi assinado no dia 6 de Junho e garantiu à empresa um encaixe de 823.300 euros para prestar “serviços de limpeza das instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho de Coimbra”. Em resposta a questões do PÁGINA UM, o Município justificou a adjudicação dos contratos à JMC como uma solução de recurso após ter ter efectuado dois concursos urgentes que ficaram “desertos”. Entretanto, um concurso internacional que a autarquia lançou em Dezembro, ficou, na semana passada, em ‘águas de bacalhau’.
Limpinho e sem espinhas. A JMC-Serviços de Limpeza, uma empresa com um capital social de 5.000 euros, com sede em S. João da Talha, não teve de enfrentar concorrência para facturar 1,89 milhões de euros em 10 meses. A Câmara Municipal de Coimbra adjudicou àquela empresa, em catadupa, cinco contratos por ajuste directo sucessivos para a prestação serviços de limpeza de instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho.
Segundo a autarquia, a entrega do ‘serviço’ directamente à JMC foi a solução de ‘recurso’ encontrada, depois de ter organizado dois concursos que ficaram “desertos”, sem nenhuma empresa a mostrar interesse.
Quem ganhou com o ‘deserto’ aparente de concorrentes foi a JMC que, só no mais recente contrato com aquele Município facturou 823.300 euros, num contrato que foi assinado no dia 6 de Junho pelo presidente da autarquia, José Manuel Silva, com um prazo de execução de 147 dias. Trata-se do maior contrato que a empresa já obteve com entidades públicas.
Mas o primeiro ajuste directo que a JMC angariou junto do Município de Coimbra foi a 8 de Agosto do ano passado. Naquele contrato, a empresa facturou apenas 6.339 euros para prestar “serviços de limpeza dos edifícios municipais sitos na Rua Ferreira Borges n.º 12 e n.º 22” durante três meses.
Mas, eis que, a 5 de Novembro de 2023, a empresa ganhou novo contrato sem concurso. Desta vez, facturou 480 mil euros da autarquia para efectuar a limpeza de instalações municipais e escolas públicas do concelho.
Seguiu-se, a 6 de Fevereiro deste ano, novo ajuste directo de 240 mil euros para a prestação dos mesmos serviços, contrato que voltou a repetir-se a 6 de Abril, num ajuste directo do mesmo valor do anterior.
Em todos os contratos, a justificação para o ajuste directo é o “artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do Código dos Contratos Públicos“, que autoriza o ajuste directo “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Em Coimbra, além dos contratos com a Câmara Municipal, a JMC tem no Portal Base seis contratos registados com a Universidade de Coimbra, entre 2019 e 2022, com valores que vão dos 4.152,08 euros aos 55.004,80 euros, dos quais quatro foram por consulta prévia, um por ajuste directo e outro por concurso público. No total, a JMC tem 149 contratos efectuados com entidades públicas desde Março de 2017, numa receita total de 13,4 milhões de euros.
Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, a autarquia justificou a entrega dos contratos directamente à JMC como solução de ‘recurso’, após ter lançado dois concursos urgentes “que acabaram por ficar desertos”.
Segundo a autarquia, “em outubro do ano de 2023, a Câmara Municipal encontrava-se a preparar o concurso público internacional para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais e de estabelecimentos de ensino”, mas “com a transferência de competências no domínio da saúde para o Município, tornou-se necessário alargar o objeto da aquisição destes serviços de limpeza de forma a abranger os estabelecimentos de saúde”. Assim, “a preparação do concurso tornou-se mais complexa e morosa, não podendo a tramitação do mesmo estar concluída a tempo do final do contrato de limpeza, na altura em execução, para os edifícios municipais e escolas”.
Explicou que, “consequentemente, de modo a colmatar as necessidades que, entretanto, se iriam fazer sentir, nomeadamente para obstar a que tanto as instalações municipais, como os estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde ficassem sem serviços de limpeza, foram abertos dois concursos públicos urgentes, os quais acabaram por ficar desertos”. Adiantou que estes dois concursos “os potenciais interessados consideraram que o período então previsto para execução do contrato não justificava o investimento no equipamento de limpeza que o contrato impõe e, por isso, não apresentaram propostas que se continham nos limites dos preços base então definidos”.
O Município justificou que, “foi feita uma consulta informal ao mercado, tendo-se mostrado interessada a empresa JMC Serviço de Limpeza, Unipessoal Lda., a qual já tinha prestado serviços de limpeza em instalações municipais”, no ajuste directo que a empresa conseguiu em Agosto de 2023. “Consequentemente, foi feita a adjudicação por ajuste direto à JMC, enquanto decorria a preparação/instrução/tramitação do concurso público internacional, entretanto lançado em dezembro/2023”, adiantou.
Questionada sobre como foram calculados os montantes dos contratos adjudicados à JMC, a autarquia indicou que os valores tiveram “em conta a inclusão de novos locais de limpeza, a atualização da remuneração mínima mensal garantida e eventuais flutuações de preços, incluindo o pagamento de subsídios legalmente exigíveis, bem como do facto dos dois concursos públicos urgentes”, os quais ficaram desertos.
Resta saber se a JMC vai continuar a somar ajustes directos em catadupa junto da Câmara Municipal de Coimbra. Nas respostas ao PÁGINA UM, a autarquia referiu que “lançou o concurso público internacional para Aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde, a 4 de dezembro de 2023, tendo o anúncio de abertura sido publicado na 2.ª série do Diário da República (n.º 20637/2023) e no Jornal Oficial da União Europeia (n.º 2023/S 233-733466)“.
Posteriormente, o Município esclareceu que, “por deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 14/06/2024, foi tomada a decisão de não adjudicação do procedimento deste Concurso Público com publicidade internacional para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos”.
Segundo a autarquia, “por circunstâncias imprevistas (nomeadamente, relacionadas com a transferência de competências na área da saúde para o Município), será necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, tendo tal decisão determinado a revogação da decisão de contratar, conforme previsto no artigo 80.º do mesmo diploma legal”.
Explicou que “esta decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos, e consequente revogação da decisão de contratar, foi comunicada aos concorrentes em 20/06/2024 na plataforma de compras públicas Vortal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos”.
O Município adiantou que está a “ser preparado o novo concurso público internacional para aquisição de serviços de limpeza das instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho de Coimbra e aquisição de serviços de limpeza para os estabelecimentos de saúde do concelho de Coimbra que transferiram para a tutela do Município de Coimbra, a partir de 01 de janeiro de 2024, cujo lançamento no mercado se prevê que ocorra a curto prazo”.
Em resumo, deste Outubro de 2023 que a autarquia sabia da transferência de competências no domínio da saúde para o Município, o que tornou-se necessário alargar o objeto da aquisição de serviços de limpeza de forma a abranger os estabelecimentos de saúde. Em Dezembro, lançou o concurso internacional. Seis meses depois, não adjudicou o procedimento invocando que precisa alterar condições do concurso para abranger a limpeza de estabelecimentos de saúde. A autarquia não esclareceu por que motivo não interrompeu este concurso internacional e deixou que o mesmo corresse até Junho.
Dado que o contrato em vigor com a JMC tem um prazo de cerca de quatro meses, é provável que seja feito um ou mais contratos através de ajuste directo com esta ou outra empresa, invocando motivos de “urgência imperiosa”.
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