Impunidade e protecção política permitiu dívidas monstruosas

Trust in News: sem pagar nada, empresa de 10 mil euros já vai em ‘calotes’ de 30 milhões

a bird flying in the sky

por Pedro Almeida Vieira // Julho 3, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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Por agora, são 170 os credores da Trust in News, que até incluem o apresentador Cláudio Ramos, embora o apresentador da TVI tenha ficado a ‘arder’ com apenas 3.400 euros. Pior está o Estado, que é credor de quase 16 milhões de euros. O colapso da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado é uma das estórias mal contadas do jornalismo português, porque surge apenas seis anos depois de um suposto negócio de sucesso, quando a Trust in News comprou diversos títulos, com a revista Visão à cabeça, prometendo pagar 10,2 milhões de euros à Impresa. Afinal, só pagou cerca de um terço, usando um empréstimo do Novo Banco, a quem deu calote, e foi construindo sem incómodo um passivo que vai já nos 30 milhões de euros. Mais de metade são dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira. Tudo com a ‘protecção’ do Governo de António Costa, que, desde o ano passado, quando o PÁGINA UM descobriu o ‘buraco’ da dona da Visão, nunca esclareceu como era possível uma empresa com capital social de 10 mil euros manter actividade com um tão elevado grau de incumprimento perante o Estado.

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Há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM revelava, num dos ‘segredos’ mais escondidos da crise financeira dos media, assente em cumplicidade política ao mais alto nível governamental, que a Trust in News – a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado – tinha uma dívida astronómica ao Estado, e que até a escondia da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Nessa primeira investigação, destacava-se que a dona da revista Visão – e de mais uma dezena e meia de títulos, comprados à Impresa em 2018 – tinha uma dívida ao Estado que já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

O montante dessa astronómica dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

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No decurso dessa primeira notícia, à qual se seguiriam outras, a então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até há cerca de um mês, quando deu entrada no Tribunal de Sintra um pedido de Processo Especial de Revitalização (PER), tendo o PÁGINA UM confirmado, mais uma vez em primeira mão, no passado dia 4 de Junho, que a empresa de Luís Delgado tinha também dívidas à Segurança Social, o que consubstanciava um eventual crime. O PÁGINA UM apontava então que as dívidas ao Estado já teriam ultrapassado os 14 milhões de euros, sendo que o passivo rondava os 30 milhões de euros.

E assim é. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta mesmo dívidas de cerca de 30 milhões de euros, dos quais 15,9 milhões são ao Estado. Deste montante, 8,9 milhões de euros são de comparticipações não pagas à Segurança Social e 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais. Saliente-se que o plano de recuperação proposto apenas será aprovado com o voto favorável das entidades estatais, o que a suceder com o Governo Montenegro constitui um regime de proteccionismo a grupos de media que não cumprem as normas legais. Recorde-se que em apenas cinco anos, o então Governo de António Costa permitiu que o grupo de revistas da Trust in News subisse o ‘calote’ até aos 15 milhões ao Estado, sem nunca sequer passar pela lista de devedores. E isto numa empresa com um capital social de apenas 10 mil euros.

A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

Foi anunciado no início de 2018 que a transacção seria de 10,2 milhões de euros, mas nas contas da Imprensa surgem sucessivas renegociações. Nas contas de 2023, o grupo de Pinto Balsemão assumiu já que não esperava vir a receber 2,5 milhões de euros. Assim, se consideramos que ainda está em dívida 4,2 milhões de euros, então Luís Delgado apenas pagou à Impresa 3,5 milhões de euros, através de um empréstimo do Novo Banco. Ora, como o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco é de 3,5 milhões de euros, significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos.

Hoje, o Jornal de Negócios adiantou ainda um rol com alguns dos 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros).


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