Para promover uma campanha de descontos do Correio da Manhã, a CMTV decidiu ir dar uma ‘ajudinha’, fazendo uma reportagem numa papelaria lisboeta e usando uma jornalista. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou, porém, abusivo o uso de um espaço noticioso para auto-promoção e levantou agora um processo de contra-ordenação à Medialivre. A campanha do Correio da Manhã, que nem sequer se mostrou um sucesso comercial, pode agora vir a custar uma coima de até 150 mil euros.
A CMTV arrisca uma multa máxima de 150 mil euros por ter transmitido num noticiário uma reportagem em directo a promover cupões de desconto do Correio da Manhã. Para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que aprovou a deliberação no final do mês passado, e a divulgou ontem, o serviço noticioso Grande Jornal da Tarde, no canal televisivo não poderia ter feito, no passado dia 22 de Janeiro, uma evidente campanha de autopromoção do diário da Medialivre, ainda mais usando uma jornalista-estagiária, Beatriz Henriques Ferreira (TP 1351), apesar de ser ilegalmente identificada como Beatriz Ferreira, uma vez que este é o nome profissional de uma jornalista do Observador (CP 7350).
Por esse motivo, a ERC fez também uma participação à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), contra a jovem jornalista face à regulamentação que impede a participação em actividades de índole promocional, excepto se for para o próprio órgão de comunicação social. Apesar do mesmo grupo de media, o Correio da Manhã e a CMTV são órgãos de comunicação distintos, mesmo compartilhando a mesma direcção. Na CCPJ, porém, um dos três membros do Conselho Disciplinar é o jornalista Miguel Alexandre Ganhão, editor da seção de Política e Economia da CMTV.
Espoletado por uma queixa particular, a reportagem integrada no noticiário da CMTV destacava “a campanha que lhe permite comprar o Correio da Manhã por apenas um euro”, sendo que o pivot, antes de ‘lançar’ a jornalista Beatriz Ferreira presente na Papelaria Suave, em Lisboa, informava que “hoje é dia de usar o cupão que saiu durante o fim de semana e ter um desconto de 50 cêntimos”. E no oráculo lia-se, em letras garrafais: “HOJE: O SEU CM POR APENAS 1€” e “CUPÃO DÁ DESCONTO DE 50 CÊNTIMOS”.
Analisada a reportagem, onde a jornalista aludia “desde logo ao preço do jornal com o desconto dado pelo cupão” – dizendo que “começa mais uma semana em que os leitores podem comprar o Correio da Manhã por apenas um euro”, e instruía sobre a forma de obter os descontos”, a ERC não teve dúvidas em considerar uma “auto-promoção”, assentando que “existe um dever de separação entre conteúdos promocionais e conteúdos jornalísticos que vem sendo sedimentado ao longo do tempo e que vem englobando as adaptações que a evolução do campo da comunicação social vem exigindo”.
Particularmente evidente se mostrou a ‘entrevista’ da jornalista Beatriz Ferreira à proprietária da Papelaria Suave sobre a adesão à campanha, que garante que “até há clientes que deixam o cupão quando é publicado para reserva do jornal nos dias que se seguem”, revelando também que no seu estabelecimento o Correio da Manhã é “o jornal diário mais vendido, sim senhora”.
E, sua defesa, a CMTV assegurou à ERC que apenas “pretendeu fazer uma cobertura noticiosa com relevância editorial (concorde-se ou não com as opções editoriais seguidas), da iniciativa do Correio da Manhã e não actuar ‘promocionalmente’ para facilitar/incrementar a venda do jornal”.
Embora admitindo que “se possa entender que a divulgação de uma iniciativa, com o impacto e o sucesso que esta teve junto do público, acaba por elogiar a imagem do Grupo Correio da Manhã”, acrescenta que “esse é o preço do reconhecimento que o público deu à iniciativa”, e que, nessa medida a Lei da Televisão (LTSAP) “não tem por objectivo vedar a divulgação de campanhas bem-sucedidas e apenas publicitar as ‘más notícias’.
A ERC não foi, contudo, da mesma opinião, e assim além de instaurar um processo de contra-ordenação à CMTV – que prevê uma coima entre 20 mil e 150 mil euros –, recomendou ao canal televisivo a cumprir os deveres de isenção dos conteúdos jornalísticos, designadamente através da separação clara entre conteúdos editoriais e conteúdos promocionais”. Ou seja, uma questão cada vez mais sensível na comunicação social portuguesa.
Saliente-se que esta campanha de descontos não teve um impacte muito significativo nas vendas do Correio da Manhã durante o primeiro trimestre deste ano, que fechou com uma média diária em banca de 37.121 exemplares contra 36.396 exemplares ao longo do trimestre anterior, de acordo com dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação.
Mas comparando com o período homólogo de 2023, o diário da Medialivre vendeu menos 4.689 exemplares por dia em papel. Em todo o caso, o Correio da Manhã bate largamente a concorrências na venda de jornais em papel, vendo quase tanto quanto a soma dos três outros principais diários: Jornal de Notícias (17.943 exemplares), Público (10.234 exemplares) e Diário de Notícias (apenas 1.116 exemplares).
N.D. 21h40 de 5 de Agosto de 2024 – Lamentavelmente, o PÁGINA UM foi induzido em erro pela identificação da jornalista da CMTV que, de forma pública usa, o nome profissional de Beatriz Ferreira, sendo que está impedida por lei de o fazer, uma vez que esse nome profissional é detido por outra jornalista, do jornal Observador, que detém a carteira profssional (CP) 7350. Na verdade, a Beatriz Ferreira da CMTV, ainda nem sequer é jornalista, estando em estágio com a carteira TP 1351, sendo identificada pelo nome Beatriz Henriques Ferreira. Por lei, um jornalista não pode usar o nome de outro, ainda mais estando no activo. Mas a ‘bandalheira’ impera na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que deveria impedir estas situações ilegais. Mas, convenhamos, que, neste aspecto, a CCPJ até já teve uma presidente (Leonete Botelho) que nada fez para que o então director do jornal onde trabalha(va) usasse apenas o nome profissional do seu registo pessoal. Independentemente de ter cometido um lapso por causa de uma ilegalidade da CMTV, o PÁGINA UM apresenta as desculpas à verdadeira Beatriz Ferreira (CP 7350). E procedeu à devida correcção.
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