Assistir às sessões das Comissões de Inquérito da Assembleia da República faz perder a paciência ao mais sossegado dos Santos.
O comportamento da maioria dos deputados é desastroso, confrangedor e abusivo.
Sustentados num Poder que lhe foi entregue pelo Povo Português, no sentido de o representarem nas suas ambições, nas suas queixas, nas suas propostas, usam aquele para auto-promoção transformando a Casa da Democracia numa Feira de Vaidades.
É sabido que não há nada pior do que dar algum Poder a quem nunca teve responsabilidades profissionais.
A tendência é mostrar que o têm, mesmo que acabem por o usar da pior forma, num misto de sobranceria e exibicionismo.
Depois, porque na política há diversas ideologias (demasiadas, diria mesmo) sentem-se no direito de dizerem o que querem, e da maneira que entendem, sem correrem o risco de ser criticados.
Para se distinguirem uns dos outros, de maneira que os seus nomes passem a ser conhecidos, carregam nos adjectivos e, por vezes, no intuito de serem irreverentes, acabam por roçar a boçalidade.
Acreditam que há que ser, sempre, mais ríspido, mais agressivo, mais violento que o orador anterior de modo que não fiquem dúvidas sobre o poder que julgam ter em relação aqueles que estão a inquirir.
A esta falta de educação e respeito, mais habitual nos militantes de partidos extremistas, eles costumam chamar uma “tentativa de chegar à verdade”.
Na realidade não passa de uma perda de tempo e, pior, de uma falácia, já que todos sabem que os resultados destas Comissões de Inquérito são absolutamente inúteis, para além da publicidade que alguns conseguem.
Acredito que, para parte da população, o seu desempenho mostre empenho e coragem.
A maioria, todavia, encara aqueles interrogatórios como uma triste evidência de abuso de poder.
O interrogatório ao Dr. Nuno Rebelo de Sousa foi mais uma demonstração de arrogância, petulância, desplante e prepotência.
Quero deixar claro que não concordo com a actuação que este teve até ao momento.
A ser verdade que tentou uma “cunha”, para ajudar uma mãe cujas filhas estavam em risco de vida, e se esse gesto não lhe trouxe qualquer dividendo, deveria, desde logo, assumir isso.
Poucos portugueses não ficariam do seu lado.
Caso ele tenha usado os seus conhecimentos recebendo algo em troca, e atendendo aos valores de que se fala, então deverá ser levado à Justiça e esperar que esta faça o seu trabalho.
Os deputados sabem que é assim e devem respeitar a Justiça cumprindo as leis, incluindo no que concerne aos direitos dos arguidos.
Tentarem agir como polícias de investigação, acusadores e, mesmo, juízes é inconcebível.
Todas as pessoas que são chamadas a depor nestas Comissões de Inquérito, desde que tenham sido constituídas arguidas, têm a prerrogativa de não responderem às questões dos deputados.
E eles sabem (ou deviam saber) disso.
O problema é que tal os impediria de, perante o país, exibir o que pensam ser a sua superioridade em termos éticos, de integridade e de inteligência.
Daí que, por vezes, e apesar dos avisos prévios de que os inquiridos não responderiam a qualquer pergunta, estes são metralhados com imensas questões e sempre num tom inquisitório que chega a roçar o insulto.
Frases como “não responde por cobardia” ou “não responde porque é cúmplice”, para além de indiciarem uma inadmissível má-educação, são uma inexplicável prova de ignorância.
Não respondem porque têm esse Direito, por vezes estão mesmo proibidos de o fazer pelos Tribunais, e optam por essa via.
Qualquer miúdo da terceira classe compreenderá isso.
A real importância de um deputado pode ter o tamanho que cada cabeça entender, mas como os seus poderes estão escritos, porque todos eles sabem ler e, acredito, a maioria conseguirá perceber os textos, não consigo compreender o tom ameaçador utilizado nas perguntas, menos ainda alguns dos seus gestos e expressões faciais.
Pergunto a mim mesmo se alguns destes (e destas) inquiridores tivessem seguido a carreira policial, não iriam integrar o grupo daqueles que conseguem as confissões à força de pancada.
Cada vez mais questiono a frase de António Costa quando confessou, numa fase de revolta contra aquele que considerava o seu maior amigo, que “o Primeiro-Ministro não pode ter amigos”.
Acredito que ele queria generalizar e dizer “os políticos não podem ter amigos”.
Na verdade, eu penso que o contrário não é menos verdadeiro.
Ou seja, “um cidadão normal não deve ter amigos políticos”.
Por vezes, nem Pai que seja político.
Mas isso já seria outra crónica e escrita com uma revolta bem maior!
Vítor Ilharco é assessor
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