Título
Bacalhau: uma história global
Autor
ELISABETH TOWNSEND (tradução de Pedro Bernardo)
Editora
Bookbuilders (Dezembro de 2023)
Cotação
17/20
Recensão
"A minha música parece ter nela um gosto de bacalhau", terá dito em certa ocasião o mais célebre compositor norueguês, Edvard Grieg (1843-1907), e quem somos nós para duvidar da sua interpretação. O certo é que o bacalhau é o rei incontestado de todos os peixes, tanto na Noruega como em Portugal, conferindo o seu gosto a muitos aspectos da nossa História e da nossa Culinária.
Através de um breve livro (184 pág.), Elisabeth Townsend revela-nos um vasto conjunto de curiosidades acerca do afamado gadídeo, commumente conhecido como bacalhau-do-atlântico, ou mais pomposamente Gadus morhua, presença habitual sob múltiplas formas à mesa dos portugueses desde tempos imemoriais.
O livro encontra-se dividido em seis capítulos: "O que é o bacalhau?"; "O bacalhau alimentou a Era dos descobrimentos, 500-1500"; "As guerras do bacalhau e a expansão da pesca, 1500-1976"; "O comércio leva o bacalhau aos quatro cantos do mundo, 1400-1970"; "A sustentabilidade no século XXI" e por fim um capítulo que ensina a "Conservar, comprar e preparar o bacalhau". Destaque para um conjunto de páginas a cores extra-texto com reproduções de cartazes, quadros ou fotografias alusivas ao dito cujo, assim como à secção dedicada a receitas de bacalhau, que vão desde 1393 até aos dias de hoje, oriundas de vários países. De entre elas, salientamos a receita de Soufflée de morue, da autoria de Auguste Escoffier, a do Bacalao a la Vizcaína, ou ainda as nossas tradicionais de Bacalhau à Brás ou a do Bacalhau à Gomes de Sá.
De acordo com a autora, o bacalhau-do-atlântico "tem entre 4 e 5 milhões de anos", e não só foi testemunha como protagonista de alguns dos mais extraordinários momentos da história mundial, servindo de alimento para as explorações levadas a cabo pelos Viquingues nos mares do Norte e a sua chegada à América do Norte, ou para nutrir as tripulações portuguesas no caminho marítimo para a Índia.
Aliás, Portugal, por causa dos Descobrimentos, foi um dos países responsáveis pela difusão do consumo de bacalhau salgado por todo o mundo, incluindo a variedade de confecções que lhe está associada. De entre as muitas receitas destacamos o esparregado de bacalhau, em Angola, confeccionado com bacalhau salgado, folha de mandioca, pimenta-da-guiné, pimento verde e óleo de palma, ou o chutney de bacalhau, em Goa.
Apesar da sua abundância, não existem muitas espécies de bacalhau no reino piscícola. Além do bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua), apenas se conhecem outras duas espécies pertencentes ao género Gadus: o escamudo-do-alasca (Gadus chalcogrammus) e o bacalhau-do-pacífico (Gadus macrocephalus). Dúvidas ainda subsistem acerca da natureza do bacalhau-da-gronelândia (Gadus ogac), a fim de se apurar que "é da mesma espécie ou se é vagamente aparentado com o bacalhau-do-pacífico". Mas de todos eles, aquele que tem tido "o melhor desempenho comercial do mundo" e que se tornou "um alimento global" é sem dúvida o bacalhau do Atlântico Norte. Infelizmente, hoje em dia, devido ao aumento do seu consumo e à pesca excessiva, estamos "confrontados com a ameaça de extinção deste alimento essencial."
O grande bacalhau-do-atlântico é um peixe cheio de apetite e um omnívoro por excelência: "No estômago de bacalhaus atlânticos já se encontraram objectos inimagináveis, não comestíveis: uma aliança de noivado, parte de uma dentadura, fiapos de lã e roupas, botas velhas, cigarreiras, latas de óleo e bonecas de borracha, entre outras coisas". Isso mesmo nos ilustra o pintor Pieter Bruegel na sua obra "Os peixes grandes comem os pequenos" (1556), reproduzida nesta edição.
No meio de todas estas curiosidades, Elisabeth Townsend informa-nos de que "o maior bacalhau de que há registo", foi pescado à linha, em Maio de 1895, ao largo da costa do Massachusetts (E.U.A.), pesava 96 quilos e media mais de 1,8 metros. Sobre o tempo de vida de um bacalhau, ficamos a saber que vai "de algumas horas a mais de 20 anos", sendo que "as estimativas variam entre 20 a 25 anos, mas hoje em dia raramente passam dos 15 anos". E como conseguimos calcular a sua longevidade? Pois bem, pelos vistos a Natureza encarregou-se de nos deixar uma pista: "Os cientistas descobriram que o bacalhau tem um osso no ouvido, ou otólito, no cérebro que pode ser usado para determinar a idade, tal como se faz com os troncos de árvore, quando contamos os anéis."
Para terminar, a autora revela mais uma curiosidade. Sabia que a Nigéria é um grande consumidor de bacalhau seco? Seguramente que a maioria dos leitores desconhecia este facto. Tal ficou a dever-se à Guerra Civil da Nigéria (1967-1970), também chamada de Guerra do Biafra, onde milhares de pessoas morreram devido à fome. No âmbito da ajuda internacional que o país recebeu no pós-guerra, contava-se a participação da Noruega, precisamente, com uma doação de bacalhau seco, uma vez que tal não carecia de refrigeração e continha todos os nutrientes essenciais para alimentar os nigerianos. "Hoje em dia, o bacalhau seco faz parte da dieta nigeriana e é uma parte importante da cultura culinária da Nigéria", expressa em múltiplas confecções, onde tudo deste magnífico peixe se aproveita e não há desperdício.
Eis um livro pequeno, breve, que se lê de um fôlego, mas abarrotado de curiosidades que nos aumentam a afeição que já manifestamos por este fiel amigo. Que ele nunca nos falte à mesa.