Uma semana depois de ser confirmado aquilo que era óbvio em contratos da Global Media – que o jornalista-comercial Domingos de Andrade mercadejava notícias a troco de contratos com autarquias –, sem se lhe ouvir entretanto qualquer piu nem haver demissão de cargos editoriais, anuncia-se a concretização da ‘transferência’ dos periódicos Jornal de Notícias e O Jogo e da rádio TSF para a novel empresa Notícias Ilimitadas.
Eu já ‘dou de barato’ que não haja um sistema de garantia de idoneidade para se ser detentor de um órgão de comunicação social, pelo menos a partir de uma determinada dimensão, mas pelo menos deveria haver um mecanismo oficioso de decência que impedisse que uma pessoa como Domingos de Andrade, um marketeer travestido de jornalista (encartado ainda por cima pela indescritível Comissão da Doutora Licínia Girão), assumisse um papel de relevo numa obscura transferência de títulos históricos da imprensa nacional detida por uma empresa (Global Media) em processo de vampirização financeira e com dívidas colossais ao Estado (com o beneplácito do Governo socialista) para uma novel empresa (Notícias Ilimitadas), que dizem os media ser constituída pela Parsoc (30%), pela OTI Investimentos (25%), por Domingos de Andrade (20%), pela Mesosytem (15%) e pela Ilíria (10%).
Mas isso é o que se diz, porque não há, no domínio público, nenhuma informação que confirme a estrutura societária desta empresa que apenas detém um capital social de 50 mil euros, o que não dá sequer para pagar os salários de um mês dos cerca de 150 trabalhadores que para si transitam. Na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nada consta, no registo da constituição da empresa somente surgem os administradores, e no registo do beneficiário efectivo não surge ninguém como detentor de mais de 25% do capital social. Evidente se mostra, pelo menos pelo baixíssimo capital social, que quem vai mandar no Jornal de Notícias, O Jogo e TSF não serão sequer os accionistas formalmente desconhecidos mas os ainda mais ignotos financiadores. Ter no meio disto Domingos de Andrade a liderar o processo é assustador: nem sequer muito para os trabalhadores dos órgãos de comunicação social, que aparentemente já se conformaram em contribuir para a mercantilização do jornalismo, mas para os contribuintes.
Não é, aliás, preciso ser mago nem especialista em contabilidade (e em finanças criativas), mesmo se os contornos deste negócio Global Media-Notícias Ilimitadas sejam muito estranhos (para não dizer obscuros), para perceber o que se vai passar a seguir. A Global Media – com um passivo gigantesco e uma dívida ao Estado superior a 10 milhões de euros – e o seu accionista Páginas Civilizadas vão desenvencilhar-se, sem pagar os impostos, da participação na Lusa, recebendo um pecúlio que servirá para retribuir empréstimos aos próprios accionistas, e continuarão a deixar o Diário de Notícias definhar até à insolvência com um passivo colossal, incluindo dívidas fiscais. Depois, virá o Estado lamentar a perda de um título centenário, e arranjará forma de mais uns aventureiros, tipo Marco Galinha, darem a sua bicada para salvar o tal título histórico, transformado agora em ‘pasquim de fretes’, com a benesse de um perdão fiscal e limpeza de dívidas a terceiros. Nisto, ficam a salvo os títulos agora vendidos pela Global Media. Isto tresanda tanto a podridão…
Aquilo que mais assusta, porém, é que esta descarada negociata da Global Media – que vai custar muito aos contribuintes e mais ainda à credibilidade do jornalismo – não mostra apenas a vitória dos ‘patos bravos’, com Marco Galinha à cabeça (nunca ninguém investigou a forma como se processou a venda ao fundo das Bahamas enquanto se pagavam empréstimos aos accionistas com o dinheiro que deveria pagar impostos ao Estado) e Domingos de Andrade na ilharga.
Temos ainda a situação da Trust in News, uma empresa com capital social de 10 mil euros, cujo sócio único (Luís Delgado) deveria ter sido logo ‘placado’ quando, ao fim do primeiro ano de existência (em 2018), já devia quase um milhão de euros ao Estado, e que, como não foi parado, agora está com um passivo de 30 milhões de euros e dívidas ao Estado superiores a 11 milhões de euros. Tudo isto vai custar aos contribuintes muito dinheiro. Tudo isto custou credibilidade à imprensa. Tudo isto se fez com ‘fretes’ e compromissos políticos ao mais alto nível. Mas o que custa mais é que, como não há qualquer regime de idoneidade, Luís Delgado que, a não ser que seja criminalizado pelas dívidas à Segurança Social, somente perderá os 10 mil euros de capital social. E até se pode meter em mais aventuras editoriais.
Temos ainda a situação aflitiva da Impresa e da SIC, em situação financeira desesperada há décadas, e que somente se tem salvado da falência pelo ‘estatuto’ da família Balsemão, financiando-se agora não pelas actividades operacionais mas através de um sistema que soa a um esquema Ponzi: a emissão de novas obrigações já servem só para pagar as obrigações anteriores. Até ao dia em que nada mais pingar.
E isto é apenas uma amostra. Hoje, nenhum grupo de media com alguma dimensão vive de forma desafogada e transparente. Como se viu não apenas com o fundo das Bahamas, mas ainda há pouco com a Alpac Capital, dona da Euronews e dos jornais portugueses ‘Nascer do Sol’ e ‘i’, que foi multada em 100 mil euros pela Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) por diversas infrações, entre as quais a falta de transparência quanto ao representante do fundo até à falta de identificação de investidores. Os ‘testas-de-ferro’ do fundo, que aparenta ter capitais húngaros, também foram multados, mas nada os impede de se manterem à frente dos destinos de um grupo de media. Tudo bons rapazes.
Até a Medialivre, que aparenta folga financeira, teve necessidade de pedir sscretismo ao seu contrato parassocial à ERC, que lhe concedeu a benesse. Que esconde a empresa que detém o Correio da Manhã, a CMTV e agora o canal Now? Aliás, como o PÁGINA UM referiu recentemente, como a Medialivre tem Cristiano Ronaldo como sócio, beneficia de um regime de protecção especial que lhe permite não ter de identificar os beneficiários efectivos.
Hoje, vê-se como solução para a crise da imprensa a existência de reforçados apoios do Estado, esquecendo que é sobretudo a falta de qualidade e o viés criado por ‘mercadores da imprensa’ que mais contribuem para o afastamento do público e para a desvalorização (financeira) do papel dos jornalistas.
Hoje, banalizaram-se muitas práticas terríveis – como as notícias pagas, as parcerias comerciais e a auto-censura com eventuais comparticipações financeiras –, e isso deveu-se à sua aceitação pelos jornalistas, que se calam e que até criticam ou ostracizam quem as denuncia. Há, além disso, uma espécie de omertà, de silêncio cúmplice, porque (quase) todos têm telhados de vidro, (quase) todos receiam represálias, (quase) todos pactuam para não afectar empregos, prebendas, amizades e ambições. Tem sido tudo isto a matar o Jornalismo, enquanto Luís Delgado vive na sua quinta em Santo Estêvão, o inenarrável Domingos de Andrade se vai tornar no homem-forte de um novo grupo editorial e a família Balsemão insufla ‘oxigénio’ em mais uma emissão obrigacionista depois das ajudas do Novo Banco. Presumo que “vai ficar tudo bem”. Assistimos, na verdade, ao Triunfo dos Porcos que emporcalham a democracia.
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